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27/10/2005
-
09h58
SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo
Entre os desafios que o cinema nacional impõe ao jornalismo, entrevistar o diretor Beto Brant, 42, não é dos menores.
Você faz uma pergunta, e Brant silencia. Ou protesta: "Acho essa pergunta incompreensível"; "Tenho uma idéia clara sobre isso, mas não vou lhe dizer qual é".
Fosse outra sua obra, não haveria por que insistir. Mas ocorre de ele ser o autor de "Os Matadores" (1997), "Ação entre Amigos" (1998), "O Invasor" (2002) e do inédito e excelente "Crime Delicado" (2005), que a 29ª Mostra de São Paulo exibe hoje.
De resto, Brant não é contra jornalistas (aparentemente). O que ele repudia é a idéia de, ao discorrer sobre seus filmes, impor ao espectador um ponto de vista, um único modo de ver --o seu-- no qual caberiam múltiplos olhares.
"Gosto de um filme que não seja óbvio", diz. Óbvio "Crime Delicado" não é. A exemplo de "O Processo do Desejo" (1991), do italiano Marco Bellochio, aqui nem sequer sabemos se o crime do título (um estupro) de fato ocorreu, embora a cena da dúvida esteja impressa na tela, sem cortes.
Brant filmou em preto-e-branco os trechos em que a discussão sobre o delicado crime se dá nos tribunais de Justiça e no interior da Redação de um jornal.
O jornal entra na trama porque Antônio Martins (Marco Ricca), o protagonista do filme e do estupro, é crítico de teatro de um diário fictício. O chefe de Martins, com quem ele dialoga sobre redenção e culpa, é interpretado por Alberto Guzik, um dos principais nomes da crítica e dos palcos na cena real do teatro brasileiro.
Por que Brant decidiu contrastar a vigorosa palheta de cores do longa com o preto-e-branco nessas cenas? "Se eu disser, vou começar a explicar o filme", escapa novamente o diretor.
A (não) conversa segue em frente. Bem adiante, Brant larga uma pista relacionada à questão anterior. "Todas as cenas são noturnas. De dia, a gente filmou apenas a instituição [o tribunal e o jornal], o que enquadra."
As criaturas da noite que circulam pelo longa são quase sempre amigos do diretor, que ele convidou a uma participação espontânea, sem falas roteirizadas.
Os textos que brotaram do improviso, no entanto, parecem seguir à risca o fio do filme e sua investigação sobre a natureza da "bruta flor do querer".
É do cineasta Cláudio Assis ("Amarelo Manga") a participação mais ruidosa, num fim de noite de bar, regado a cerveja e ciúmes. Quando desvia os olhos da mulher com quem trava seu embate amoroso, Assis mira Martins, espectador solitário da cena, e sentencia: "Você não ama. Quem não reage rasteja".
Brant confessa (uma confissão, ao menos!) que não poderia esperar conclusão melhor. No mesmo bar, sob a mesma capa da noite, o ator Adriano Stuart, presente em "Os Matadores", perde o rumo e a palavra, quando a conversa não-ensaiada o conduz à tentativa de resumir sua vida. "Eu errei", diz, recuperando o texto e o prumo.
Para Brant, as circunstâncias que reuniram a equipe do filme foram "seqüências de acasos iluminados". Casualmente, ele conheceu Lilian Taublib, que canta e escreve, mas não havia pensado em ser atriz.
Taublib, que não possui uma das pernas, concordou em oferecer ao "Crime Delicado" seu primeiro papel no cinema, o da musa Inês, e a nudez de seu corpo.
São as formas de Taublib que o pintor mexicano Felipe Ehrenberg, também casualmente agregado ao projeto, registra em telas gigantes, cujo sentido Brant faz oscilar na visão do espectador, à medida em que o filme avança.
A pintura de Ehrenberg e a paixão incontida de Martins por Inês aos poucos revelam no filme "uma ou duas coisas sobre ela".
Este seria o título de "Crime Delicado", até que Brant mudou de idéia e voltou ao original do texto de Sérgio Sant'Anna, base do longa. Do "Um Crime Delicado" de Sant'Anna, Brant excluiu o artigo "um". Querer saber por que é esperar ouvir demais de quem diz só uma ou duas coisas sobre si.
Crime Delicado
Direção: Beto Brant
Quando: hoje, às 22h, no Cine Bombril; e dias 31, às 15h20, no Frei Caneca Arteplex; e 2, às 21h, na Sala UOL
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Em "Crime Delicado", Beto Brant espreita violência do desejo
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da Folha de S.Paulo
Entre os desafios que o cinema nacional impõe ao jornalismo, entrevistar o diretor Beto Brant, 42, não é dos menores.
