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14/04/2004 - 16h53

Cineasta chileno dá voz a testemunhas de um passado de terror

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da France Presse, em Paris

"Há pessoas que se negam a falar e outras que decidem fazê-lo. Graças a estas é possível reconstruir a história". Com o desejo de resgatar do esquecimento dezenas de ativistas desaparecidos na América Latina nos anos 70 e seus familiares, o cineasta chileno Emilio Pacull apresenta nesta semana, em Paris, um documentário sobre os órfãos do Plano Condor.

Através do olhar de Anatole, Eva e Victoria, filhos de desaparecidos políticos criados por famílias adotivas, Pacull constrói em 56 minutos um retrato das crianças que perderam sua verdadeira identidade nestes anos de repressão.

"Quis mostrar sobretudo até que ponto podemos nos reconstruir, como encontramos a energia para continuar vivendo", disse Pacull em entrevista à France Presse.

Filmado em Buenos Aires, Valparaíso (Chile) e Montevidéu, este documentário mostra, através do tráfico clandestino de filhos de ativistas presos ou mortos, as conexões existentes nos anos 70 e 80 entre as ditaduras militares latino-americanas, que implantaram o Plano Condor com o objetivo de se desfazer de seus detratores políticos.

"Minha idéia é continuar fazendo este trabalho fiel de memória, porque eu faço parte dessa geração. O Plano Condor foi um desastre para todos nós e é preciso contar este drama para que nunca o esqueçamos", disse o cineasta.

O documentário se concentra na história dos irmãos Anatole e Eva Julien, filhos de um casal de ativistas uruguaios presos e desaparecidos em Buenos Aires, que depois de terem passado vários meses no Uruguai, foram finalmente abandonados na praça de Valparaíso (Chile) quanto tinham, respectivamente, quatro e um ano de idade.

Meses depois, uma família os adotou e em 1979 sua avó verdadeira os encontrou, embora tenha decidido deixá-los com os pais adotivos.

"Às vezes me pergunto porque estou tão triste e acho que é porque me deixaram uma ferida aberta", conta Eva, mais de 25 anos depois, com uma foto em que ela aparece ainda bebê com a mãe biológica.

Por meio de Blanca, uma idosa argentina residente em Montevidéu, Pacull também conta a história de Victoria, filha de uma desaparecida que deu à luz no chão de uma cela, com as mãos amarradas nas costas.

A jovem conseguiu conciliar sua família adotiva com a biológica, recuperada anos depois, mas a dor de sua avó não cessa.

"Houve mais de 50 mil desaparecidos em países latino-americanos. Apesar das provas flagrantes, a maioria dos culpados continua gozando de total impunidade", denuncia Pacull em seu documentário.

Como exemplos, cita o ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner (1954-1989), atualmente exilado no Brasil, o ex-ditador chileno Augusto Pinochet, o ex-ditador argentino Jorge Videla (1976-81) e o ex-almirante argentino Eduardo Massera --os dois últimos cumprem pena em prisão domiciliar-- e inclusive o ex-secretário de Estado americano, Henry Kissinger, por sua suposta participação nas violações dos direitos humanos nos países sul-americanos.

Grande parte das características do Plano Condor vieram à tona depois que o advogado paraguaio Martín Almada descobriu cinco toneladas de documentos numa delegacia de Assunção em 22 de dezembro de 1992, batizados de Arquivos do Terror.

"Aprendi muito fazendo este documentário. Hoje em dia tenho claro que na Argentina, por exemplo, há energias positivas para mudar as coisas. Na rua se sente o otimismo de um povo vivo, um germe da rebelião", disse Pacull, para quem o efeito positivo que se sente na Argentina contaminará o Uruguai.

"No entanto, no Chile, a ditadura de Pinochet (1973-1990) foi muito longa e deixou marcas profundas. Meu país vive dias de prosperidade econômica, mas continua de joelhos, é uma terra triste e opaca", lamentou Pacull, que também dirigiu o documentário "Memoria de La Tierra del Fuego" e prepara um longa-metragem de ficção intitulado "Hollywood Pentagone".
 

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