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03/11/2005 - 10h12

Caetano, que lança livro, critica Lula

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LUIZ FERNANDO VIANNA
da Folha de S.Paulo, no Rio

Oito anos depois de "Verdade Tropical", o ensaísta Caetano Veloso está de volta. "O Mundo Não É Chato" (Companhia das Letras), que chega às livrarias no fim de semana, é uma reunião de textos produzidos pelo compositor desde 1960 e organizada pelo poeta Eucanaã Ferraz. Também está saindo um volume da coleção Folha Explica (R$ 16,90; 200 págs.) dedicado a Caetano e escrito por Guilherme Wisnik.

Nesta entrevista, ele se diz uma caricatura de intelectual, afirma que o governo Lula é o "campeão da inoportunidade" e chama de "oportunista" o cantor Fagner, que o atacou em entrevista à revista "Veja". Ao saber da declaração, Fagner disse que não procurou a revista, não copiou a palavra "inoportuna" de uma entrevista de Caetano ("Ele quer ser dono do dicionário agora?") e só deu uma opinião sobre o referendo do desarmamento ("Então 70% do povo brasileiro é fascista?"). Mas pede desculpas a Caetano se pareceu que queria associá-lo ao PT e vê o assunto como encerrado. "Continuo gostando dele", diz Fagner.

Folha - Em um texto de 1972, você escreve: "Como Glauber, tornei-me uma caricatura de líder intelectual de uma geração. Nada mais. Um ídolo para o consumo de intelectuais, jornalistas, universitários em transe". Ainda há atualidade nessa afirmação?

Caetano Veloso - Relendo esse texto, eu fico um pouco envergonhado. Acho meio presunçoso. Mas não que seja errado. Acho que é mais caricatura do que de fato um negócio a sério. Continuo achando, como escrevo nesse texto, que nunca houve no Brasil uma figura popular com tanta pinta de intelectual.

Folha - Uma idéia central de seus textos é a da originalidade brasileira. Você continua acreditando nela mesmo quando, no campo da política, a nossa mais original experiência parece não estar sendo tão original assim?

Caetano - Eu penso basicamente da mesma maneira. A nossa obrigação de apresentar alguma coisa relevante ao mundo é inelutável. Porque nós somos esse país gigantesco, no hemisfério Sul, na América, no Terceiro Mundo, falando português e altamente miscigenado racialmente. É muita coisa junta para que você não assuma a responsabilidade de exercer essa originalidade.

O fato de o governo Lula ser mais ou menos decepcionante não é tão relevante para essa questão. E não era desde antes. Votei em Lula, mas não tenho grandes decepções. O meu candidato era Ciro Gomes, que pirou do meio para o fim da campanha e praticamente me pediu para não votar nele, por causa de coisas que fez e disse. Mas eu gostava dele, a quem conhecia desde que fora prefeito de Fortaleza e por causa do livro que assinou com Roberto Mangabeira Unger. Mangabeira é um pensador tão responsável que acho que o Brasil não pode se dar ao luxo de ignorar.

Folha - Você se decepcionou com a entrada dele no partido da Igreja Universal [Partido Republicano Brasileiro]?

Caetano - Nem me surpreendeu. Ele escreveu um livro que se chama "Política", em que, ao estudar de uma maneira pragmática que contribuição podem os grupos religiosos trazer para a solução dos problemas brasileiros, ele destaca as igrejas evangélicas como o que há de melhor nessa questão, acima dos grupos da Teologia da Libertação.

Como eu tenho confiança nele, até segunda ordem, não acho que entraria em um partido que fosse da Igreja Universal. Não é por ser contra ou a favor das igrejas evangélicas. O que eu acharia inaceitável era que ele, pensando o que pensa, integrasse um partido que pertence a uma igreja. Isso é incongruente com a idéia de democracia que ele defende. Seria de uma contradição inaceitável. Estou esperando o desenrolar dos acontecimentos.

Folha - Em um texto do show "Circuladô", usado na abertura do livro da coleção Folha Explica, você falava sobre o conservadorismo que está no ser do Brasil. A vitória do "Não" no referendo sobre armas de fogo é uma demonstração disso?

Caetano - Eu próprio quase votei "Não". Anulei. Acho que essa vitória do "Não" é uma resposta à falta de senso de oportunidade deste governo, que é o campeão da inoportunidade. Se o Lula fosse Lula, o [José] Dirceu tinha que ter saído [do ministério] no caso Waldomiro Diniz [em 2004]. É tudo fora do tempo, meio malfeito. O referendo não devia estar no Estatuto do Desarmamento, porque ele é contraditório com o próprio estatuto. O povo foi sábio, intuiu isso.

Mas o resultado eu acho negativo, porque deu uma impressão de que ter armas é um direito. Ou seja, deu lugar a essa gente fascistóide botar a ideologia deles. O brasileiro não é o americano. Pára de imitar americano! São os pretos, os veados, todo mundo imitando americano, que diabo é isso? Ah, o direito de andar armado para se defender... Mas os brasileiros vivem armados para se defender? Não vejo isso. A questão não estava posta, ganhou uma propaganda que não merecia.

Sou desarmamentista em todos os níveis. Mas não sou burro. Houve burrice. É um momento em que o governo não está podendo fazer campanha de nada, porque ninguém está acreditando neles. Eles estão sob suspeita, em uma grande crise. Deviam fazer o que um governo deve saber fazer: driblar o negócio, passar para adiante, para o próximo governante, que eu espero que seja outro. Espero isso desde o início e disse isso em público.

Folha - Mas como você viu colegas seus da envergadura de Chico Buarque e Fernanda Montenegro participando da campanha do "Sim"?

Caetano - Entendi perfeitamente. Eu quase que faria algo assim, se fosse possível, oportuno e razoável. Mas não me pareceu. Eles estavam atraídos a fazer aquilo porque têm a melhor das intenções. É mais triste ver colegas meus como Fagner festejando com os fascistas, em tom fascista. Isso é tétrico. Denota uma certa burrice na tentativa de ser oportunista para tentar se notabilizar.

Nos anos 70, o Fagner falou que eu não tinha capacidade criadora e, por isso, estava impedindo que ele e outros colegas novos aparecessem. E eu ainda não tinha lançado "Sampa", "Terra" e tantas outras. E ele, o que é? Vai para a revista ["Veja"] dizer que eu estava fazendo uma campanha em que eu não estava. E disse que era uma campanha inoportuna, usou uma palavra roubada da minha entrevista [ao jornal "O Globo"].

Folha - No release do CD "A Foreign Sound", você diz: "Gravei-o agora porque posso fazer qualquer coisa". Você pode parar tudo, por exemplo, e fazer um filme?

Caetano - Quando eu falei aquilo, estava um pouco desmerecendo o projeto. Os americanos da [gravadora] Nonesuch, os brasileiros da Universal, o pessoal deste escritório [Natasha] ficavam em cima de mim para eu fazer "A Foreign Sound". Fiz com todo o amor, mas não achava aquilo relevante. Fiz como quem pode fazer qualquer coisa.

Posso parar e fazer um filme? Posso. Mas é preciso saber se eu sinto que vale a pena, pois significa parar uma porção de coisas para muita gente. E estou com tanta vontade de fazer canções, me vieram tantas idéias, que agora tenho que organizar meu tempo para fazer essas coisas que passam na minha cabeça.

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