Você faz uma pergunta, e Brant silencia. Ou protesta: "Acho essa pergunta incompreensível"; "Tenho uma idéia clara sobre isso, mas não vou lhe dizer qual é".
Fosse outra sua obra, não haveria por que insistir. Mas ocorre de ele ser o autor de "Os Matadores" (1997), "Ação entre Amigos" (1998), "O Invasor" (2002) e do inédito e excelente "Crime Delicado" (2005), que a 29ª Mostra de São Paulo exibe hoje.
De resto, Brant não é contra jornalistas (aparentemente). O que ele repudia é a idéia de, ao discorrer sobre seus filmes, impor ao espectador um ponto de vista, um único modo de ver --o seu-- no qual caberiam múltiplos olhares.
"Gosto de um filme que não seja óbvio", diz. Óbvio "Crime Delicado" não é. A exemplo de "O Processo do Desejo" (1991), do italiano Marco Bellochio, aqui nem sequer sabemos se o crime do título (um estupro) de fato ocorreu, embora a cena da dúvida esteja impressa na tela, sem cortes.
Brant filmou em preto-e-branco os trechos em que a discussão sobre o delicado crime se dá nos tribunais de Justiça e no interior da Redação de um jornal.
O jornal entra na trama porque Antônio Martins (Marco Ricca), o protagonista do filme e do estupro, é crítico de teatro de um diário fictício. O chefe de Martins, com quem ele dialoga sobre redenção e culpa, é interpretado por Alberto Guzik, um dos principais nomes da crítica e dos palcos na cena real do teatro brasileiro.
Por que Brant decidiu contrastar a vigorosa palheta de cores do longa com o preto-e-branco nessas cenas? "Se eu disser, vou começar a explicar o filme", escapa novamente o diretor.
A (não) conversa segue em frente. Bem adiante, Brant larga uma pista relacionada à questão anterior. "Todas as cenas são noturnas. De dia, a gente filmou apenas a instituição [o tribunal e o jornal], o que enquadra."
As criaturas da noite que circulam pelo longa são quase sempre amigos do diretor, que ele convidou a uma participação espontânea, sem falas roteirizadas.
Os textos que brotaram do improviso, no entanto, parecem seguir à risca o fio do filme e sua investigação sobre a natureza da "bruta flor do querer".
É do cineasta Cláudio Assis ("Amarelo Manga") a participação mais ruidosa, num fim de noite de bar, regado a cerveja e ciúmes. Quando desvia os olhos da mulher com quem trava seu embate amoroso, Assis mira Martins, espectador solitário da cena, e sentencia: "Você não ama. Quem não reage rasteja".
Brant confessa (uma confissão, ao menos!) que não poderia esperar conclusão melhor. No mesmo bar, sob a mesma capa da noite, o ator Adriano Stuart, presente em "Os Matadores", perde o rumo e a palavra, quando a conversa não-ensaiada o conduz à tentativa de resumir sua vida. "Eu errei", diz, recuperando o texto e o prumo.
Para Brant, as circunstâncias que reuniram a equipe do filme foram "seqüências de acasos iluminados". Casualmente, ele conheceu Lilian Taublib, que canta e escreve, mas não havia pensado em ser atriz.
Taublib, que não possui uma das pernas, concordou em oferecer ao "Crime Delicado" seu primeiro papel no cinema, o da musa Inês, e a nudez de seu corpo.
São as formas de Taublib que o pintor mexicano Felipe Ehrenberg, também casualmente agregado ao projeto, registra em telas gigantes, cujo sentido Brant faz oscilar na visão do espectador, à medida em que o filme avança.
A pintura de Ehrenberg e a paixão incontida de Martins por Inês aos poucos revelam no filme "uma ou duas coisas sobre ela".
Este seria o título de "Crime Delicado", até que Brant mudou de idéia e voltou ao original do texto de Sérgio Sant'Anna, base do longa. Do "Um Crime Delicado" de Sant'Anna, Brant excluiu o artigo "um". Querer saber por que é esperar ouvir demais de quem diz só uma ou duas coisas sobre si.
Crime Delicado
Direção: Beto Brant
Quando: hoje, às 22h, no Cine Bombril; e dias 31, às 15h20, no Frei Caneca Arteplex; e 2, às 21h, na Sala UOL
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