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29/08/2006
-
09h28
SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo
No Brasil, existe uma atividade produtiva em que fracasso comercial não significa necessariamente prejuízo: o cinema.
Amparados pelas leis de renúncia fiscal, os filmes brasileiros se pagam antes de estrear. Ou melhor, conseguem reunir em patrocínio todo o dinheiro necessário à sua produção.
Para estar de acordo com as leis (que autorizam o destino de parte do Imposto de Renda devido à produção cultural), um filme incentivado por dinheiro público não tem a obrigação de ser lançado. Basta que fique pronto, para justificar o aproveitamento dos aportes.
"Com esse sistema, você está dispensado de qualquer resultado, seja artístico ou comercial", diz o secretário municipal de Cultura de São Paulo, Carlos Augusto Calil.
Ainda bem que é assim para quase todos os que lançaram seus filmes neste ano. Se fiasco de bilheteria fosse sinônimo de contas no vermelho, o setor avistaria a bancarrota em 2006.
Entre 42 longas estreados até a primeira quinzena deste mês, 23 ficaram abaixo dos 10 mil espectadores. Apenas dois tiveram público acima de 1 milhão: "Se Eu Fosse Você" (3,6 milhões), e "Didi - O Caçador de Tesouros" (1,01 milhão), segundo dados do portal Filme B.
As projeções indicam que "Zuzu Angel" chegará a 1,3 milhão de espectadores. As apostas na recuperação apontam mais três candidatos ao sucesso ("Seus Problemas Acabaram", do Casseta & Planeta, "Muito Gelo e Dois Dedos d'Água", de Daniel Filho, e "Xuxa e as Gêmeas de Cristal"). Quanto ao quadro atual, "não adianta pôr a culpa no público.
Esquizofrenia
Esses filmes não são dirigidos ao público. São feitos para agradar júris [dos concursos de patrocínio]", diz Calil, que já foi presidente da Embrafilme, diretor da Cinemateca Brasileira e professor de cinema na USP.
Com o respaldo de seu currículo, o secretário disse a uma platéia de produtores e cineastas o que ninguém gosta de ouvir. Na Feira Internacional da Indústria do Cinema e do Audiovisual, na semana passada, em São Paulo, Calil criticou "o peso excessivo do Estado, que é mais compensatório do que estruturante, quando os incentivos fiscais substituem o mercado, como ocorre agora" e apontou a "esquizofrenia" do cinema nacional, contida na idéia de cineastas de que "é desagradável fazer sucesso", já que a popularidade indica comunhão do pensamento "do intelectual" com o gosto "populacho".
Em suma, Calil pediu o fim da era dos incentivos, que deveriam ter sido um substituto ao modelo estatista da Embrafilme e acabaram criando, na opinião dele, relação de dependência ainda maior do cinema com o Estado. "Chega de incentivos. Vamos aos resultados!"
Manoel Rangel, diretor da Agência Nacional do Cinema, que regula o setor, ouviu o recado e deu o seu: "A meta do Estado é manter o Brasil como centro de produção audiovisual. Considera-se isso um desafio importante e um traço distintivo no cenário mundial".
A reação não parou aí. "Do ponto de vista dos produtores, o recurso do incentivo fiscal é acima de qualquer suspeita. O que a gente quer é mais e melhor --mais em quantidade e melhor em modalidade [de distribuição]", disse o produtor e diretor Alain Fresnot.
A última estréia de Fresnot foi "Desmundo" (2003), filme de época falado em português castiço (exibido com legendas), premiado em festivais e bem avaliado pela crítica. Com R$ 4,2 milhões captados, fez 98 mil espectadores. Desde então, o diretor inscreve nos concursos de patrocínio seu novo projeto de longa, "Xique no Úrtimo", orçado em R$ 3,3 milhões.
A espera na fila de patrocínio é algo que o diretor e produtor Daniel Filho desconhece. Autor do único grande sucesso da temporada, "Se Eu Fosse Você", neste ano ele ainda lançará "Muito Gelo e Dois Dedos d'Água" (6/10) e prepara a adaptação de "O Primo Basílio" e a cinebiografia de Chico Xavier.
Com seguidos êxitos populares, Filho conquistou também patrocinadores regulares. "Todo filme que eu faço a Goodyear dá dinheiro. Eu estou contentinho. A Goodyear também está. Eu passo o balãozinho da Goodyear [em cenas de merchandising nos filmes]", diz.
