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29/02/2004 - 18h07

Comentário: Baile de Hollywood não quer dizer nada para o Brasil

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CLÁUDIO ASSIS

Lá estamos de novo, desta vez mais ufanistas do que nunca, embalados pela ilusão marqueteira do grande baile de Hollywood. De repente, a mídia e o coronelismo audiovisual que ainda domina o cinema brasileiro fazem da "pátria de chuteiras" a "pátria do copião", a "pátria do celulóide". Deixamos de ser a terra do futebol e vivemos a ilusão de grande potência cinematográfica. Os jornais e TVs exaltam a nossa qualidade técnica, que agora estaria competindo de igual para igual com a dos americanos. "Yes", nós chegamos lá. Enquanto isso, de algum canto misterioso, Glauber Rocha ri, faz pilhéria da cara de todos eles.

O baile de Hollywood não quer dizer nada para o cinema brasileiro. Muitos alegam o prestígio internacional, o reconhecimento lá fora e outras mazelas sem fundamento. Tudo é desculpa para encobrir, na verdade, os egos megalomaníacos que não assumem a condição política e estética de terceiro-mundistas, adotando uma maquiagem capaz de ser premiada com uma estatueta especial. A obsessão pelo Oscar, doença que já veio no DNA de algumas das nossas famílias campeãs de arrecadação de recursos públicos, é de uma "jequice" vergonhosa.

O Oscar nunca alavancou a indústria cinematográfica de nenhum país. Muito pelo contrário. É justamente o baile de Hollywood que define o massacre das distribuidoras americanas sobre o cinema periférico de países como o Brasil. Como disse certa vez o diretor e amigo Beto Brant, não entendo para que tanta festa se aquilo é a celebração do carrasco do nosso cinema. Se estamos "lá", como vibram os corações ufanistas, é até mal sinal. É o reconhecimento do triunfo da "cosmética da fome" sobre a "estética da fome". Significa que estamos atendendo, obedecendo, cada vez mais o padrão estético dessas mesmas distribuidoras. Ou vocês acham que elas fariam lobby e empenhariam uma grana doida para defender os "nossos" representantes na disputa pela sonhada estatueta só por franciscanismo e bom coração?

O que alavanca a indústria do cinema de qualquer país é uma política feita de baixo para cima, com fomento à distribuição e comercialização. Uma política que permita uma distribuição mais justa dos recursos em todo o país e impeça a concentração do dinheiro público nas mãos de dois, três grupos do eixo Rio-São Paulo, como sempre aconteceu. Aí teremos mais inventividade, porque não estaremos condicionado a obsessões por estatuetas nem submetidos 100% ao gosto televisivo dos grandes produtores do momento, que impõem pesquisas de mercado até para decidir o corte e a edição das suas "obras de arte".

É o caso, por exemplo, de muitas produções da Globo Filmes. Nessa história, no entanto, o que é mais vergonhoso do que a "edição popular" é o bolo de recursos públicos, via isenção fiscal, que acaba beneficiando a emissora produtora, repetindo a sua saga de benesses que vem desde a ditadura militar e parece não ter fim, uma vez que a TV pleiteia uma ajudinha de milhões do BNDES. Sem falar que todas as emissoras de TV são concessões públicas.

Por que entrar um centavo público para a produção desses filmes, enquanto diretores de todo o país, a léguas da indústria das celebridades, não têm a mesma chance? Essa indústria global é bem azeitada. É um cinema que começa no jantar que a atriz famosa da novela tem com o governador de um Estado, besta que se derrete em apoio e verbas públicas, e termina na "privatização" desses recursos nos bolsos de meia dúzia de bacanas. Repete, de certa forma, o mesmo esquema Vieira Souto de antigamente, quando a indústria do cinema esteve bem ligada aos negócios imobiliários dessa caríssima avenida carioca.

Para completar a "maravilha de cenário", tem a farra das "majors" americanas associadas às grandes produções brasileiras, que representam para eles uma bela remessa facilitada de lucros e, ao mesmo tempo, encarregam-se de arrasar as pequenas e médias produções nacionais, como é o caso do cinema mexicano e, futuramente, do brasileiro.

É essa mesma gente que costuma ser bastante ufanista e vibrar com a participação brasileira no baile de mascarados de Hollywood. O jogo do Oscar é tão perverso para o nosso cinema quanto a Alca, nos moldes planejados pelo governo de George W. Bush, seria para o chamado "livre comércio" da América.

Cair no conto das estatuetas é trocar a inquietação estética pelo comodismo do smoking. Os barões do nosso cinema se iludem com a festa da temporada. Um dia irão perceber que fazem parte mesmo é daquela farra de "O Anjo Exterminador", o filme de Buñuel que aprisiona a falta de consciência tipicamente burguesa.

Cláudio Assis, cineasta, é diretor e produtor do longa-metragem "Amarelo Manga" e dos curtas "Texas Hotel" e "Soneto do Desmantelo Blue".

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