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08/04/2007 - 10h38

Claudio Pastro é "Michelangelo" de Basílica de Aparecida

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RAFAEL CARIELLO
da Folha de S.Paulo

Repórter, fotógrafo e entrevistado têm que vencer andaimes e escadas ainda mal-acabadas para conseguirem, de uma sacada interna, avistar de cima o altar central da Basílica de Nossa Senhora Aparecida e detalhes do piso da igreja.

Tuca Vieira/Folha Imagem
Altar central com desenhos do artista plástico Claudio Plastro na basílica em Aparecida (SP)
Altar central com desenhos do artista plástico Claudio Plastro na basílica em Aparecida (SP)
Cláudio Pastro, 59, responsável pelo projeto artístico do templo --ou seja, por painéis, vitrais, azulejos e revestimentos que apresentam e explicam o "mistério" do cristianismo aos visitantes e fiéis--, aponta lá embaixo o altar circular, "a pedra que é o Cristo".

Está localizado no cruzamento dos dois braços de cruz que conformam as naves principais da basílica, de onde partem inscrições onduladas e angulosas no piso, em marrom, pelos corredores, sobre o fundo branco, até as portas.

"Essa pedra bate na água, que se expande em direção aos quatro cantos do universo. Essa água fertiliza o universo e é o próprio espírito do Cristo."

Pastro, desde o ano 2000 à frente da concepção artística do maior templo católico do país, mede menos de 1,70 m e descreve suas obras com vozeirão de baixo. É considerado por arquitetos e especialistas um dos mais importantes artistas sacros do mundo em atividade.

Anda especialmente atarefado desde o ano passado, por conta da visita do papa Bento 16 ao país, no mês que vem. No dia 13 de maio, a autoridade máxima do catolicismo celebrará missa em Aparecida, e parte dos trabalhos na basílica teve que ser apressada. Ao mesmo tempo, o artista foi encarregado da concepção da capela particular de Bento 16 na cidade.

No final da década de 90, Pastro foi o responsável pela criação da imagem do Cristo usada pelo Vaticano nas publicações e comemorações da chegada do terceiro milênio.

"Arte é como água", ele diz. "É imprescindível."

Durante décadas, no entanto, a basílica, construída em homenagem à santa encontrada por pescadores no rio Paraíba do Sul, a alguns quilômetros dali, ficou seca.

Tendo tido sua construção iniciada em 1955 e a inauguração, pelo papa João Paulo 2º, em 1980, só passou a contar com um projeto artístico-teológico nesta década, elaborado e executado por Pastro.

Ele atribui a demora à influência da Teologia da Libertação na Igreja do país, durante as décadas de 70 e 80. "Os bispos e os padres diziam para mim: "Arte é luxo". Foi um período em que isso aqui era tratado como "ópio do povo". Mesmo a missa terminava sendo muito chulé. O povo saía da merda e encontrava a mesma coisa dentro da igreja."

O artista vai agora preenchendo as lacunas, erguendo painéis, projetando vitrais e construindo um discurso religioso dentro da basílica para ser visto e entendido por fiéis de toda parte. Diz que quase todos os materiais, como o granito que sugere a ondulação da água no chão, são brasileiros. "Só o ouro é alemão; e o azulejo das cúpulas, que é porcelana vinda do Japão", afirma.

Sobre as paredes, tijolinhos à mostra -seguindo o estilo românico do templo- constroem um entrelaçado a meia altura entre o chão e o alto das colunas, que o artista relaciona à "cestaria indígena".

"A terra é indígena", ele diz. "E ela é a matéria primeira, que recebe o mistério cristão."

O artista aponta para um dos painéis já instalados, composto em grande parte por azulejos e detalhes dourados, e chama a atenção para o padrão de flores de maracujá (que evocam a calma e a paz, ele diz), à frente. Em outro painel, ao fundo, o motivo é de flores de tamareira, palmeira típica de oásis.

Os elementos brasileiros, em traços sempre simples, aparecem misturados a elementos mais tradicionais, bíblicos, seguindo um estilo que Pastro afirma ser inspirado pelo bizantino --com suas figuras humanas bidimensionais e composições em mosaico.

Por meio desse estilo, Pastro diz acreditar poder conciliar características centrais do cristianismo --e que podem parecer à primeira vista até antagônicas: o caráter de mistério e nobreza (que é melhor revelado em obras mais "simbólicas") e a atitude de humildade e de crítica ao poder.

"Simbolicamente, todo cristão é um nobre", ele diz. "No momento em que somos batizados, todos somos herdeiros de Cristo."

Enfeite de motel

Caráter que não condizia, por exemplo, com uma estátua de cimento representando uma família de romeiros que havia sido construída numa das laterais da basílica. Cláudio Pastro mandou derrubar. Chamou um dos responsáveis pela administração local e disse: "Padre, cimento é um material chulé. Eu só vi cimento até hoje em enfeite de motel".

Apesar dos conflitos ocasionais com o clero, que ele mesmo narra, as diretrizes de Pastro costumam ser seguidas. Sua autoridade no assunto é reconhecida dentro e fora da Igreja.

Fábio Mariz Gonçalves, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e co-autor do projeto da catedral do Campo Limpo, em São Paulo, afirma que Pastro é "de longe o mais importante artista sacro vivo". Seu estilo, continua Mariz, "é extremamente contemporâneo". "Ele tem influências da arte popular, do artesanato nordestino, das gravuras de livreto de cordel."

Sobre as influências bizantinas, o artista diz que "o mistério só é pensado por meio do simbólico", o que o conduz ao elogio do caráter oriental do cristianismo e à crítica ao Renascimento. "No Oriente, até hoje o mistério fala em primeiro lugar. Já no Renascimento, a natureza é retratada como tal. O humano fica por demais humano", diz.

Para Pastro, houve um desvio indevido da cristandade e da arte sacra durante o Renascimento. "A Basílica de São Pedro, no Vaticano, é fruto do Renascimento. Ostenta desde o princípio o poder. A preocupação é o poder." E, segundo ele, isso é avesso ao evangelho. "A igreja tinha se perdido na sua plasticidade desde o Renascimento. No auge do poder, ela caga para o cristianismo. Passa a perder sua identidade e fica muito européia, muito italiana. O cristianismo, no entanto, tem um caráter oriental."

Após a crítica à igreja mais famosa e mais visitada do mundo, para cuja construção e concepção contribuíram artistas como Rafael e Michelangelo, a reportagem pede a ele uma comparação mais explícita entre as duas basílicas. Pastro não titubeia: "Acho essa, sem dúvida, mais bonita que a basílica de Roma".

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