Segundo Filho, "não só o cinema, mas nada que se faz em arte no Brasil hoje se paga sem patrocínio". Ele diz que, mesmo no caso de filmes "com rendas imensas", o lucro não vai para as mãos do produtor ou do diretor. "Se Eu Fosse Você" captou R$ 4,2 milhões pelas leis e teve renda de R$ 28 milhões.
No entanto Filho cita outro exemplo: ""Cidade de Deus" [2002] é um filme de grande sucesso mundial, no qual tenho uma porcentagem [como produtor]. Não vi um tostão".
No mercado de cinema, é comum reinvestir a renda obtida na bilheteria em mais publicidade, com a meta de impulsionar o lucro do filme nas etapas seguintes --DVD e televisão.
"Absurdo"
A estratégia vale, é claro, para filmes que tenham feito sucesso nas salas de cinema, a primeira plataforma de lançamento. Não foi esta a experiência de "Gaijin - Ama-me Como Sou" (2005), de Tizuka Yamasaki, que obteve R$ 10 milhões e teve 52 mil espectadores.
Yamasaki prepara as filmagens de "Amazônia Caruana", orçado em R$ 10,4 milhões. "É um absurdo", na opinião dos produtores da Pax Filmes, recém-chegados ao mundo do cinema brasileiro, com a idéia de produzir dez longas a R$ 50 mil cada um. No site da Pax Filmes, o texto "Cinema para que(m), Tizuka?" questiona o fato de a diretorater outra superprodução com incentivos fiscais após um fracasso comercial.
Yamasaki falou à Folha sobre o resultado de "Gaijin -Ama-me como Sou": "Custou caro? Para o custo médio do cinema nacional, sim. Se considerarmos a média do cinema mundial, não. Levamos oito anos dedicados a esse trabalho. Busquei real por real. Trouxemos para esse mercado investidores que nem sabiam que podiam usar leis de incentivos. É um filme de vida longa. Será muito requisitado por escolas, palestras, seminários", afirma.
A cineasta responde às críticas afirmando que não quer filmar "a Amazônia, cobiçada pelo mundo, com um empreendimento tímido de R$ 50 mil. Nem haveria como, visto a imensidão da Amazônia, as dificuldades impostas pela própria natureza e a importância desse cenário."
Especial
Leia o que já foi publicado sobre leis de incentivo
Sistema de incentivo para filmes nacionais desestimula concorrência
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da Folha de S.Paulo
No Brasil, existe uma atividade produtiva em que fracasso comercial não significa necessariamente prejuízo: o cinema.
Amparados pelas leis de renúncia fiscal, os filmes brasileiros se pagam antes de estrear. Ou melhor, conseguem reunir em patrocínio todo o dinheiro necessário à sua produção.
Para estar de acordo com as leis (que autorizam o destino de parte do Imposto de Renda devido à produção cultural), um filme incentivado por dinheiro público não tem a obrigação de ser lançado. Basta que fique pronto, para justificar o aproveitamento dos aportes.
"Com esse sistema, você está dispensado de qualquer resultado, seja artístico ou comercial", diz o secretário municipal de Cultura de São Paulo, Carlos Augusto Calil.
Ainda bem que é assim para quase todos os que lançaram seus filmes neste ano. Se fiasco de bilheteria fosse sinônimo de contas no vermelho, o setor avistaria a bancarrota em 2006.
Entre 42 longas estreados até a primeira quinzena deste mês, 23 ficaram abaixo dos 10 mil espectadores. Apenas dois tiveram público acima de 1 milhão: "Se Eu Fosse Você" (3,6 milhões), e "Didi - O Caçador de Tesouros" (1,01 milhão), segundo dados do portal Filme B.
As projeções indicam que "Zuzu Angel" chegará a 1,3 milhão de espectadores. As apostas na recuperação apontam mais três candidatos ao sucesso ("Seus Problemas Acabaram", do Casseta & Planeta, "Muito Gelo e Dois Dedos d'Água", de Daniel Filho, e "Xuxa e as Gêmeas de Cristal"). Quanto ao quadro atual, "não adianta pôr a culpa no público.
Esquizofrenia
Esses filmes não são dirigidos ao público. São feitos para agradar júris [dos concursos de patrocínio]", diz Calil, que já foi presidente da Embrafilme, diretor da Cinemateca Brasileira e professor de cinema na USP.
