Publicidade
Publicidade
07/09/2003
-
09h01
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo
Mais uma relíquia da MPB que sai do segredo: a Eldorado reedita o raríssimo "O Canto dos Escravos", que reuniu pela primeira e única vez num mesmo disco, em 1982, as matriarcas cariocas Clementina de Jesus e Tia Doca e o sambista paulista de gueto Geraldo Filme.
O projeto original consistia em agrupar nas vozes negras dos três artistas uma série de "vissungos", cantos em língua africana que eram levados pelos escravos nas minerações de Diamantina (MG).
A matriz do álbum foi o livro "O Negro e o Garimpo em Minas Gerais" (43), de Aires da Mata Machado Filho. Continha 65 partituras de cantos de dialeto banto, das quais 14 foram selecionadas para serem distribuídas entre as vozes de Clementina, Geraldo e Doca.
Os cantos do tempo da escravidão, todos sem nome, se seguem num linguajar misto -ao final das letras transcritas, pequenos sumários (também recolhidos do livro) explicam os assuntos de que tratam as cantigas.
Os três cantores só dividem efetivamente o primeiro canto --a partir dali, vão se revezando em faixas compostas de voz e percussão. Mas o encontro vaza para o terreno do simbólico: se fizesse sucesso à época, "O Canto..." teria significado uma raríssima comunhão entre os distanciados samba carioca e samba paulista.
Unidos pela corrente sanguínea de ex-escravos, os três artistas traziam na bagagem trajetórias musicais difíceis, acidentadas.
Clementina de Jesus (1901-87) encerrara em 79 fase de mais de uma década gravando na EMI-Odeon -"O Canto..." seria o último registro da voz de Clementina num álbum, digamos, seu. Geraldo Filme (1928-95) vinha da história marginalizada num ambiente triplamente marginalizado, o do samba paulistano. Estreara antes com "Geraldo Filme" (80). "O Canto..." foi também seu último disco. Tia Doca, 70, era pastora da Portela e vocalista de apoio no samba carioca. Segue com carreira discográfica intermitente.
O disco da Eldorado agia, pois, em várias frentes. De cara, trazia à tona os saberes espontâneos e quase perdidos dos negros aprisionados em séculos que já haviam ido embora. Na segunda camada, revigorava as vozes nobres, estrondosas e quase perdidas dos contemporâneos (e livres) Clementina, Geraldo e Doca.
Hoje, Tia Doca continua por aí, e o disco quase secreto ganha enfim uma segunda chance. Os majestosos Clementina e Geraldo Filme é que não voltam, a não ser por este CD e por álbuns ainda não relançados.
Avaliação:
O Canto dos Escravos
Artistas: Clementina de Jesus, Geraldo Filme e Doca
Lançamento: Eldorado
Quanto: R$ 28, em média
"O Canto dos Escravos" encurta distância entre sambas de RJ e SP
Publicidade
da Folha de S.Paulo
Mais uma relíquia da MPB que sai do segredo: a Eldorado reedita o raríssimo "O Canto dos Escravos", que reuniu pela primeira e única vez num mesmo disco, em 1982, as matriarcas cariocas Clementina de Jesus e Tia Doca e o sambista paulista de gueto Geraldo Filme.
O projeto original consistia em agrupar nas vozes negras dos três artistas uma série de "vissungos", cantos em língua africana que eram levados pelos escravos nas minerações de Diamantina (MG).
A matriz do álbum foi o livro "O Negro e o Garimpo em Minas Gerais" (43), de Aires da Mata Machado Filho. Continha 65 partituras de cantos de dialeto banto, das quais 14 foram selecionadas para serem distribuídas entre as vozes de Clementina, Geraldo e Doca.
Os cantos do tempo da escravidão, todos sem nome, se seguem num linguajar misto -ao final das letras transcritas, pequenos sumários (também recolhidos do livro) explicam os assuntos de que tratam as cantigas.
Os três cantores só dividem efetivamente o primeiro canto --a partir dali, vão se revezando em faixas compostas de voz e percussão. Mas o encontro vaza para o terreno do simbólico: se fizesse sucesso à época, "O Canto..." teria significado uma raríssima comunhão entre os distanciados samba carioca e samba paulista.
Unidos pela corrente sanguínea de ex-escravos, os três artistas traziam na bagagem trajetórias musicais difíceis, acidentadas.
Clementina de Jesus (1901-87) encerrara em 79 fase de mais de uma década gravando na EMI-Odeon -"O Canto..." seria o último registro da voz de Clementina num álbum, digamos, seu. Geraldo Filme (1928-95) vinha da história marginalizada num ambiente triplamente marginalizado, o do samba paulistano. Estreara antes com "Geraldo Filme" (80). "O Canto..." foi também seu último disco. Tia Doca, 70, era pastora da Portela e vocalista de apoio no samba carioca. Segue com carreira discográfica intermitente.
O disco da Eldorado agia, pois, em várias frentes. De cara, trazia à tona os saberes espontâneos e quase perdidos dos negros aprisionados em séculos que já haviam ido embora. Na segunda camada, revigorava as vozes nobres, estrondosas e quase perdidas dos contemporâneos (e livres) Clementina, Geraldo e Doca.
Hoje, Tia Doca continua por aí, e o disco quase secreto ganha enfim uma segunda chance. Os majestosos Clementina e Geraldo Filme é que não voltam, a não ser por este CD e por álbuns ainda não relançados.
Avaliação:
O Canto dos Escravos
Artistas: Clementina de Jesus, Geraldo Filme e Doca
Lançamento: Eldorado
Quanto: R$ 28, em média
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Alice Braga produzirá nova série brasileira original da Netflix
- Sem renovar contrato, Fox retira canais da operadora Sky
- Filósofo e crítico literário Tzvetan Todorov morre, aos 77, em Paris
- Quadrinhos
- 'A Richard's estava perdendo sua cara', diz Ricardo Ferreira, de volta à marca
+ Comentadas
- Além de Gaga, Rock in Rio confirma Ivete, Fergie e 5 Seconds of Summer
- Retrospectiva celebra os cem anos da mostra mais radical de Anita Malfatti
+ EnviadasÍndice