Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
27/06/2005 - 15h21

Celebridades não têm profissão nem biografia, diz Nélida Piñon

Publicidade

KARINA KLINGER
da Folha Online

Apesar de não ser atleta, Nélida Piñon, 68, está acostumada a conquistar medalhas de ouro em sua corridas literárias. Marcada pelo número 1, ela foi a primeira mulher a ocupar a presidência da Academia Brasileira de Letras, a primeira representante do sexo feminino a levar para casa o Prêmio Internacional de Literatura Juan Rulfo e agora é a primeira brasileira a receber o Prêmio Príncipe de Astúrias das Letras, um dos mais prestigiados da literatura mundial.

Folha Imagem
A escritora Nélida Piñon
A escritora Nélida Piñon
Contente com a premiação, a autora --cujas obras já foram publicadas em mais de 20 países e traduzidas para dez idiomas-- revela que ainda não se desencantou com o Brasil e que o país ainda lhe serve de fonte de inspiração. O que a preocupa é que a literatura feita por mãos femininas em terras nacionais ainda é vista como pouco instigante.

Para a autora de "Tempo das Frutas" (1966), "Fundador" (1969), "A Casa da Paixão" (1972), "Sala de Armas" (1973), "Tebas do meu Coração" (1974), "A Força do Destino" (1977), "A República dos Sonhos" (1984), "O Presumível Coração da América" (2002) e "Vozes do Deserto" (2004), entre outros, o homem ainda não sabe que pode desfrutar um livro feito por uma mulher. "O que poderia lhe servir como uma curiosidade de vida", diz.

Leia abaixo a íntegra da entrevista da escritora à Folha Online

Folha Online - O que significou para a senhora ter recebido o Prêmio Príncipe de Astúrias das Letras?

Nélida Piñon - Fiquei serena, foi um estado de graça, não tive alvoroço. Fiquei quieta e pensei nos meus grandes mortos, naqueles que foram fundamentais na minha vida, que pavimentaram meu cotidiano com amor. Fiquei contente, claro, e extremamente honrada como escritora, como mulher e por ser brasileira.Eu penso sempre no Brasil. Nós precisamos destas manifestações.

Folha Online - Recentemente a escritora Lygia Fagundes Telles também recebeu o Prêmio Camões de Literatura, será que existe um movimento de revalorização das mulheres na literatura?

Piñon - Eu acho que ainda há uma espécie de preconceito contra a capacidade intelectual da mulher, sobretudo no Brasil. O mundo masculino ainda considera o texto produzido por uma mulher de menor densidade, menos importante, intelectualmente menos instigante. Como se a mulher fosse fantasia e o homem pensamento. O homem ainda não entendeu que há uma igualdade intelectual e que pode desfrutar de um livro feito por um homem ou por mulher.

Folha Online - Na opinião da senhora, um texto produzido por uma mulher é diferente daquele escrito por um homem?

Piñon - Ele é igualmente instigante quanto o do homem, com um detalhe, talvez, que o homem poderia considerar atraente: um ponto de vista que ele não conhecia antes. É uma novidade. Ele é um servo do pensamento e da sensibilidade masculina. Ele deve ter interesse de conhecer a sensibilidade da mulher com quem ele passa quase metade da vida. É uma curiosidade até de vida.

Folha Online - E como esse preconceito se dá lá fora? Há como reverter esse processo?

Piñon - Nos Estados Unidos, há a Connie Morry, uma escritora de alta estirpe. Hoje há mulheres no mundo que são apreciadas pelo seu legado intelectual, não porque são bonitinhas, engraçadinhas, escrevem bem e para mulherzinhas. Escrevem em nome da boa literatura. O tempo é que vai reparando as coisas, fazendo com que você refaça a rota de seus preconceitos, porque nós nascemos com tantos preconceitos. Cada qual tem sua gama de preconceito. Não é possível que a gente passe a vida sem melhorar a alma.

Folha Online - E como é o papel da mulher na Academia Brasileira de Letras? E a sua atuação na presidência da instituição?

