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24/05/2004 - 03h51

Escritor israelense Amós Oz defende imaginação contra o fanatismo

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CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

No meio do deserto existe um oásis. Nele não há árvores frondosas, odaliscas, lagos frescos e frutas grávidas do melhor sumo. No meio do Deserto de Neguev, em Israel, existe um deserto chamado Amós Oz e nele tudo o que podemos beber são algumas talagadas de esperança, liberdade, imaginação e paz, sem nada do pieguismo que muitas vezes acompanha tais conceitos.

Foi com esses elementos que este israelense, nascido em Jerusalém há 65 anos, construiu uma das literaturas mais sensíveis de hoje sobre o "humano, demasiado humano", para emprestar a expressão de Nietzsche.

Foi na terra do filósofo alemão que o mago Oz fez suas últimas "profecias". Em 2002 o romancista e ensaísta deu uma série de conferências na Universidade de Tübingen. As aulas, nos dois sentidos, foram reunidas depois em um curto volume de nome "Contra o Fanatismo", já publicado em alguns dos 30 idiomas que imprimem suas obras e com lançamento previsto para esta semana no Brasil, pela Ediouro.

Com os assuntos dos três ensaios do livro como ponto de partida, Oz conversou com a Folha por telefone, de sua casa no árido povoado de Arad. Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - O sr. diz que a imaginação é ótimo remédio para o fanatismo. O sr. não considera os grandes fanáticos contemporâneos, como os de 11 de Setembro, um bocado imaginativos?

Amós Oz -
Imaginação, para mim, é, antes de mais nada, imaginar o outro. Um motorista sem nenhuma imaginação é pior do que um com imaginação, assim como amantes, ou maridos com imaginação estão à frente dos que não imaginam. Pessoas sem imaginação são menos capazes de se dirigir ao outro. Nesse sentido, nenhum fanático é imaginativo. Os fanáticos sempre partem do princípio de que o outro é corrupto, desorientado ou mal. Acho difícil pensar que os fanáticos por trás de 11/9 pensassem diferente.

Folha - O sr. fala que se tivesse a receita de como fazer pílulas de imaginação não seria candidato ao Nobel de Literatura, mas ao de Medicina. O francês Paul Éluard distribuiu "pílulas" de imaginação ao fazer com que seu poema "Liberdade" fosse jogado de aviões sobre a França ocupada da Segunda Guerra. O sr. acha que algo assim funcionaria na luta Israel x Palestina?

Oz -
É exatamente isso que eu e meus colegas escritores estamos tentando fazer. Mas não há meio de medir se isso está influenciando as pessoas. Ainda que soubesse que não funciona estaria mandando meus aviõezinhos de papel. É só o que sei fazer.

Folha - No livro o sr. conta que na infância aprendeu como primeiras palavras em inglês a expressão "British, Go Home!" e que chegou a jogar pedras nos soldados ingleses que ocupavam Israel. Esse passado não faz com que o sr. compreenda as crianças palestinas que jogam pedras nos israelenses?

Oz -
É claro que consigo me identificar com os jogadores de pedras palestinos. A diferença, claro, não é entre mim e esses garotos, mas entre as pessoas que mandam neles. Enquanto eu queria que os ingleses voltassem para seu país, os fanáticos islâmicos gostariam que eu saísse do meu --diretamente para o inferno. Não tenho uma Inglaterra para onde ir. Isso os garotos que arremessam pedras não entendem.

Folha - O sr. afirma que a Europa foi a responsável por banir os judeus de seu território e por barrar a permanência dos árabes. Se os europeus resolvessem saldar essa dívida que o sr. aponta, como poderiam fazê-lo?

Oz -
Os europeus estão em uma posição excelente para ajudarem os dois lados. E eles agem como velhos professores, dizendo para os dois lados "vocês não têm vergonha do comportamento de vocês?". Isso é péssimo.

A Europa poderia iniciar um plano de reacomodar os refugiados palestinos de 1948 em um Estado palestino. Poderia começar um Plano Marshall para a região, assim como os EUA fizeram com a Europa depois da guerra. Assim dariam uma contribuição para a paz. Não é preciso mais escolher ser pró-Israel ou pró-Palestina, é preciso ser pró-paz.

Folha - O sr. foi um dos fundadores do movimento pacifista de esquerda israelense, que defendeu no país a criação de um Estado palestino. Como tal, o sr. não se sente desiludido ao ver sua luta desandando?

Oz -
Raiva, sim; frustração, sim; desilusão, não. Ao final do dia ainda é um país pequeno, do tamanho da Dinamarca, com 6 milhões de judeus e 3,5 milhões de palestinos. Não posso mudar minha opinião e defender que deveríamos pegar as malas e irmos para a Escandinávia. Temos de ser vizinhos e dividir a casa em duas, o que pode demorar por termos líderes horrorosos. Sharon e Arafat são uma desgraça. Adoraria vê-los de mãos dadas, em um pôr-do-sol, com as costas viradas para a câmera, como nas más fitas americanas.

Folha - Como é a experiência de escrever ficção, em especial histórias de amor, em um ambiente de guerra?

Oz -
É a condição humana básica, em todo lugar. Não é diferente do que escrever poesia na prisão ou do que escrever um romance tendo câncer. Vivemos todos, não apenas palestinos e israelenses, na encosta de um vulcão prestes a explodir. E morando nela temos de continuar pagando os impostos, olhando a mulher bonita da casa ao lado, continuar com fantasias sobre sucesso e amor. A vida continua sempre, na guerra ou não. Fazer uma história de amor durante a guerra não é diferente do que fazê-la na pobreza de São Paulo. Vai continuar uma história de amor.

Folha - Das más notícias que o sr. leu esses dias no jornal sobre o conflito Israel-Palestina o que chamou mais atenção do sr.?

Oz -
Israel deveria tirar imediatamente seus acampamentos de Gaza. Ao mesmo tempo não tenho um pingo de admiração pelos fanáticos islâmicos. É uma batalha entre errados e errados. Nós, israelenses, não deveríamos estar em Gaza, mas quando sairmos não haverá nenhum paraíso.

Também queria aproveitar para dizer as boas novas. As vastas maiorias dos judeus israelenses e dos árabes palestinos estão apoiando em pesquisas de opinião a divisão da terra que ocupam em dois Estados. Isso significa que o paciente está, a contragosto, pronto para a cirurgia, mas os cirurgiões são covardes.
 

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