Livraria da Folha

 
26/05/2010 - 12h15

Desvende a "Jornada do Herói", um dos temas que inspirou "Guerra nas Estrelas"

da Livraria da Folha

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O Poder do Mito 27a. edição, 2009 Joseph Campbell
Mitos influenciam profundamente a cultura e valores das sociedades

Luke Skywalker leva sua vida tranquilamente em um planeta distante quando recebe um chamado. No início reluta, até que um fato dramático muda sua vida. Começa a partir daí uma jornada que não sabe ao certo aonde vai dar. Recebe um treinamento e passa a ter um mentor que o protege. Pensa várias vezes em desistir, mas algo sempre o leva de volta ao desafio que tenta evitar. Aos poucos se torna personagem importante da Aliança Rebelde no combate ao maligno Império Galáctico e termina como grande herói ao destruir a Estrela da Morte. As aventuras de Luke e as etapas que o levam de um simples lavrador a herói intergaláctico não são privilégio apenas dele: são etapas de um processo quase universal, presente em relatos e narrativas de muitas culturas por mais diversas que sejam: é a Jornada do Herói.

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"Guerra nas Estrelas" é uma sequência de seis filmes, que teve início em 1977
Os seis filmes da série "Guerra nas Estrelas" conquistaram milhares de fãs em todo o mundo

No livro "O poder do Mito", o estudioso Joseph Campbell(1904- 1987) concede entrevista ao jornalista Bill Moyers e explica como os mitos influenciam nossa vida de uma maneira que dificilmente poderíamos imaginar. Campbell faz paralelos entre culturas tão distantes quanto a dos índios norte-americanos e os lamas tibetanos, os aborígenes da Austrália e as sociedades da Europa medieval. Aparentemente distantes, essas sociedades tem diversos elementos em comum quando se trata de mitos. O mais comum deles é a "Jornada do Herói", tema que aparece diversas vezes na obra de George Lucas e que este revelou ter ficado fascinado após ler os estudos de Campbell.

Em forma de pergunta e resposta, o jornalista e o estudioso debatem sobre pontos em comum entre culturas diversas e por que certos temas são tão recorrentes na mitologia, na cultura e na religiosidade de povos do mundo todo. Campbell também relaciona mitos com produções artísticas que vão da pintura ao cinema. Fotos e ilustrações contribuem para compreensão das discussões e ajudam a enteder as idéias de Campbell.

Leia trecho:

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MOYERS: Isso é que me intriga. Somos felizes quando os deuses e as musas nos dão atenção, e a cada geração aparece sempre alguém servindo de fonte inspiradora para a jornada que cada um de nós empreende. No seu tempo, era Joyce, Thomas Mann. No nosso, muitas vezes parece que é o cinema. Os filmes criam mitos heróicos? Você acha, por exemplo, que um filme como Guerra nas estrelas corresponde a algo daquela necessidade de um modelo de herói?

CAMPBELL: Ouvi jovenzinhos usando alguns dos termos de George Lucas: "a Força" e "o lado negro". Deve estar batendo com alguma coisa. E uma boa maneira de ensinar, eu diria.

MOYERS: Penso que isso em parte explica o sucesso de Guerra nas estrelas. Não foi apenas a qualidade da produção que fez dele um filme tão atraente, é, também, que ele chegou num momento em que as pessoas tinham necessidade de ver, em imagens assimiláveis, o embate entre o bem e o mal. Todos precisavam que o idealismo lhes fosse lembrado, todos queriam ver uma história baseada em desprendimento, não em egoísmo.

CAMPBELL: O fato de o poder do mal não estar identificado com nenhuma nação específica, nesta terra, significa que você tem aí um poder abstrato, que representa um princípio, não uma situação histórica específica. A história do filme tem a ver com uma operação de princípios, não com esta nação contra aquela. As máscaras de monstros, usadas pelos atores de Guerra nas estrelas, representam a verdadeira força monstruosa, no mundo moderno. Quando a máscara de Darth Vader é retirada, você vê um rosto informe, de alguém que não se desenvolveu como indivíduo humano. O que se vê é uma espécie de fase indiferenciada, estranha e digna de pena.

