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29/09/2000
-
05h29
TIAGO MATA MACHADO, da Folha de S.Paulo
Um grupo de velhos judeus excursiona pela Polônia, retornando, como que pela última vez, à origem de um passado traumático. Entre reminiscências e querelas cotidianas, geradas pelo ranço de relações enrijecidas, eles revisitam o palco de um pesadelo de infância, Auschwitz e o gueto de Varsóvia, dando-se conta talvez, agora que estão chegando ao final da vida, de que nunca pertenceram senão aos mortos.
Não por acaso, "Viagens", notável longa de estréia de Emmanuel Finkiel, diretor que já foi assistente de Kieslowski e Godard, começa num cemitério.
Trata-se, para ele, de dar continuidade ao luto sob o qual nasceu a modernidade cinematográfica após a Segunda Guerra. É assim que a tal excursão logo abandona seu roteiro de "espaços determinados" para se perder num daqueles "espaços quaisquer" que tanto caracterizaram o cinema neo-realista do pós-guerra e a lacunar realidade de um mundo em ruínas. Nascido das cinzas, de dentre os mortos, aquele cinema carregava o luto na memória. Mas o que fazer quando a memória, esvaecendo-se, torna-se a lacuna?
As personagens de "Viagens" são as crianças do neo-realismo, isto é, os órfãos da guerra, envelhecidas. Elas continuam perdidas em perambulações, mas já não guardam a esperança, apenas um certo amargor (é o que revela Riwka, uma das protagonistas).
O retrato que Finkiel compõe aqui é o de uma geração que nem chegou a reconstruir sua identidade e já começa a perder aquela que é sua maior preciosidade, a memória (e, com ela, sua língua, o iídiche). Tal é o desespero de Regina, outra protagonista, que reencontra o pai, tido como morto durante a guerra, mas não consegue se reconhecer na memória falha do velho. Logo, ela estará apelando para fotos gastas e rasgadas, os documentos de identidade últimos -e já evanescentes- dos personagens do filme.
Zavattini definira o neo-realismo como uma arte de encontros fragmentários e fracassados. A realidade retratada aqui é a de uma geração que, vitimada pelas atrocidades nazistas, procura até hoje se
reencontrar.
Mas, como evidencia o malfadado encontro de Vera, a terceira
protagonista, com sua prima, o tempo também foi implacável para com essa geração. Assim, ainda que estruture o seu filme em torno da possibilidade de um verdadeiro encontro, Finkiel não faz senão afirmar sua impossibilidade.
Viagens
Voyages
Direção: Emmanuel Finkiel
Produção: França, 1999
Com: Shulamit Adar, Liliane Ròvere e Esther Gorintin
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco e na Sala UOL de Cinema
Leia mais notícias de Ilustrada na Folha Online
"Viagens" retrata povo sem memória
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Um grupo de velhos judeus excursiona pela Polônia, retornando, como que pela última vez, à origem de um passado traumático. Entre reminiscências e querelas cotidianas, geradas pelo ranço de relações enrijecidas, eles revisitam o palco de um pesadelo de infância, Auschwitz e o gueto de Varsóvia, dando-se conta talvez, agora que estão chegando ao final da vida, de que nunca pertenceram senão aos mortos.
Não por acaso, "Viagens", notável longa de estréia de Emmanuel Finkiel, diretor que já foi assistente de Kieslowski e Godard, começa num cemitério.
Trata-se, para ele, de dar continuidade ao luto sob o qual nasceu a modernidade cinematográfica após a Segunda Guerra. É assim que a tal excursão logo abandona seu roteiro de "espaços determinados" para se perder num daqueles "espaços quaisquer" que tanto caracterizaram o cinema neo-realista do pós-guerra e a lacunar realidade de um mundo em ruínas. Nascido das cinzas, de dentre os mortos, aquele cinema carregava o luto na memória. Mas o que fazer quando a memória, esvaecendo-se, torna-se a lacuna?
As personagens de "Viagens" são as crianças do neo-realismo, isto é, os órfãos da guerra, envelhecidas. Elas continuam perdidas em perambulações, mas já não guardam a esperança, apenas um certo amargor (é o que revela Riwka, uma das protagonistas).
O retrato que Finkiel compõe aqui é o de uma geração que nem chegou a reconstruir sua identidade e já começa a perder aquela que é sua maior preciosidade, a memória (e, com ela, sua língua, o iídiche). Tal é o desespero de Regina, outra protagonista, que reencontra o pai, tido como morto durante a guerra, mas não consegue se reconhecer na memória falha do velho. Logo, ela estará apelando para fotos gastas e rasgadas, os documentos de identidade últimos -e já evanescentes- dos personagens do filme.
Zavattini definira o neo-realismo como uma arte de encontros fragmentários e fracassados. A realidade retratada aqui é a de uma geração que, vitimada pelas atrocidades nazistas, procura até hoje se
reencontrar.
Mas, como evidencia o malfadado encontro de Vera, a terceira
protagonista, com sua prima, o tempo também foi implacável para com essa geração. Assim, ainda que estruture o seu filme em torno da possibilidade de um verdadeiro encontro, Finkiel não faz senão afirmar sua impossibilidade.
Viagens
Voyages
Direção: Emmanuel Finkiel
Produção: França, 1999
Com: Shulamit Adar, Liliane Ròvere e Esther Gorintin
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco e na Sala UOL de Cinema
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