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26/07/2005 - 09h57

Londres rechaça romance sobre atentado

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EDUARDO SIMÕES
da Folha de S.Paulo

O clichê da realidade imitando a arte não podia ter uma confirmação mais indesejável do que o lançamento de "Incendiary", livro sobre ataques terroristas a Londres, justamente no dia 7 de julho, quando ocorreram as primeiras explosões no metrô e num ônibus da capital inglesa.

Divulgação
Detalhe da capa do livro
Detalhe da capa do livro
Anúncios promovendo o livro nos jornais britânicos reproduziam a imagem de sua capa, em que se vê Londres envolta em fumaça. De imediato, Chris Cleave, o autor do livro, colocou na sua página na internet uma enquete, em que consultava seus leitores: ele deveria ou não prosseguir com o lançamento de seu livro?

A maioria foi a favor de que o autor não se intimidasse: a arte é maior do que o terrorismo, filosofou um; nós não estamos com medo, garantiu outro. Por via das dúvidas, os anúncios foram retirados dos jornais pela rede de livrarias Waterstone's.

"Eu e meus editores estamos orgulhosos do livro, mas entendo que o momento era delicado e não queria ofender as famílias das vítimas ou tirar proveito dessa tragédia. Por isso concordo com a decisão da retirada da propaganda", conta Chris Cleave, 32, em entrevista à Folha.

"É importante, no entanto, lembrar que meu livro não é sobre o terrorismo, mas sobre uma mulher tentando se recuperar da perda do filho e do marido num ataque terrorista. Algo que se passa num futuro próximo, que os ataques infelizmente trouxeram para mais perto."

A coincidência, de qualquer modo, gerou desconforto e polêmica no Reino Unido. O jornal britânico "The Observer" disse que o livro era um "insulto".

No site de Cleave, um leitor foi ainda mais contundente: obviamente o autor não podia adivinhar que os ataques aconteceriam. Mas Cleave sabia das ameaças de terrorismo que havia muito tempo assombravam o país. E "Incendiary", portanto, estaria pegando uma carona na realidade, uma jogada de marketing favorável a escritores e diretores de cinema.

"Acho que o livro venderia bem com ou sem ataques", defende-se Cleave. "Vivemos numa década que será conhecida no futuro como a década do terrorismo. Meu livro é relevante para esta época, não por causa de um ataque em particular, mas porque é um apelo ao fim da violência política, de ambas as partes. A coincidência da publicação é horrível, mas certamente não é uma oportunidade de vendas."

Quinto livro de Cleave, mas o primeiro a ser publicado, "Incendiary" já teve seus direitos vendidos para 15 países [o Brasil ainda não está incluído na lista] e até para o cinema. O autor, antes um repórter do "Daily Telegraph", diz que o escreveu em resposta aos ataques terroristas de Madri e às notícias de torturas na prisão iraquiana de Abu Ghraib, em 2004.

No livro, uma mulher escreve uma carta a Osama bin Laden, depois que seu filho de 4 anos e seu marido são mortos num ataque suicida, durante uma partida de futebol, no estádio do Arsenal, em Londres, tentando convencê-lo a abortar sua campanha terrorista.

"Como pai, eu estava preocupado com o perigoso estado das coisas do mundo em que meu filho vai crescer. É um livro muito pessoal, sobre meus medos em relação à nossa civilização. Espero que ele consiga expressar um pouco o que a grande maioria das pessoas que desejam a paz está pensando no momento sobre estes terríveis eventos."

Apesar da polêmica, Cleave diz que não mudaria nenhuma linha em "Incendiary". Para o autor, é improvável que seu livro sofra qualquer tipo de censura oficial. Parte do mercado, no entanto, já teria manifestado sua insatisfação com a fatídica coincidência: algumas redes de livrarias, conta Cleave, tiraram "Incendiary" de suas prateleiras, temendo que seus clientes ficassem chocados.

"Em termos de censura, o mercado hoje em dia é bem mais conservador do que os governos jamais conseguiram ser. A diferença é que não se chama de 'censura' quando algo assim acontece. Não há um debate público. Em vez disso, o livro fica sem oxigênio e morre lentamente."

Cleave não descarta a possibilidade de escrever um outro livro que fale especificamente dos recentes ataques a Londres. Não fazê-lo, diz ele, seria tão louco como escrever sobre os dias de hoje sem falar da eletricidade. "A ameaça terrorista se tornou parte de nossas vidas de tal forma que seria impossível fazer um livro sério que não a mencionasse de algum modo."

Cleave lamenta a morte do brasileiro Jean Charles Menezes, assassinado pela polícia inglesa, por engano, na semana passada. Ele compara o Reino Unido ao Brasil, pela sua combinação de raças e religiões, de pessoas ricas e pobres, no momento divididas entre aquelas que acreditam ser este o momento para se fazer pontes com a comunidade islâmica. E uma minoria, que se mostra abertamente racista, sobretudo com a comunidade asiática.

"Só espero que lembremos de ver as pessoas em termos dos seus atos individuais, e não como membros de grupos políticos, raciais ou religiosos."

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