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08/05/2006 - 09h46

Livro vê Machado como "bom plagiador"

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RAFAEL CARIELLO
da Folha de S.Paulo

Como Brás Cubas foi um defunto-autor, Machado de Assis foi um leitor-autor, e essa compreensão da escrita como, antes de tudo, um ato de leitura --que seria retomada por outro mestre da periferia na história da literatura, o argentino Jorge Luis Borges, décadas depois-- fez do brasileiro um inovador mundial das letras no século 19 e um dos mais importantes autores do Ocidente.

Assim começa a análise que João Cezar de Castro Rocha, 41, professor de literatura comparada da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), fez aparecer no prefácio do livro que organizou com figuras centrais da crítica brasileira e mundial sobre a obra de Machado --e que será lançado, diretamente em inglês, na Biblioteca do Congresso, nos EUA, no próximo dia 19. Não há previsão de lançamento no Brasil.

"The Author as a Plagiarist - The Case of Machado de Assis" (o autor como plagiador --o caso de Machado de Assis) sai pela editora da Universidade de Massachusetts e reúne nomes como Antonio Candido, Alfredo Bosi, Hélio de Seixas Guimarães, Hans Ulrich Gumbrecht e José Saramago. Dos 42 textos, 37 são inéditos.

Castro Rocha diz que seu objetivo foi o de juntar análises do maior número possível de correntes interpretativas. Afinal, o famoso morador do Cosme Velho, ele diz, não pertence --definitivamente-- a nenhuma. Ele próprio parte da mais famosa delas para derivar seus argumentos sobre a importância de Machado.

Castro Rocha diz concordar com a afirmação do crítico literário Roberto Schwarz de que, para Machado de Assis, escrever desde a periferia representou uma vantagem e uma possibilidade de inovação --talvez travada ou dificultada nos países centrais.

Schwarz defende que as idéias do liberalismo europeu foram transplantadas para o Brasil no século 19 pela elite local e usadas como ornamento e legitimação de poder. Se mascaravam relações de classe injustas na Europa --apesar de poderem justificar as ações que buscavam a superação dessas mesmas injustiças--, idéias que se baseiam no princípio do trabalho livre giram em falso num país escravocrata e revelam o que têm de engodo com mais clareza.

Machado estava assim em posição privilegiada para perceber esse vazio e transformar em forma literária, com ironia, essa relação desabusada dos poderosos locais com "idéias fora do lugar".

Castro Rocha vê a vantagem desde outro ponto de vista --se Schwarz explica o ineditismo "periférico" de Machado a partir da "rua", ele pretende vê-lo desde o conforto da "biblioteca". É que um escritor da periferia, declara o professor, terá uma biblioteca maior que um autor "central".

"Estou me apropriando da idéia de "um mestre na periferia do capitalismo". Não há uma crítica ao Schwarz, há uma distância. Estou fazendo como o Machado: me aproprio da idéia dele para lhe dar uma nova dimensão", explica o professor da Uerj.

Como assim "estou fazendo como o Machado"? Castro Rocha diz que o maior autor brasileiro usará as leituras e apropriações que faz nessa biblioteca de maneira inédita. Reunirá "idéias fora do lugar" --textos e tradições literárias descontextualizados-- para compor suas obras e explicitar esse procedimento ao leitor.

"O Machado traz para a forma literária a idéia de que o leitor é uma espécie de máquina de construir simultaneidade. Se eu leio agora Homero, e no minuto seguinte Balzac, não é verdade que eles estão no mesmo tempo de leitura?", diz Castro Rocha. "A consciência com que o Machado revela isso ao leitor é uma consciência nova na literatura ocidental."

Daí sua grandeza e ineditismo. "No espaço da América Latina, muito antes do Jorge Luis Borges, houve um autor que realiza o grande salto qualitativo na sua obra quando parece compreender, e trazer para a superfície de seu texto, que um autor, na verdade, é um efeito secundário de uma outra atividade --a da leitura."

Não é gratuito, portanto, que a questão da autoria --e das leituras-- apareça com destaque na abertura tanto de "Dom Casmurro" quanto de "Memórias Póstumas de Brás Cubas".

"Já na advertência ao leitor [em "Memórias Póstumas de Brás Cubas'], o que Machado faz é enumerar as suas leituras."

A idéia do "autor como plagiário", diz Castro Rocha, não é dele, pois já aparece nos textos do próprio escritor, no século 19. "Eu retirei a expressão do Machado. "A Revolução Francesa e o Otelo estão feitos. Nada impede que esta ou aquela cena sejam retiradas para outras peças. E assim se cometem, literariamente falando, os plágios." Isso é do Machado", afirma o crítico.

"O plagiário como criador não pode ser senão o escritor que tem como inspiração principal a biblioteca. É o autor como leitor."

E deve haver lógica na coincidência de que, num texto sobre Machado de Assis publicado em "Seqüências Brasileiras" (editora Companhia das Letras, 1999), Schwarz tenha, ele também, relacionado o brasileiro e Borges --citando uma passagem de um ensaio do argentino em que esse critica a superficialidade de nacionalistas "literários".

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