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02/03/2005 - 09h00

Tânia Maria rompe 30 anos de "exílio" musical

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CARLOS CALADO
Especial para a Folha de S. Paulo

Ela nunca mais se esqueceu daquela noite. No início dos anos 70, ao sair da boate em que tocava para amamentar o filho, foi abordada por uma viatura da polícia. Mostrar a carteira de músico profissional não adiantou.

O policial rasgou o documento, a xingou de prostituta e a obrigou a entrar no camburão. "Foi um trauma muito grande, eu tinha 22 anos. Depois daquilo, não podia mais ficar aqui", recorda a cantora e pianista Tânia Maria, que não faz shows no Brasil desde 1974, quando iniciou na França uma brilhante carreira internacional.

Esse hiato de três décadas será rompido nos próximos dias 11 e 13. Tânia Maria é a atração principal do evento "Mulheres do Brazil", no Sesc Pompéia, em São Paulo. "Considero-me uma exilada voluntária, mas a emoção que estou sentindo por poder tocar de novo no meu país é muito grande", disse ela à Folha por telefone, de Paris, onde voltou a morar em 1996, depois de viver 15 anos nos EUA.

Maranhense de São Luís, Tânia cresceu em Volta Redonda, no interior do Rio de Janeiro. Ainda cursava o conservatório, aos 12 anos, quando foi vencedora do programa de calouros de Ary Barroso, na Rádio Nacional.

Um ano depois já liderava seu conjunto, tocando em bailes, numa época em que mulheres instrumentistas eram raras. "Eu vivia cercada por homens. Muitas vezes entrava num lugar, e o baterista começava a tocar uma valsinha para me gozar", relembra.

Antes de deixar o Brasil, ela gravou dois discos que só deram uma pálida idéia do estilo emotivo e suingado que veio a desenvolver mais tarde.

O disco "Apresentamos Tânia Maria" (1969) exibia seus vínculos com a bossa nova e o samba-jazz. "Olha Quem Chega" (1971) já refletia o ambiente da MPB naquele momento, aberta a fusões com a música pop e o jazz. "Sendo filha da bossa, o jazz sempre esteve muito perto de mim. Essas foram influências que me permitiram construir o que eu faço hoje", resume a cantora.

Ditadura

Mas a repressão política do regime militar, assim como as dificuldades para desenvolver a carreira no país, levaram Tânia a tentar a sorte na Europa.

"Vi colegas de meu pai, que era metalúrgico, desaparecerem, assim como amigos meus que eram contra aquela situação. Fui admoestada até por pessoas do meio musical, por cantar músicas que falavam do nosso sufoco. Quando saí do Brasil, sabia que não ia voltar, ao menos enquanto durasse aquela situação", relembra Tânia. "Até hoje tenho medo de milico."

Ao assinar contrato com a gravadora norte-americana Concord, no início dos anos 80, Tânia já se mostrava madura e confiante. Além das composições próprias que apresentou nos álbuns "Piquant" (1981) e "Taurus" (1982), a exuberância de seus vocais e a alta energia de seus improvisos ao piano conquistaram até o influente crítico de jazz Leonard Feather.

"Consegui alugar uma casa lá nos Estados Unidos, só mostrando o que ele escreveu na capa do meu disco", diverte-se.

A essa altura, Tânia já vinha causando impacto em clubes e festivais de jazz dos EUA. A indicação de "Come with Me" (1983) para o Prêmio Grammy de melhor performance de jazz estabeleceu seu nome entre as principais cantoras desse gênero.

Segregação

Duas décadas mais tarde, vivendo de novo na França, hoje a cantora se mostra bem crítica frente ao mercado que a transformou em estrela.

"O jazz está sendo segregado nos Estados Unidos. Os clubes que ainda existem lá são caríssimos, e isso afasta as pessoas. Até hoje a Europa foi, e acho que será sempre, a maior fã do jazz. Está todo mundo tocando aqui, onde posso me exprimir mais na minha língua", diz Tânia, que praticamente deixou de cantar em inglês, nos últimos anos. "Para o ouvido do europeu, a nossa língua soa mais sensual."

A cantora completa: "Estou passando por uma fase que não é de banzo, não é saudosa. Em minha cabeça ainda existe um Brasil lindo, e isso me faz compor dentro dessa atmosfera".

O reencontro com a platéia brasileira e a aparição de Tânia no recém-lançado DVD de Ed Motta seriam indícios de que ela pretende voltar a viver no país?

"Meu coração continua brasileiro, mas a minha cabeça já não é mais. Não penso em morar no Brasil, mas não deixo de voltar todos os anos. Sem essa vitamina eu não vivo."

Carlos Calado é jornalista e crítico musical, autor de "O Jazz como Espetáculo", entre outros livros

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