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22/04/2004 - 07h29

Bia Lessa desconstrói teatro para "Medéia"

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VALMIR SANTOS
enviado especial ao Rio

Com seu 1,49 m, a encenadora Bia Lessa surge empunhando um carrinho de mão, brinca ao carregar um dos técnicos e tem sua imagem ainda mais diminuta quando no centro do chão de terra batida, de onde foram retiradas as filas originais das poltronas do teatro Dulcina (sobrou até para o palco, devidamente arrancado), ora envolto em pó e fumaça para a tragédia grega "Medéia". A idéia é erguer a obra cênica como que em ruínas. Metáforas.

A partir de hoje, a montagem do clássico de Eurípides (480-406 a.C.), protagonizado por Renata Sorrah, ocupa literalmente o teatro do centro do Rio. Ele foi inaugurado em 1935, como teatro Regina, e depois abrigou companhias como as de Procópio Ferreira (1898-1979) e Dulcina de Moraes (1911-1996).

O último a ocupá-lo foi o grupo Os Fodidos Privilegiados (do musical "O Carioca", 2004). O teatro estava fechado desde 2001. Deve ser reformado pela prefeitura no segundo semestre. Antes, é entregue à produção de "Medéia", que interfere fisicamente como bem entender.

Um deleite para Bia Lessa, 45, diretora de forte marca visual e espacial em seus projetos. Não só na área do teatro ("Viagem ao Centro da Terra", "Orlando"), à qual retorna seis anos depois da montagem de "As Três Irmãs", de Anton Tchecov, mas também nas artes plásticas e no cinema.

"Eu não gosto do mero cenário, da decoração, da mesa, da cadeira. Gosto que as pessoas [atores, espectadores] se inventem e sejam cúmplices a partir do que o espaço está propondo. Aqui no Dulcina trabalhamos com o cru do cru", diz Lessa.

O cenógrafo Gringo Cardia e o iluminador Maneco Quinderé são alguns dos parceiros que a ajudam a conceber cenas em espaços planos e aéreos, como os balcões da coxia e da platéia.

"É fundamental que o público entre no teatro e depare com nada escondido, veja o teatro como ele é. A fumaça [gelo seco], a neblina constante, vem para reforçar a questão da magia do próprio teatro e termina sendo, ela mesma, a cenografia", diz Lessa. Cerca de 300 espectadores ocupam vários pontos da sala.

A encenação procura traduzir a natureza transformadora de Medéia incorporando os elementos terra, água, ar e fogo. Há uma cortina de chuva, por exemplo.

Imortalizado pelo poema trágico de Eurípides, o mito de Medéia trata da feiticeira que arquiteta meticulosamente a vingança do marido, Jasão (José Mayer). Este a trai em busca de mais poder, mesmo tendo Medéia, rainha da Cólquida, o ajudado a ascender como herói, inclusive, cometendo outras mortes. Medéia vai assassinar os próprios filhos, depois de envenenar o rei Creonte e a filha dele, com a qual Jasão se casa.

"Transgressora, bárbara, bruxa, fêmea, enfim, essa personagem seria quase uma terrorista em nossos dias, dada a luta do mundo civilizado contra o mundo bárbaro. Só não me pergunte quem são, hoje, os bárbaros e os civilizados", diz a também co-produtora Renata Sorrah, 55.

José Mayer não vê Jasão como anti-herói, tampouco vilão. "Seu discurso não está muito distante do homem contemporâneo. Trata-se de um ser pouco voltado para os valores éticos, capaz de romper pragmaticamente compromissos sagrados, chocando a moral da época", diz Mayer, 55.

Cabe à atriz Christiana Guinle interpretar o Coro sozinha. Já os veteranos Ivone Hoffmann (Ama) e Emiliano Queiroz (Mensageiro) evocam tempos de teatro investigativo ao compartilhar a aventura de Bia Lessa. "O local cênico é apropriado, sugere a miséria da alma humana, a incapacidade de lutar contra desígnios do destino", diz Hoffmann, 60.

O repórter Valmir Santos viajou a convite da produção do espetáculo "Medéia"

MEDÉIA
De:
Eurípides
Tradução: Millôr Fernandes
Direção: Bia Lessa
Com: Cláudio Marzo, Dalton Vigh e outros
Onde: teatro Dulcina (r. Alcindo Guanabara, 19, Cinelândia, Rio, tel. 0/ xx/21/2240-4879
Quando: estréia hoje, para convidados; a temporada começa amanhã; sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h
Quanto: R$ 5 (até 13/6)
Patrocinadores: Eletrobrás e Embratel

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