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30/11/2005 - 00h00

Livro derruba mitos sobre Carmen Miranda

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LUIZ FERNANDO VIANNA
da Folha de S.Paulo

Há cinco anos, ao começar a pesquisar a vida de Carmen Miranda para uma biografia a que se dedicaria com exclusividade a partir de abril de 2003, Ruy Castro ainda considerava plausíveis alguns mitos em torno da vida da cantora. Agora, ao lançar "Carmen - Uma Biografia", poucos desses mitos ficaram de pé.

O cruzamento de dezenas de entrevistas com pesquisas em jornais e arquivos pessoais derrubou para sempre uma série de lendas. Mas, para Castro, essa operação, em vez de diminuir a "pequena notável", aumenta seu tamanho.

Divulgação
Cantora e atriz (em foto de 1944) ganha biografia
Cantora e atriz (em foto de 1944) ganha biografia

"Um dos orgulhos que esse livro me dá é que espero ter conseguido mostrar que Carmen foi praticamente a inventora da música popular brasileira como cantora. Ela inventou um jeito brasileiro de cantar. E já chegou pronta aos Estados Unidos. Na verdade, ela já estava pronta em 'Taí'", exalta Castro, 57, referindo-se ao sucesso de 1930 que transformou Carmen de anônima em estrela em um Carnaval.

O jornalista derruba no livro a idéia superficial de que o estereótipo eternizado por Carmen teria sido uma imposição de Hollywood. Afinal, "O Que É Que a Baiana Tem?" surgiu em um filme brasileiro de 1938, "Banana da Terra", e, nele, Carmen, orientada por Dorival Caymmi, já se valeu de indumentária e trejeitos parecidos com os que internacionalizaria a partir do ano seguinte.

"O que houve foi uma exacerbação do personagem", assinala Castro, lembrando que não aconteceu com Carmen nada muito diferente do que acontecia com astros e estrelas norte-americanas. "Spencer Tracy e Humphrey Bogart, por exemplo, faziam sempre o mesmo tipo. As pessoas já sabiam o que iam ver. Carmen ainda conseguiu falar em português nos filmes. Perdeu algumas batalhas, mas ganhou outras."

Os filmes estrelados pela cantora são normalmente associados à "política da boa vizinhança", estratégia de aproximação cultural (com fins comerciais) dos EUA com a América Latina idealizada por Nelson Rockfeller e apoiada pelo presidente Franklin Roosevelt. Segundo Castro, eles até podem ter colaborado para o plano, mas não começaram por causa dele.

"Não tenho nada contra as teses, mas meu negócio é conferir datas. Quando Carmen filmou 'Down Argentine Way' ('Serenata Tropical'), Rockfeller ainda estava planejando a 'política da boa vizinhança'. Ainda não era uma política de Estado, mas um estado de espírito. E, dos grandes estúdios, só a Fox, porque tinha Carmen, e a RKO, que era de Rockfeller, fizeram produções com esse espírito. Não houve imposição do governo" diz Castro.

Duas lendas ambientadas no Cassino da Urca também foram aterradas por Castro. A primeira dizia que Lee Shubert, o empresário mais importante da Broadway, tinha visto um show de Carmen por acaso e que, impressionado, decidira contratá-la.

Impressionado ele ficou, mas, como provam cartas do acervo de Shubert que Castro consultou, pedira uma reserva no cassino já alertado de Carmen poderia interessá-lo. "E o que ele fazia era teatro de variedades, no qual uma brasileira como Carmen poderia se encaixar bem", diz o jornalista.

A segunda lenda, mais famosa, tratava das vaias que ela sofrera ao se apresentar na Urca em 15 de julho de 1940, logo após retornar de sua primeira e muito bem-sucedida temporada norte-americana.

"Não ouvi de ninguém e não li em lugar nenhum que houve vaia. Houve gelo. Mas era uma platéia formada em boa parte por gente do governo Vargas, que na época estava próxima do fascismo e do nazismo. Como iam achar graça em Carmen dizendo 'good night, people' e cantando 'South American Way'? E ela ainda estava resfriada", afirma Castro, que contou com depoimentos de quatro pessoas presentes ao cassino naquela noite.

Dois meses depois, Carmen voltaria ao mesmo palco e seria fartamente aplaudida por uma platéia mais afeita ao seu repertório, então já atualizado com respostas como "Disseram que Eu Voltei Americanizada", especialmente composta por Vicente Paiva e Luiz Peixoto.

Situações como essa reforçaram para Castro a importância de contextualizar as fases da vida de Carmen. Ao ver, por exemplo, que ela morou entre os 6 e os 16 anos em uma Lapa que começava a ser a Lapa, recheada de artistas, malandros e prostitutas para todos os cacifes, ele concluiu que essa paisagem deve ter influenciado muito o comportamento da cantora. E ela ingressou na carreira exatamente quando do estouro do rádio, do samba e das marchinhas, áreas das quais se tornou dona.

Dos homens da vida de Carmen, Castro fala em detalhes de nomes, número e desempenhos. Aloysio de Oliveira, que poderia ter sido marido, mas não quis ser, não sai bem do livro. David Sebastian, "caça-dotes e biscateiro" que cavou cargo e o conquistou, também não, mas deixa de ser o "assassino" de Carmen, como costuma ser considerado.

"Ela já tomava estimulantes e barbitúricos antes. E também já bebia. Ele foi uma facilidade a mais, já que também era alcoólatra e queria que ela trabalhasse muito para ganhar dinheiro", explica Castro. Ele garante, mais uma vez, que esta é a última biografia que escreve.

 

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