Piñon - As mulheres são só 10%. Esse número já demonstra o que acontece na sociedade. Você pega uma fotografia de chefe de Estado quando se reúnem e é tudo gravata e apenas uma saia. Isso mostra o que acontece no resto das instituições. Quando eu ocupei a presidência da Academia, eles foram formidáveis. Nunca puseram em dúvida o meu talento. Olha que eu sou uma feminista, mas nunca me deparei com o preconceito da academia. Todo mundo que me conhece diz que eu sou um modelo de gentileza e delicadeza, mas sou considerada uma mulher muito firme e estou pronta para abandonar as coisas quando não sou bem tratada. O importante para mim é a minha dignidade.

Folha Online - A senhora está envolvida com novos projetos?

Piñon - Estou fazendo um romance, aprimorando um livro de ensaios e outro de reflexões.

Folha Online - A senhora pode dar mais detalhes sobre os livros?

Piñon - Eu só falo de um romance quando ele está pronto. Isso porque você não tem garantia de que vai terminar, de que irá aceitar o trabalho. É uma relação muito delicada.

Folha Online - A senhora já escreveu algo e deixou o trabalho engavetado por não ter gostado? Qual foi o tema escolhido?

Piñon - Só uma vez, de modo geral, eu sou mais persistente. Quando era mais jovem podia abandonar certas coisas. Fiz umas 40, 50 páginas e o assunto me desinteressou. De repente, por que dizer isso? De certo modo fiz aquilo mais tarde em "A Doce Canção de Caetana" (1987), que foi abordar o mundo dos sonâmbulos, dos mambembes, o mundo precário dos artistas que nunca freqüentam os grandes teatros.

Folha Online - E a senhora já teve vontade de rescrever algum de seus livros?

Piñon - Nenhuma. Quando se chega ao ponto de querer publicar é porque você já está certa.

Folha Online - Por todos os problemas econômicos, sociais e culturais, o Brasil já deixou de lhe inspirar?

Piñon - Não. É a minha realidade maior. Claro que me inspira, mas, às vezes, há um tema que preciso escolher uma região geográfica determinada, como o "Vozes do deserto", meu último trabalho. Preferi que a história se passasse no Oriente Médio. Os livros têm suas necessidades.

Folha Online - E a onda de corrupção que assola o país, como a senhora encara essa realidade?

Piñon - A sensação é que o Brasil não ganhou o alvará, o habite-se. É uma pena porque é um país magnífico. Eu tenho tristeza porque já sei que o Brasil que eu quero não conseguirei encontrar, não terei tempo de vida. Não vou encontrar este país próspero e generoso. Espero que as pessoas aprendam com o fracasso, com a desesperança. Nós não podemos imaginar que sejamos determinados ao fracasso. Temos qualidades maravilhosas. Precisamos articular e expurgar o que há de ruim e, principalmente, fiscalizar Brasília.

Folha Online - Como é possível trazer o brasileiro para o mundo dos livros?

Piñon - Educação. A educação abre mais do que portas, comportas. As águas vão banhando as margens dos rios. Enquanto não tivermos acesso à educação real, não apenas à alfabetização modesta que nós temos, fica difícil. Alfabetizar para ler e entender o que ler. O drama da literatura é que as pessoas não conseguem ler e entender o texto. Diferente do que acontece com a música, que você ouve e se emociona. A literatura exige um saber.

Folha Online - Muitos livros estão hoje na lista do mais vendidos porque são de autoria de personalidade da TV, o que isso provoca no final?

Piñon - O Brasil está boiando em pura espuma. Vivemos a futilidade, trivialização do real, é um momento inconsistente. As celebridades não têm profissão, trabalho, esforço, não têm biografia. E o pior é que os jovens acreditam nessas pessoas e deixam de fazer coisas sérias por isso.

Leia mais
  • Lygia comemora prêmio e já prepara 2 novos livros
  • Nélida Piñon recebe o Prêmio Príncipe de Astúrias das Letras
  • Autor de "O Código Da Vinci" pressiona Jô na lista dos mais vendidos

    Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre Nélida Piñon
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página