Livraria da Folha

 
14/06/2010 - 20h13

Sargentos gays do Exército planejam lançar livro de poemas sobre cárcere

WILLIAM MAGALHÃES
colaboração para a Livraria da Folha

Divulgação
Livro retrata a história do casal da infância até a saída de Fernando do Exército
Livro retrata a história do casal da infância até a saída do Exército

O casal formado pelo ex-sargento Fernando Alcântara de Figueiredo e pelo sargento Laci Marinho de Araujo planeja, "num futuro próximo", transformar parte das memórias e poemas escritos durante o período em que ficaram presos em um novo livro.

A história deles ficou conhecida quando decidiram assumir a homossexualidade na capa da revista "Época" há dois anos. Os acontecimentos da vida dos dois estão relatados também no livro "Soldados não Choram".

A obra relata a infância de Laci e Fernando e passa pelos principais momentos da vida de ambos, como o ingresso na carreira militar, os motivos que os levaram a se revelar e a perda da virgindade. Em depoimento ao jornalista Roldão Arruda, Fernando conta casos de assédio sexual na caserna e narra o arrependimento em participar do "Superpop", programa da Rede TV! apresentado por Luciana Gimenez. Na ocasião Laci foi preso como desertor.

Na semana passada, o casal foi condenado em primeira instância pela Justiça Militar por supostamente terem inventado que Laci foi torturado e, assim, denegrido a imagem do Exército. A defesa irá recorrer. Em entrevista à Livraria da Folha, Fernando Alcântara conta como recebeu a notícia da condenação e como estão outros processos envolvendo o caso.

José Varella/Folhapress 19
O sargento do Exército Laci Marinho de Araújo (à esq.) e seu companheiro, Fernando Alcântara de Figueiredo
O sargento do Exército Laci Marinho de Araújo (à esq.) e seu companheiro, Fernando Alcântara de Figueiredo

Leia a íntegra da entrevista.

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Livraria da Folha - Como você recebeu a notícia da condenação?

Fernando Alcântara de Figueiredo- Com certa tranquilidade no que corresponde a expectativa. Na Justiça Militar não há como se lograr êxito em acusações quando você é desafeto de uma das instituições militares. No nosso entendimento se trata de um tribunal de exceção que privilegia os ditames das forças armadas. Porém, apesar da condenação esperada nos sentimos profundamente indignados com o resultado. O que denunciei é algo muito grave, o Laci foi torturado e o fato da justiça das armas não ter se aprofundado na denúncia não lhe dá o direito em tornar vítima réu.

Livraria da Folha - Você chegou a afirmar que o exército transformou o Laci, que denunciou as torturas sofridas por ele, em réu. O que aconteceu?

Figueiredo- Antes de toda exposição pública de nossa homoafetividade - nossa história de perseguição perpetrada pelo Exército data de 2006, identificamos que haviam dentre determinados membros do ministério público militar significativa prioridade em promover defesa dos interesses institucionais, por isto oferecemos denúncia a Procuradoria Geral da República e ao Conselho Nacional do Ministério Público contra a atuação de promotores militares envolvidos no caso. Desde o início de 2008, estas pessoas vêm sendo investigadas em processo específico, ainda em trâmite. Desta forma é impossível crer que alguém que tenha inimizade capital com uma das partes se sinta habilitado em promover denúncia contra seus desafetos. Contrariando a condução legal do processo isso ocorreu por diversas vezes. Desta forma sempre seremos alvo de denúncias falsas, infundadas com único objetivo em desacreditar-nos e promover a defesa dos interesses dos reais responsáveis.

Livraria da Folha - No livro, seu relato indica que você e Laci começaram a ser perseguidos após presenciarem um esquema de corrupção no Hospital Militar. Você revela não ter feito a denúncia, mas ela foi feita anonimamente e a suspeita caiu sobre vocês. Por que a história da corrupção fica em segundo plano quando se fala sobre toda a perseguição que vocês sofreram?

Figueiredo- Com relação a este tema lamento não poder opinar, pelo menos por ora, já que ainda há esperanças que toda a verdade venha à tona já que há investigações em curso junto ao Ministério Público Federal. Confio na Justiça e, aguardo para que jamais tais investigações sejam declinadas a quem os possa arquivar sumariamente. Como já ocorreu num passado bem próximo.

Livraria da Folha - Em março deste ano o Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal acolheu denúncia contra 18 médicos que atuaram no caso de Laci. Em que pé está este processo?

Figueiredo- Está na fase de contra-razões dos denunciados. Há provas suficientes para que possamos lograr êxito. Pedimos a extinção do registro profissional de cada uma daquelas pessoas e, temos convicção de que houve violação a princípios éticos. O fato de médicos militares estarem legitimando atos contra a vida de um ser humano é repugnável, porém, a justiça do Exército, jamais levou nem levará em conta este fato crucial a aplacar esta grande farsa.

Livraria da Folha - Durante o tempo que Laci esteve preso ele escreveu poemas e um pouco de suas memórias. Há planos de que este material seja transformado em um novo livro?

Figueiredo- Num futuro próximo sim. Temos esperança de que isto tudo que passamos possa um dia servir como apoio a diversos outros processos onde estejam sendo vítimas de perseguição política e homofobia outros seres humanos - fardados ou não.

 
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