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29/02/2004 - 18h04

Comentário: A hora e a vez do cinema brasileiro

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LUIZ CARLOS BARRETO

Neste ano a festa do Oscar será vista pela primeira vez nos lares da China, dado que o governo chinês liberou a transmissão do evento. Assim, a festa do cinema americano, que cada vez mais se torna a festa do cinema mundial, com a participação de mais de 50 países (contando com os que inscrevem obras para melhor filme estrangeiro), iguala-se à Olimpíada e à Copa do Mundo de futebol como um dos eventos mais vistos pela televisão; ou seja, com mais de 3 bilhões de espectadores.

É a partir desse dado que se deve julgar a importância da presença de um filme brasileiro na noite do Oscar, como acontecerá amanhã, quando o magnífico "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, estará concorrendo à premiação em quatro categorias nobres: melhor direção, melhor roteiro, melhor montagem e melhor fotografia.

Assim aconteceu em 1996, 98 e 99, quando "O Quatrilho", de Fábio Barreto, "O Que é Isso, Companheiro?", de Bruno Barreto, e "Central do Brasil", de Walter Salles, concorreram à premiação de melhor filme estrangeiro.

Essa prova de vigor e excelência técnica e artística que o cinema brasileiro vem dando, não só pela sua seguida participação no Oscar, mas também pela sua presença assídua nos festivais internacionais (Cannes, Berlim, Veneza, Toronto, Mar del Plata, San Sebastian, Montréal etc.), também dá ao Brasil uma visibilidade e um prestígio na mídia internacional --que nem sempre tem motivos para dar boas notícias sobre nosso país, exceto quando nossos esportistas e artistas entram em cena e dão brilho às nossas cores.

Avaliar a importância do Oscar sob esse ângulo é a forma correta de valorizar aquele evento, não só como um concurso de valor artístico, mas sobretudo como uma grande jogada de marketing de dimensão planetária. O que não podemos, nem devemos, é transformar o Oscar, a cada ano, numa ansiedade nacional como a Copa do Mundo e estabelecer julgamento de valor sobre o cinema brasileiro a partir do fato de ganhar ou não um prêmio. O cinema brasileiro não será melhor nem pior antes ou depois do Oscar; e "Cidade de Deus" permanecerá um belo e grande filme, ganhe ou não ganhe uma estatueta, pois a simples nomeação para quatro categorias de alto nível confere ao cinema brasileiro um aval técnico e artístico que nos coloca ao lado das principais indústrias cinematográficas mundiais.

Quando, na noite desse domingo, 29 de fevereiro, o nome do Brasil for anunciado como o país de origem da produção "Cidade de Deus", instantaneamente mais de 3 bilhões de telespectadores identificarão nosso país como ator de primeira linha nesse sofisticado mundo da produção de conteúdos audiovisuais. E mais relevante se tornará esse momento pelo fato de estarmos sendo representados por uma obra cinematográfica que leva em seu bojo uma visão crítica de um sério problema social, exposto com plena e total liberdade temática e uma audaciosa concepção estética e narrativa.

Como quantificar o valor desse e de outros momentos que antecederam e sucederão ao Oscar?

Até os dias de hoje, filmes como "O Cangaceiro", de Lima Barreto, "Vidas Secas", de Nelson Pereira dos Santos, "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte, "Deus e o Diabo na Terra do Sol" e "Terra em Transe", de Glauber Rocha, "Bye Bye, Brasil", de Carlos Diegues, "Índia, a Filha do Sol", de Fábio Barreto, "Eu Sei que Vou Te Amar", de Arnaldo Jabor, "Dona Flor e seus Dois Maridos", de Bruno Barreto, "Macunaíma", de Joaquim Pedro de Andrade, "Eles Não Usam Black Tie", de Leon Hirszman, "Pixote", de Hector Babenco, e tantos outros, inclusive da recente safra da "retomada" dos jovens e talentosos realizadores como Andrucha, Beto Brant e Jorge Furtado, continuam circulando nas telas dos cinemas dos Estados Unidos, América Latina e Europa, sendo mostrados, estudados e analisados nas universidades e permanentemente comentados pela crítica cinematográfica internacional, abrindo imensos espaços de visibilidade para a vida, a gente e a cultura brasileiras.

Aí está a contrapartida sociocultural que o cinema brasileiro vem dando e continuará a dar, projetando a imagem deste rico e belo país, além de, no plano interno, vir cumprindo sua principal função, que é contribuir para o autoconhecimento e também elevar a auto-estima do povo brasileiro.

Chegou a hora, portanto, de ampliarmos a nossa visão e a nossa atitude com relação à cultura, e não mais tratarmos, sociedade e governos, a produção dos conteúdos culturais como apenas um ornamento, um enfeite, mas como uma atividade de importância estratégica e vital para alcançarmos as transformações sociais, políticas e econômicas que tanto almejamos.

Luiz Carlos Barreto, 74, produtor de cinema, foi co-roteirista e co-produtor do filme "Assalto ao Trem Pagador" e diretor de fotografia de "Vidas Secas" e "Terra em Transe", além de haver produzido ou co-produzido mais de 80 filmes.

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