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11/10/2003
-
07h50
JOSÉ GERALDO COUTO
colunista da Folha
Um "conto de fadas 'noir'" --é assim que a tradutora e crítica Eliane Robert Moraes define "História do Olho", de Georges Bataille (1897-1962), em seu excelente prefácio à nova edição brasileira do livro.
Publicada originalmente em 1928, sob o pseudônimo de Lord Auch, essa narrativa "sui generis" inaugura uma obra literária e filosófica que conjuga como nenhuma outra do século 20 o erótico e o sagrado.
No livro, dois adolescentes --o narrador e sua amiga Simone-- perfazem uma trajetória de experimentos eróticos cada vez mais sádicos, numa atmosfera onírica e fantasmática. Um percurso que se inicia de modo quase inocente numa praia da França e culmina, num ápice de crime e perversão, na ensolarada Andaluzia.
A ação é conduzida pela sexualidade infantil, perversa e polimorfa, à revelia do princípio de realidade. O espaço em que ocorre, mesmo definido geograficamente (uma "plaza de toros" de Madri, uma igreja de Sevilha), é maleável como o dos sonhos. E a linguagem é feita de associações de imagens e palavras.
Como observa Roland Barthes em artigo incluído na edição, há no livro duas cadeias de metáforas, uma delas ligada ao olho e às figuras esféricas correlatas (ovo, testículo, bunda, sol) e a outra aos líquidos e secreções (água, urina, esperma, sangue). Esses elementos são esmiuçados em outro ensaio do volume, "Nos Tempos de Lord Auch", de Michel Leiris.
Numa espécie de epílogo a "História do Olho", sob o título "Reminiscências", Bataille aponta o que seriam as chaves autobiográficas de seu livro.
No centro de tudo estaria a imagem do pai do autor, cego e paralisado pela sífilis, que revirava o olho enquanto urinava em sua cadeira de rodas. E um episódio marcante da história --a extirpação do olho do "matador" Granero pelo chifre de um touro-- fora presenciado pelo jovem Bataille na arena de Madri.
Mas esses elementos referenciais são submetidos a um processo poético que só respeita suas leis internas de construção.
Alheio às convenções literárias e morais, Bataille cria uma escrita ao mesmo tempo translúcida e misteriosa. É um poeta-filósofo de primeira grandeza.
Avaliação:
História do Olho
Autor: Georges Bataille
Tradutora: Eliane Robert Moraes
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 37 (135 págs.)
Narrativa de Georges Bataille conjuga o poético e o obsceno
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colunista da Folha
Um "conto de fadas 'noir'" --é assim que a tradutora e crítica Eliane Robert Moraes define "História do Olho", de Georges Bataille (1897-1962), em seu excelente prefácio à nova edição brasileira do livro.
Publicada originalmente em 1928, sob o pseudônimo de Lord Auch, essa narrativa "sui generis" inaugura uma obra literária e filosófica que conjuga como nenhuma outra do século 20 o erótico e o sagrado.
No livro, dois adolescentes --o narrador e sua amiga Simone-- perfazem uma trajetória de experimentos eróticos cada vez mais sádicos, numa atmosfera onírica e fantasmática. Um percurso que se inicia de modo quase inocente numa praia da França e culmina, num ápice de crime e perversão, na ensolarada Andaluzia.
A ação é conduzida pela sexualidade infantil, perversa e polimorfa, à revelia do princípio de realidade. O espaço em que ocorre, mesmo definido geograficamente (uma "plaza de toros" de Madri, uma igreja de Sevilha), é maleável como o dos sonhos. E a linguagem é feita de associações de imagens e palavras.
Como observa Roland Barthes em artigo incluído na edição, há no livro duas cadeias de metáforas, uma delas ligada ao olho e às figuras esféricas correlatas (ovo, testículo, bunda, sol) e a outra aos líquidos e secreções (água, urina, esperma, sangue). Esses elementos são esmiuçados em outro ensaio do volume, "Nos Tempos de Lord Auch", de Michel Leiris.
Numa espécie de epílogo a "História do Olho", sob o título "Reminiscências", Bataille aponta o que seriam as chaves autobiográficas de seu livro.
No centro de tudo estaria a imagem do pai do autor, cego e paralisado pela sífilis, que revirava o olho enquanto urinava em sua cadeira de rodas. E um episódio marcante da história --a extirpação do olho do "matador" Granero pelo chifre de um touro-- fora presenciado pelo jovem Bataille na arena de Madri.
Mas esses elementos referenciais são submetidos a um processo poético que só respeita suas leis internas de construção.
Alheio às convenções literárias e morais, Bataille cria uma escrita ao mesmo tempo translúcida e misteriosa. É um poeta-filósofo de primeira grandeza.
Avaliação:
História do Olho
Autor: Georges Bataille
Tradutora: Eliane Robert Moraes
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 37 (135 págs.)
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