MOYERS: Qual é o significado disso?

CAMPBELL: Darth Vader não desenvolveu a própria humanidade. É um robô. É um burocrata, vive não nos seus próprios termos, mas nos termos de um sistema imposto. Este é o perigo que hoje enfrentamos, como ameaça às nossas vidas. O sistema vai conseguir achatá-lo e negar a sua própria humanidade, ou você conseguirá utilizar se dele para atingir propósitos humanos? Como se relacionar com o sistema de modo a não o ficar servindo compulsivamente? Não adianta tentar mudá-lo em função das suas concepções ou das minhas. O momento histórico subjacente a ele é grandioso demais para que algo realmente significativo resulte desse tipo de ação. O que é preciso é aprender a viver no tempo que nos coube viver, como verdadeiros seres humanos. Isso é o que vale, e pode ser feito.

MOYERS: Como?

CAMPBELL: Mantendo se fiel aos seus próprios ideais, como Luke Skywalker, rejeitando as exigências impessoais com que o sistema o pressiona.

MOYERS: Quando levei meus dois filhos para ver Guerra nas estrelas, eles reagiram com entusiasmo, como toda a platéia, quando, no clímax da última luta, a voz de Ben Kenobi diz a Skywalker: "Desligue o seu computador, desligue a máquina e seja você mesmo, siga seus sentimentos, confie em seus sentimentos". Ao fazê-lo, é bem sucedido, e a platéia prorrompe em aplausos.

CAMPBELL: Bem, como você vê, o filme comunica. É concebido numa linguagem que fala aos jovens, e isso é o que conta. Ele pergunta: Você será uma pessoa de coração, verdadeiramente humana - porque é daí que a vida provém, do coração, ou será aquilo que o chamado "poder int encional" parece exigir de você? Ao dizer: "Que a Força esteja com você", Ben Kenobi está falando do poder e da energia da vida, não de intenções políticas programadas.

MOYERS: Fiquei intrigado com a definição da Força. Ben Kenobi diz: "A Força é um campo de energia criado por todas as coisas vivas. Ela nos circunda, nos penetra, mantém a galáxia unida". E li descrições semelhantes em O herói de mil faces, falando do umbigo do mundo, do lugar sagrado, do poder que se irradia no momento da criação.

CAMPBELL: Sim, é claro, a Força brota de dentro. Mas a força do Império se baseia na intenção de conquistar e comandar. Guerra nas estrelas não é apenas uma história de moralidade, o filme tem a ver com os poderes da vida, conforme sejam plenamente realizados ou cerceados e suprimidos pela ação do homem.

MOYERS: Na primeira vez que vi Guerra nas estrelas, pensei: "Esta é uma velha história numa roupagem nova". A história do jovem chamado à aventura, o herói que parte em expedição para enfrentar tormentos e provações, e retorna, após a vitória, com uma bênção para a comunidade...

CAMPBELL: Certamente Lucas se serviu de padrões mitológicos. O velho que funciona como conselheiro me faz pensar no mestre de espada, japonês. Conheci alguns desses mestres, e Ben Kenobi tem um pouco deles.

MOYERS: Qual é o papel do mestre de espada?

CAMPBELL: É um especialista absoluto na arte da espada. A maneira como se cultivam as artes marciais no Oriente ultrapassa tudo o que pude ver nas academias e ginásios americanos similares. No Oriente, as técnicas psicológicas são tão desenvolvidas quanto as técnicas físicas, e são indissociáveis. Aquele personagem de Guerra nas estrelas, Ben Kenobi, tem essa característica.

MOYERS: Existe algo de mitológico, também, no fato de o herói ser ajudado por um estranho, que aparece e lhe dá um instrumento...

