Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
25/07/2005 - 15h25

Crítica: "O 3º Travesseiro" afunda em caricatura, clichê e direção desastrada

Publicidade

SÉRGIO RIPARDO
Editor de Ilustrada da Folha Online

"O 3º Travesseiro", peça com apelo GLS que estreou no Teatro Augusta na sexta-feira, afunda em caricaturas e clichês sobre a descoberta da homossexualidade por dois jovens de classe média. A abordagem do tema é ingênua e superficial. A direção do espetáculo, assinada por Regiana Antonini (redatora do humorístico "Zorra Total"), é desastrada.

Há um esforço malsucedido de misturar linguagens para criar uma atmosfera de videoclipe. Mas não adianta picotar diálogos e monólogos ou ziguezaguear a iluminação, se o texto, diretora e atores cometem uma sucessão de equívocos constrangedores.

Divulgação
Elenco traz rostos jovens com experiência em comerciais
Elenco traz rostos jovens com experiência em comerciais
A atuação do elenco é exagerada. Vestidos de sunga, cueca ou só de calça jeans sem camisa, os dois atores principais gritam demais, atropelam o texto e revelam despreparo e amadorismo. E olha que a produção informa que houve uma seleção entre 150 atores. Imagina os piores.

É também descarada a intenção de explorar a imagem dos dois corpos malhados, o que deve ser o único chamariz honesto da peça. Marcus --nome do garoto que se apaixona pelo melhor amigo e depois se envolve com a ex-namorada de seu parceiro-- é interpretado pelo ator Rick Garcia ("Malhação").

O corte do cabelo de Marcus lembra o loirinho Justin da série gay "Queer as Folk" ("Os Assumidos", no Brasil). Já Renato, o melhor amigo de Marcus, é o personagem de Rodrigo Einsfeld, que atrai mais a atenção do público pela tatuagem na barriga e o jeito mais "ativo" de ser.

Beijos e pastelão

Nem os beijos explícitos dos dois rapazes quebram o clima artificial e "fake". Ode à coloquialidade "teen", frases como "Eu te amo, porra" ou "Eu te amo pra caralho" dão a medida da profundidade do texto. A intrometida na relação entre os dois é Beatriz, personagem da atriz Gabriela Durlo, que tenta imprimir um ar "vagaba" à garota. A transa a três é explicitamente ensaiada, falsa e não convence.

Os dois rapazes contam aos pais que são gays e sofrem a previsível reação preconceituosa. As falas lembram o bordão do personagem de Jorge Dória no "Zorra Total": "Onde foi que eu errei?".

A mãe de Marcus é interpretada por Alessandra Begliomini, que ganhou notoriedade como Leka da primeira edição do BBB. É verdade que ela consegue arrancar risos da platéia virando uma garrafa de água e fazendo caretas ao descobrir que o filho é homossexual. Já o pai de Marcus é feito por Kako Nolascko com um infame sotaque siciliano. Mas era essa a intenção da peça -- ser um pastelão em meio ao desenrolar de um pretenso drama psicológico?

Colagem de filmes antigos

Em termos de conteúdo, não há originalidade em "O 3º Travesseiro", baseada no livro homônimo de Nelson Luiz de Carvalho, lançado em 1998. No cinema, o triângulo amoroso entre dois garotos e uma moça já é visto em "Três Formas de Amar" (1994). A confusão psicológica sobre o papel sexual na juventude também é explorada com mais profundidade em "Ken Park" (2002), do mesmo diretor de "Kids" (1995).

Mais de uma década depois, parada gay de 2 milhões de pessoas na avenida Paulista e personagens homossexuais em várias mídias, talvez nem o grupo puritano Mulheres de Santana deve ainda se chocar com uma cena de dois rapazes e uma moça dividindo a mesma cama.

O sucesso comercial dessas produções estrangeiras pode ter servido de estímulo à adaptação do livro "O 3º Travesseiro" para os palcos. Mas os recursos cênicos utilizados derrapam e constrangem a boa técnica do teatro. A cenografia é simplória: só há pufs da Tok & Stok na casa de uma família de classe média alta com dinheiro para presentear o filho com uma cobertura em Higienópolis?

Vídeo caseiro

A sonoplastia é uma salada indigesta de Sade, Legião Urbana, Zélia Duncan, que serve mais para encher lingüiça e dar tempo a mudanças de cenas. O telão de sete metros --onde são exibidos em vídeo outras cenas da trama-- deve ter consumido boa parte do orçamento.

Mas se a intenção de usar o vídeo era poupar energia e memória dos jovens atores, o resultado é duvidoso, lembra um trabalho caseiro e deve arrancar gargalhadas do mestre do uso do vídeo no teatro, o diretor paranaense Felipe Hirsch ("Avenida Dropsie" e "Nostalgia").

No intuito sentimentalóide e meloso de ressaltar o impacto para a família de ver um menino bem-nascido abandonar o script heterossexual, a peça mostra no telão fotos da infância de Marcus --um recurso antigo já visto no filme "Filadélfia" (1993), em que Tom Hanks interpretava um advogado gay com Aids. Para criar realismo e identificação, o figurino aposta em grifes de apelo gay, como Foch.

"O 3º Travesseiro" tenta levantar a bandeira da defesa do amor e da paz, do diálogo familiar e do respeito às diferenças ao apresentar um drama ainda tão corriqueiro (repressão do desejo, rejeição familiar e desajustes emocionais). As boas intenções da montagem podem até obter a simpatia do público e salvar a bilheteria, mas neste caso só rebaixam a arte do teatro. No palco, o que se vê é um travesseiro da mais sintética e ordinária espuma, e não um fino e suave, de penas de ganso.

Leia mais
  • Ex-BBB e ator de "Malhação" estréiam peça sobre sexualidade
  • Crítica: Livro de Jean expõe o gay que a Globo leva a sério
  • Crítica: Revista gay ainda é tabu no Brasil

    Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre o "3º Travesseiro"
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página