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09/06/2005 - 14h53

Crítica: Livro de Jean expõe o gay que a Globo leva a sério

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SÉRGIO RIPARDO
Editor de Ilustrada da Folha Online

A Globo decidiu prolongar os 15 minutos de fama do professor universitário Jean Wyllys, vencedor da última edição do Big Brother Brasil. Após participar dos principais programas da emissora e virar atração fixa do programa "Mais Você", de Ana Maria Braga, o moço lança agora um livro pela editora Globo. Em "Ainda Lembro", Jean soa pretensioso ("Quero ser Paulo Coelho"), vítima de uma picada da mosca azul ("Hoje sou o centro das atenções dos cariocas, por mais pedante que pareça essa afirmação").

Reprodução
Bom moço, Jean teme chocar público médio
Bom moço, Jean teme chocar público médio
O maior grupo de comunicação do país quer faturar com o interesse repentino do público por um personagem que assumiu ser gay durante o reality show e catalisou o discurso social de vítima da discriminação. O poder mobilizador de Jean rende fofocas. No último domingo, o jornal "O Globo" noticiou que ele desistiu de cobrar R$ 10 mil para participar da parada gay no Rio no próximo dia 26. No mês passado, surgiu essa mesma história de cachê, sempre negada pelo ex-BBB.

O lançamento do livro faz parte da estratégia da Globo de explorar comercialmente o fenômeno "Jean" por meio do apelo "intelectual" do moço, em vez do destino tradicional dessas celebridades instântaneas --os ensaios sensuais ou de nudez. Ele é produto "cérebro", e não "corpo". É um avanço para a Globo após 40 anos tratando personagens gays com deboche e escárnio, espelhando a visão dos conservadores.

Com imagem de "ícone", Jean representa o perfil do gay assumido que o mundo heterossexual leva a sério e o anunciante tolera: dócil, sutil, até puritano e só perturbado com questões existenciais comuns a todos (desilusão amorosa, solidão, desesperança, melancolia, vaidade e injustiça social), sem risco à ordem estabelecida.

No livro, Jean evita chocar o público médio, ou seja, não foca a homossexualidade como o aspecto mais relevante do seu cotidiano ("Ainda sou capaz de amar profundamente uma mulher, mesmo que não haja sexo entre mim e ela"). Não é rival delas nem representa ameaça.

Cine pornô

Não há relatos picantes nem eróticos. Jean não é João Silvério Trevisan, escritor transgressor, gay assumido e que também escreve em "G Magazine", onde o ex-BBB estreou uma coluna nesta mês. Jean cita o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, mas é só risível o flerte do baiano com a estética kitsch.

O ex-BBB apresenta no livro um homem confessando a sua mulher que freqüenta um cine pornô ("Circulamos como baratas e ratos no escuro, à procura de comida, em meio à imundície e ao mofo").

Há um conto sobre uma mulher casada que caça um parceiro sexual em um inferninho gay ("cheiro de urina misturado ao do suor dos corpos. Travestis magras, excessivamente maquiadas").

Em outro, amigos pressionam um rapaz gay de 19 anos a transar com uma prostituta em uma boate ("cujo nome já inspirava libertinagem, devassidão e desregramento").

A narrativa de Jean é "higienizada", quadrada, medrosa. Não usa gírias do gueto nem aborda a questão da Aids nem aprofunda conflitos. Quase não usa palavrões (puta e trepada, no máximo). Para reforçar seu verniz "literário", despeja mais de 50 citações de trechos de músicas e livros. Chega a cansar a repetição da fórmula "como diz" Clarice Lispector, Caetano, Gil, Chico, Ângela Rô Rô e outras cantoras da MPB muito cultuadas em bares de meninas, como Simone, Ana Carolina, Ivete Sangalo e Adriana Calcanhotto.

Academia Brasileira de Letras

O livro tem cem páginas, divididas em duas partes. Na primeira, escrita no calor da fama após sua saída da casa do BBB, ele conta o impacto do programa na sua vida. Mas é pobre em revelações bombásticas. Apenas reuniu o que já falou para a imprensa. Nos EUA, as celebridades são mais competentes em criar frenesi em seus livros.

Jean apenas repete que só sente uma "sincera amizade" por Alan, participante do BBB ("Embora já tenha me apaixonado por homens heterossexuais"). Sobre a família, ele diz que o pai "tinha problemas com o álcool" e morreu de câncer na base da língua. Os dois tinham uma relação complicada, distante, como se houvesse uma "parede de gelo" entre eles ("minha orientação sexual deve ter contribuído para tornar a parede mais espessa").

A segunda parte do livro de Jean traz crônicas e contos antigos, "premiados pela Fundação Casa de Jorge Amado", como faz questão de destacar, como se esse fato fosse suficiente para avalizá-lo por completo como o novo rebento da literatura brasileira. Será que ele alimenta o sonho de vestir o fardão de imortal da Academia Brasileira de Letras? Talvez não. Ele deve querer mais ser um sucesso de vendas como Paulo Coelho.

Mãe do Bial

Como todo baiano famoso que se preze, Jean --que mudou para o Rio-- trata no seu livro de adotar um discurso romantizado sobre sua terra natal (Alagoinhas, no interior), a exemplo do que fez no passado Caetano Veloso com Santo Amaro da Purificação. O ex-BBB lembra a infância pobre, a fome e as dificuldades para entrar na universidade.

A forte auto-estima nordestina também é uma marca do livro. Como se fosse um "liquidificador" de influências nacionalistas, tropicalistas, ele defende o PT --posição típica da esquerda universitária-- e faz referências ao "rei do baião" Luiz Gonzaga, ao cantor Chico César, a Daniela Mercury, ao sincretismo, misturando menções aos orixás, à mitologia grega, São Jorge (que ilustra sua camisa na capa), ao poeta português Fernando Pessoa e outros --um danado samba do criolo doido.

Pedro Bial, apresentador do BBB, aquele que soltou em uma reportagem do "Fantástico" que balé é coisa de "viado", assina a orelha do livro de Jean. De interessante, a estrela do jornalismo global só conta que sua mãe Susanne, de 80 anos, torcia pelo baiano desde o início do programa ("Agora é a vez do gay", teria dito Susanne). Só falta o novo namoradinho do Brasil virar boneco, um presente para o Dia das Crianças. Qual o problema?!

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