CAMPBELL: Ele lhe dá não só um instrumento físico, mas um compromisso psicológico e um centro psicológico. O compromisso ultrapassa o mero sistema de intenções. Você e o acontecimento se tornam uma coisa só.

MOYERS: Minha cena favorita é quando eles estão no compactador de lixo e as paredes começam a se fechar. Eu pensei: "Isso é como a barriga da baleia que engoliu Jonas".

CAMPBELL: Era lá que eles estavam, na barriga da baleia.

MOYERS: Qual é o significado da barriga?

CAMPBELL: A barriga é o lugar escuro onde acontece a digestão e uma nova energia é criada. A história de Jonas na barriga da baleia é um exemplo de tema mítico praticamente universal: o herói é engolido por um peixe e volta, depois, transformado.

MOYERS: Por que o herói precisa fazer isso?

CAMPBELL: É uma descida às trevas. Psicologicamente, a baleia representa o poder de vida contido no inconsciente. Metaforicamente, a água é o inconsciente, e a criatura na água é a vida ou energia do inconsciente, que dominou a personalidade consciente e precisa ser desempossada, superada e controlada.

No primeiro estágio dessa espécie de aventura, o herói abandona o ambiente familiar, sobre o qual tem algum controle, e chega a um limiar, a margem de um lago, ou do mar, digamos, onde um monstro do abismo vem ao seu encontro. Aí há duas possibilidades. Numa história do tipo daquela de Jonas, o herói é engolido e levado ao abismo, para depois ressuscitar; é uma variante do tema da morte e ressurreição. A personalidade consciente entra em contato com uma carga de energia inconsciente que ela não é capaz de controlar, precisando então passar por toda uma série de provações e revelações de uma jornada de terror no mar noturno, enquanto aprende a lidar com esse poder sombrio, para finalmente emergir, rumo a uma nova vida.

Outra possibilidade é o herói, ao defrontar se com o poder das trevas, vencê-lo e matá-lo, como Siegfried e São Jorge fizeram quando enfrentaram o dragão. Mas, como Siegfried aprendeu, é preciso provar o sangue do dragão para incorporar alguma coisa do seu poder. Quando matou o dragão e provou do seu sangue, Siegfried ouviu a música da natureza. Ele transcendeu sua humanidade e uniu se novamente aos poderes da natureza, que são os poderes da vida, dos quais somos afastados por nossas mentes.

Você vê, a consciência pensa que está gerindo a coisa. Mas é um órgão secundário no ser humano total, e não deve ser colocada em posição de mando. Precisa submeter se e servir à humanidade do corpo. Quando se coloca a si mesma em posição de comando, o resultado é um homem como Darth Vader, em Guerra nas estrelas, o homem que se reduz ao lado consciente das suas intenções.

MOYERS: A figura sombria.

CAMPBELL: Sim, a figura que no Fausto, de Goethe, é representada por Mefistófeles.

MOYERS: Mas alguém poderá dizer: "Bem, isso está ótimo para a imaginação de um George Lucas ou para as teorias de um Joseph Campbell, mas não é o que acontece na minha vida".

CAMPBELL: Errado! Você pode apostar que acontece, sim - e se a pessoa não for capaz de reconhecê-lo, isso poderá transformá-la num Darth Vader. Se o indivíduo insiste num determinado programa e não dá ouvidos ao próprio coração, corre o risco de um colapso esquizofrênico. Tal pessoa colocou-se a si mesma fora do centro, alistou se num programa de vida que não é, em absoluto, aquilo em que o corpo está interessado. O mundo está cheio de pessoas que deixaram de ouvir a si mesmas, ou ouviram apenas os outros, sobre o que deviam fazer, como deviam se comportar e quais os valores segundo os quais deviam viver.

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"O Poder do Mito"
Autores:Joseph Campbell
Editora: Palas Athena
Páginas:250
Quanto:R$ 60,00
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da "Livraria da Folha"

 
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