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13/08/2004 - 09h49

Eric Rohmer resume cinema moderno em único ator

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PAULO SANTOS LIMA
Free-lance para a Folha de S.Paulo

O sonho não era nada além de um simples hiato da consciência antes de surgirem os estudos de Freud, quando o onírico conquista certo estatuto científico e passa a apartar as ambigüidades da vida. Pois a Eric Rohmer coube rodar "A Marquesa d'O", uma história ambientada na Lombardia do início do século 19, portanto, época pré-psicanalítica.

Neste filme de 1976, o sonho segue o preceito do cinema rohmeriano, que é a representação na tela daquilo que seria o real, deixando a palavra (dos personagens) dar conta de tudo o que não seja palpável e existencial. É também a evidência de como o Conde F. (Bruno Ganz) encaixa-se no mundo de um modo bem particular (na filmografia desse ex-crítico dos "Cahiers du Cinéma").

Ele é um militar russo que salva uma viúva, Julieta (Edith Clever), de um brutal estupro pelos invasores cossacos à Itália. Casa em chamas, desfalecida no leito, tal visão beirando o surrealismo traz ao conde uma paixão louca. E só um sonhador, um desvairado, para abalar sua missão em prol de um impulso tão cardíaco.

Mas Julieta não está atraída pelo seu herói, apenas grata, e não haverá outra coisa ao oficial fazer senão avançar sobre toda uma ordem estabelecida, abandonando certas posturas sociais. É jogar a máscara ao chão e assumir despudoradamente o amor e suas intenções conjugais. É deixar às claras as contradições mais absurdas, pois F. é um invasor rendido, literalmente de joelhos, à altivez do dominado. E daí surge o sonho, quando o oficial relata efusivamente à amada sobre um cisne chamado Thinka, que em meio ao fogo era pássaro e também Julieta. Ele está pouco se lixando para o significado disso tudo, e apenas radiante pela experiência.

Se os olhares e o tremer de lábios deixam às claras a inquietude diante dos impulsos, será a palavra que firmará certo conforto nessa sociedade nobre-burguesa pendulada na ressaca do terror revolucionário da razão.

Surge então um evento crucial, a gravidez da viúva, aberração da lógica já que ela nem fora estuprada pelos russos, o que faz a harmonia do lar ruir, com a palavra fugindo às regras e seus pais assassinando o amor pela ordem moral. É a partir daqui que "A Marquesa d'O" se volta ainda mais para a imagem e põe em xeque as palavras. Sempre em choque, como convém ao cinema de Rohmer. E assim Julieta põe um anúncio no jornal (a palavra) a fim de resolver o mistério. E o conde, que tanto usou a palavra para abrir a facão seus caminhos naquela sociedade entrincheirada pela moral e razão, usa a boca para terminar o seu sonho, a história do cisne que é Julieta, ou de Thinka, que é uma mulher.

Porque esse conde tresloucado entende a palavra como pura peça retórica e a imagem, sua pulsão de vida. E só Rohmer, pai do cinema moderno, para conferir a esse personagem, na tela, todo um pensamento cinematográfico de quase meia década.

A Marquesa d'O Die Marquise von O
Avaliação:
Direção: Eric Rohmer
Produção: França/Alemanha, 1976
Com: Edith Clever, Bruno Ganz
Quando: a partir de hoje no Top Cine

Especial
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