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18/10/2005 - 09h28

Editora argentina converte papelão em livro artesanal

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JULIÁN FUKS
da Folha de S.Paulo

Quanto ao fato de nada se perder, de tudo se transformar, parecem não restar dúvidas. Mas cabe pensar em que temos transformado aquilo que damos por perdido. O papelão, por exemplo. Enquanto em São Paulo tem-se discutido se o material, juntamente de seus catadores, deve ser retirado do centro da cidade por atrapalhar o tráfego dos automóveis, em outra metrópole sul-americana, Buenos Aires, seu destino tem sido bem diferente. Lá, o papelão tem se convertido num dos objetos mais valorizados da cultura ocidental: não, não o carro; o livro.

Trata-se do trabalho da pequena editora argentina Eloisa Cartonera, que produz livros de baixo custo com capas de papelão cortado e pintado a mão. As páginas internas podem ser impressas ou xerocadas, mas sempre coladas para constituir o livro. "Trata-se de um projeto simultaneamente editorial e social, e social de muitas maneiras", diz Cristian De Nápoli, um dos editores.

Tentemos compreendê-las. A cada semana, um grupo de dez catadores de papel passa pela pequena loja da editora para deixar suas coletas. Por esse trabalho, recebem sete vezes mais do que vendendo o papelão para a reciclagem convencional.

Quem recebe o material são três ex-catadores, hoje os responsáveis pelo trabalho manual das edições: cortam o papelão, pintam as capas, imprimem ou xerocam as páginas internas, colam tudo. Com esse trabalho, se sustentam.

Os livros são publicados em tiragens que variam entre 40 e 1.500 exemplares. São vendidos na própria editora e em mais de 30 pequenas livrarias argentinas, que aceitam comercializá-los mesmo sem registro (embora haja planos de passar a registrá-los em 2006). Custam entre quatro e seis pesos, o que equivale, sem precisões matemáticas, a algo entre R$ 3 e R$ 5. A partir desse trabalho, "difunde-se o acesso à literatura", nas palavras de De Nápoli.

Quem são os autores? Uma longa lista de escritores latino-americanos --mais de 80-- em que se intercalam nomes famosos, como os de Ricardo Piglia e César Aira, a outros bastante desconhecidos, de autores debutantes nas letras impressas. Entre os brasileiros editados, o mesmo contraste proposital: lado a lado com os poetas Haroldo de Campos e Manoel de Barros, a mineira Camila do Valle, nunca antes traduzida a uma língua estrangeira, e o sul-matogrossense Douglas Diegues --este que nem sequer precisou de tradução, pois escreve no portunhol característico da fronteira entre Brasil e Paraguai.

"No começo, Cucurto e eu saíamos para procurar grandes escritores e pedir algum manuscrito, algum texto inédito. Hoje, quase não os procuramos, porque a editora já se tornou bastante conhecida e nos chegam muitos bons originais", explica De Nápoli. Washington Cucurto, não se apoquente o leitor, é o idealizador disso tudo. O sujeito que, em 2002, criou a editora como extensão de uma outra que tinha, que produzia livros grampeados, com capas de cartolina.

Expansão

Se pensam em expansão? "Mais do que nos expandir em direção a outros países, queremos colocar o exemplo. Para que cada nova iniciativa possa se adaptar às características que lhe impõe o mercado local", afirma De Nápoli. Assim tem acontecido. No Peru, por exemplo, existe há um ano a Sarita Cartonera, algo como uma filial da anterior, porém de funcionamento completamente independente. Esta, diferente da matriz, dedica-se mais a autores locais.

No Brasil, que De Nápoli visitou há cerca de uma semana para realizar workshops e oficinas --a convite da Prefeitura de Niterói, incentivada por Camila do Valle--, o projeto talvez esteja por nascer. O escritor Joca Reiners Terron entusiasmou-se com a idéia e tem reunido sua editora, a Ciência do Acidente, com representantes de outras pequenas, como a Amauta e a Baleia. Já começam ambiciosos: a idéia é que, até abril de 2006, tenham lançado ao menos dez títulos. Antes disso, no entanto, procuram cooperativas de catadores e organizações não-governamentais ligadas à inclusão social para realizar parcerias e tocar o projeto em conjunto.

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