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21/07/2004
-
08h11
SERGIO SALVIA COELHO
crítico da Folha
Na vanguarda teatral, o Japão geralmente é visto mais como um exportador de matéria prima do que de produtos manufaturados. Os códigos estritos do Nô e do Kabuki foram fundamentais para o teatro dança de Yeats e para encenadores como Jean-Louis Barrault e Ariane Mnouchkine, e no painel contemporâneo flora sempre o Butô, como no "7 Cuias" do Lume.
"Hamlet Clone" é uma ocasião rara de ver a mão oposta, um teatro japonês de influência ocidental. Instigado por "Hamlet Machine", de Hainer Müller, que levava a Dinamarca à podridão de Berlim Oriental de 1977, Takeshi Kawamura radiografa com humor cruel as mazelas do Japão atual.
O autodeboche que o espetáculo transpira vem muito de uma mistura não-homogênea do tradicional rigor da técnica corporal e cenário essencial com o mau gosto trash do Jaspion e dos mangás. Assim, o mundo enquanto prisão, metáfora central do texto shakespeariano, está expresso em eficazes módulos de gaiolas que vão recortando cinematograficamente o espaço cênico, enquanto legendas em inglês e falsos vídeos caseiros da falsa família feliz correm pelo telão do fundo.
Como nas animações japonesas, o movimento passa da solene contenção ao frenesi grotesco, em uma dança agônica que divide as cenas. Hamlet perde sua identidade ao pintar seus cabelos de loiro, até aderir ao transexualismo. Ofélia, clonada em coro de dançarinas de auditório, é massacrada pelo machismo em perversões de filmes pornôs, vestida de colegial, urinando no chão.
Obstáculo da língua
A influência de Müller se faz presente na dramaturgia fragmentada em quadros, que a legenda ao fundo vai numerando. Pressente-se uma qualidade de interpretação realista, com conflitos interiorizados, mas o duro obstáculo da língua, complicado ainda mais por uma locução brasileira de baixa qualidade, feita no Japão, condena os que não falam japonês a se contentarem com o hipnotismo da entonação, tão estilizada a ouvidos ocidentais.
O tom de paródia se perde totalmente. Algumas referências podem ser captadas sobre o gás sarin e terremotos, e um mal-estar urbano pouco divulgado, como o crescimento de moradores de rua jovens, compõem uma denúncia vigorosa, mas os turistas ocidentais só podem sorrir amarelo diante de piadas com emissoras de televisão e partidos políticos.
Uma peça japoneses para japoneses, portanto, o que não tira nada de seu mérito, mas esfria um pouco a recepção. Entre encontros e desencontros, fica-se perdido na tradução. Mas a perplexidade assim proporcionada, que quebra o chavão da serenidade sábia oriental, expõe em carne viva uma sociedade infeliz e perversa, que anda fervendo a 40 graus. "Hamlet Clone", enquanto representante da cultura japonesa, não deixa para trás o método rigoroso, mas revela que há muita loucura nesse método.
O jornalista Valmir Santos e a fotógrafa Lenise Pinheiro viajam a convite da organização do festival
Avaliação:
Hamlet Clone
Direção: Takeshi Kawamura
Com: companhia T Factory
Onde: Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141, tel. 5080-3000)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: R$ 15
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Peça "Hamlet Clone" perde na tradução
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crítico da Folha
Na vanguarda teatral, o Japão geralmente é visto mais como um exportador de matéria prima do que de produtos manufaturados. Os códigos estritos do Nô e do Kabuki foram fundamentais para o teatro dança de Yeats e para encenadores como Jean-Louis Barrault e Ariane Mnouchkine, e no painel contemporâneo flora sempre o Butô, como no "7 Cuias" do Lume.
"Hamlet Clone" é uma ocasião rara de ver a mão oposta, um teatro japonês de influência ocidental. Instigado por "Hamlet Machine", de Hainer Müller, que levava a Dinamarca à podridão de Berlim Oriental de 1977, Takeshi Kawamura radiografa com humor cruel as mazelas do Japão atual.
O autodeboche que o espetáculo transpira vem muito de uma mistura não-homogênea do tradicional rigor da técnica corporal e cenário essencial com o mau gosto trash do Jaspion e dos mangás. Assim, o mundo enquanto prisão, metáfora central do texto shakespeariano, está expresso em eficazes módulos de gaiolas que vão recortando cinematograficamente o espaço cênico, enquanto legendas em inglês e falsos vídeos caseiros da falsa família feliz correm pelo telão do fundo.
Como nas animações japonesas, o movimento passa da solene contenção ao frenesi grotesco, em uma dança agônica que divide as cenas. Hamlet perde sua identidade ao pintar seus cabelos de loiro, até aderir ao transexualismo. Ofélia, clonada em coro de dançarinas de auditório, é massacrada pelo machismo em perversões de filmes pornôs, vestida de colegial, urinando no chão.
Obstáculo da língua
A influência de Müller se faz presente na dramaturgia fragmentada em quadros, que a legenda ao fundo vai numerando. Pressente-se uma qualidade de interpretação realista, com conflitos interiorizados, mas o duro obstáculo da língua, complicado ainda mais por uma locução brasileira de baixa qualidade, feita no Japão, condena os que não falam japonês a se contentarem com o hipnotismo da entonação, tão estilizada a ouvidos ocidentais.
O tom de paródia se perde totalmente. Algumas referências podem ser captadas sobre o gás sarin e terremotos, e um mal-estar urbano pouco divulgado, como o crescimento de moradores de rua jovens, compõem uma denúncia vigorosa, mas os turistas ocidentais só podem sorrir amarelo diante de piadas com emissoras de televisão e partidos políticos.
Uma peça japoneses para japoneses, portanto, o que não tira nada de seu mérito, mas esfria um pouco a recepção. Entre encontros e desencontros, fica-se perdido na tradução. Mas a perplexidade assim proporcionada, que quebra o chavão da serenidade sábia oriental, expõe em carne viva uma sociedade infeliz e perversa, que anda fervendo a 40 graus. "Hamlet Clone", enquanto representante da cultura japonesa, não deixa para trás o método rigoroso, mas revela que há muita loucura nesse método.
O jornalista Valmir Santos e a fotógrafa Lenise Pinheiro viajam a convite da organização do festival
Avaliação:
Hamlet Clone
Direção: Takeshi Kawamura
Com: companhia T Factory
Onde: Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141, tel. 5080-3000)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: R$ 15
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