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31/07/2004 - 09h03

Grupos difundem ficção com bula de remédio, cartazes e mimeógrafo

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CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

A "literatura de gaveta", a velha ladainha do "escrevo coisas maravilhosas, mas ninguém publica", está sendo engavetada. E este não é mais um texto sobre como a internet ou os blogs permitem que qualquer um "mostre ao mundo" as suas fantásticas ficções.

O papel, lar doce lar da literatura, é parceiro preferencial de toda uma safra de jovens escritores. Quanto ao resto todo, editoras, livrarias, distribuidoras e outros braços do mercado, esqueça.

A partir da semana que vem, por exemplo, você pode topar com ficção inédita de qualidade no muro de um boteco, na fila de espera de um restaurante baiano, no cinema ou na carcaça de uma van onde se vendem baguetes.

Essas são algumas das "livrarias" onde estarão distribuídas as criações do "Na TáBUA". O projeto, que será lançado nesta quinta-feira, no bar Mercearia São Pedro, em São Paulo, literalmente coloca a literatura na parede.

Criado pelo escritor Paulo Scott e pelo ilustrador e quadrinista Fábio Zimbres, o "Na TáBUA" publica a cada mês três cartazes, cada um com uma ficção curta na metade de cima e um desenho preenchendo o andar de baixo.

As folhas tamanho A3 serão coladas em pontos variados de cinco capitais, Rio, Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte e a Porto Alegre dos coordenadores do projeto.

Foi lá, em um evento chamado "PÓQUET: Ruído e Literatura", que nasceu a idéia de colocar as atuais criações em cartaz. Nessa série de "happenings", que fez barulho nas quartas-feiras do underground gaúcho em 2002 e 2003, um dos itens mais cultuados eram seus cartazes.

Se no princípio não havia o verbo, eram só ilustrações e os nomes dos participantes, os cartazes agora ganham textos, textos de todas as gramaturas.

O único limite são os 1.800 caracteres, mas vale tanto prosa quanto verso, de autores consagradões, como Sérgio Sant'Anna ou Luis Fernando Verissimo, de escritores jovens, mas já com estrada, como Marçal Aquino e Joca Reiners Terron, de autores inéditos, como Cecília Giannetti.

A primeira edição do "Na TáBUA", que a cada mês vai lançar três cartazes, terá ilustrações de Zimbres e prosas do já premiado Luiz Ruffato e dos "jovens experientes" Daniel Galera e do próprio Paulo Scott.

O escritor diz que a idéia do projeto é "veicular ficção, não ficar reclamando que não tem espaço". Aos 37 anos, o skatista e professor de direito econômico da PUC-RS já tem dois livros de contos publicados, por editoras pequenas do Sul, mas diz que não dá para depender das livrarias. "Elas só expõem os grandes autores, que as editoras apostam."

Zimbres, 44, é um exemplo "ilustrado" disso. Um dos criadores da extinta e prestigiada revista de HQ "Animal", ex-colaborador da Folha, o quadrinista terá suas ilustrações em uma edição do livro "Panamá", de Blaise Cendrars, saindo no próximo mês na Espanha. Uma editora da França também convidou Zimbres, que já publicou na Argentina, para um livro. No Brasil, necas.

Se o visual é metade do caminho do "Na TáBUA", que já tem previstas 30 edições, cada uma com tiragem de cem exemplares de cada trio de cartazes, no caso do recém-criado Grupo Mimeógrafo é o que menos importa.

Formado por três jovens escritores que se conheceram na oficina literária do escritor gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, o coletivo recupera o aparelho usado nos anos 70 por um grupo de poetas marginais, como Chico Alvim, Cacáso e Waly Salomão (chamados de Geração Mimeógrafo), para difundir literaturas que eles mesmo produzem ou que recebem por internet ou correio.

"A idéia é trazer de volta a parte lúdica da literatura", conta Cristiane Lisbôa, 22, que criou o grupo com Jeferson Mello Rocha e Telma Scherer.

Pilotando uma máquina emprestada pela "paróquia da cidade da família da Telma, Lajeado [RS]", eles organizam distribuições de até cem folhas em eventos como a Flip, em Parati, ou nas ruas, feiras livres, bares.

"Os blogs facilitaram o contato dos autores, mas não permitem essa coisa legal de pessoas se encontrarem para darem entre si literatura de graça", diz Lisbôa.

Ela leva essa missão adiante em outra frente também. Com as amigas Alessandra Piccoli e Ana Carola Biasuz, criou a "micra" editora FinaFlor, que já publicou dois "livros" gratuitos (distribuídos no circuito São Paulo, Rio, Porto Alegre e com versões traduzidas em Londres e Barcelona).

Um deles exemplifica bem os livros "fora da estante": "Pequenos Pedaços Soltos de Histórias de Amor Verdadeiras", da própria Lisbôa, editado em formato de marcador de livros. O outro trabalho distribuído foi editado como um bloco de anotações.
A FinaFlor, que só publica mulheres iniciantes, terá também livros que serão vendidos, mas não pelas prateleiras convencionais. "As livrarias ficam com 40% do valor dos livros, credo!", brinca.

Seguindo esse raciocínio foi que nasceu a cooperativa de escritores Edições K, que só vende por internet e em lançamentos como o de seus primeiros quatro títulos, nos dias 9/8, no Rio, e 11/8, em SP.

"A idéia é driblar os intermediários, notadamente as distribuidoras de livros, e chegar o mais diretamente possível ao leitor", diz o escritor Delfin, 32, de Campinas, autor de "Kreuzwelträtsel".

Ele conta que a idéia do coletivo partiu da experiência de outro dos autores inaugurais da K , Marcelo Benvenutti, que lançou por conta própria "Livro-Laranja" no ano passado.

Benvenutti, que publica agora os contos de "Ovo Escocês", faz seu auto-retrato como alguém que não é "nenhum maldito, underground, alternativo ou indie para temer ganhar dinheiro escrevendo". A idéia era viabilizar a edição de seus textos do jeito que desse. "Quero é ser lido, reconhecido e viver confortavelmente perto das pessoas que amo."

Enquanto isso não acontece com uma turma de autores de Campos (RJ), eles distribuem literatura de outro jeito pouco convencional. "O livro impresso não vem, então distribuímos nas apresentações da Mutável Saralho Band 'bulas de remédio' com os contos que serão lidos", diz um de seus autores, Jorge Rocha, também do grupo Terra Plana, exemplo desse cenário literário brasileiro em que quem não tem brioche come mesmo pão francês.
 

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