Com o respaldo de seu currículo, o secretário disse a uma platéia de produtores e cineastas o que ninguém gosta de ouvir. Na Feira Internacional da Indústria do Cinema e do Audiovisual, na semana passada, em São Paulo, Calil criticou "o peso excessivo do Estado, que é mais compensatório do que estruturante, quando os incentivos fiscais substituem o mercado, como ocorre agora" e apontou a "esquizofrenia" do cinema nacional, contida na idéia de cineastas de que "é desagradável fazer sucesso", já que a popularidade indica comunhão do pensamento "do intelectual" com o gosto "populacho".
Em suma, Calil pediu o fim da era dos incentivos, que deveriam ter sido um substituto ao modelo estatista da Embrafilme e acabaram criando, na opinião dele, relação de dependência ainda maior do cinema com o Estado. "Chega de incentivos. Vamos aos resultados!"
Manoel Rangel, diretor da Agência Nacional do Cinema, que regula o setor, ouviu o recado e deu o seu: "A meta do Estado é manter o Brasil como centro de produção audiovisual. Considera-se isso um desafio importante e um traço distintivo no cenário mundial".
A reação não parou aí. "Do ponto de vista dos produtores, o recurso do incentivo fiscal é acima de qualquer suspeita. O que a gente quer é mais e melhor --mais em quantidade e melhor em modalidade [de distribuição]", disse o produtor e diretor Alain Fresnot.
A última estréia de Fresnot foi "Desmundo" (2003), filme de época falado em português castiço (exibido com legendas), premiado em festivais e bem avaliado pela crítica. Com R$ 4,2 milhões captados, fez 98 mil espectadores. Desde então, o diretor inscreve nos concursos de patrocínio seu novo projeto de longa, "Xique no Úrtimo", orçado em R$ 3,3 milhões.
A espera na fila de patrocínio é algo que o diretor e produtor Daniel Filho desconhece. Autor do único grande sucesso da temporada, "Se Eu Fosse Você", neste ano ele ainda lançará "Muito Gelo e Dois Dedos d'Água" (6/10) e prepara a adaptação de "O Primo Basílio" e a cinebiografia de Chico Xavier.
Com seguidos êxitos populares, Filho conquistou também patrocinadores regulares. "Todo filme que eu faço a Goodyear dá dinheiro. Eu estou contentinho. A Goodyear também está. Eu passo o balãozinho da Goodyear [em cenas de merchandising nos filmes]", diz.
Segundo Filho, "não só o cinema, mas nada que se faz em arte no Brasil hoje se paga sem patrocínio". Ele diz que, mesmo no caso de filmes "com rendas imensas", o lucro não vai para as mãos do produtor ou do diretor. "Se Eu Fosse Você" captou R$ 4,2 milhões pelas leis e teve renda de R$ 28 milhões.
No entanto Filho cita outro exemplo: ""Cidade de Deus" [2002] é um filme de grande sucesso mundial, no qual tenho uma porcentagem [como produtor]. Não vi um tostão".
No mercado de cinema, é comum reinvestir a renda obtida na bilheteria em mais publicidade, com a meta de impulsionar o lucro do filme nas etapas seguintes --DVD e televisão.
"Absurdo"
A estratégia vale, é claro, para filmes que tenham feito sucesso nas salas de cinema, a primeira plataforma de lançamento. Não foi esta a experiência de "Gaijin - Ama-me Como Sou" (2005), de Tizuka Yamasaki, que obteve R$ 10 milhões e teve 52 mil espectadores.
Yamasaki prepara as filmagens de "Amazônia Caruana", orçado em R$ 10,4 milhões. "É um absurdo", na opinião dos produtores da Pax Filmes, recém-chegados ao mundo do cinema brasileiro, com a idéia de produzir dez longas a R$ 50 mil cada um. No site da Pax Filmes, o texto "Cinema para que(m), Tizuka?" questiona o fato de a diretorater outra superprodução com incentivos fiscais após um fracasso comercial.
Yamasaki falou à Folha sobre o resultado de "Gaijin -Ama-me como Sou": "Custou caro? Para o custo médio do cinema nacional, sim. Se considerarmos a média do cinema mundial, não. Levamos oito anos dedicados a esse trabalho. Busquei real por real. Trouxemos para esse mercado investidores que nem sabiam que podiam usar leis de incentivos. É um filme de vida longa. Será muito requisitado por escolas, palestras, seminários", afirma.
A cineasta responde às críticas afirmando que não quer filmar "a Amazônia, cobiçada pelo mundo, com um empreendimento tímido de R$ 50 mil. Nem haveria como, visto a imensidão da Amazônia, as dificuldades impostas pela própria natureza e a importância desse cenário."
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