Livraria da Folha

 
15/07/2009 - 02h00

Editora que usa papelão para confeccionar livros já publicou obras de Xico Sá e Manoel de Barros

PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha

Ao longo de dois anos de atividades, o Coletivo Dulcinéia Catadora, editora alternativa que utiliza papelão e papel reciclável para publicar livros, possui uma gama variada de escritores. Os autores conhecidos e que já estão inseridos no mercado são convidados a participarem do projeto. Assim foi feito o convite para Manoel de Barros, Glauco Mattoso, Joca Reiners Terron, Xico Sá, entre outros. Há também aqueles que possuem 15 ou 20 anos de prática literária, mas que têm pouca inserção no mercado. Estes procuram a editora para publicar.

Leonardo Lara
A coordenadora e artista plástica Lúcia Rosa, do Coletivo Dulcinéia Catadora, realiza projetos culturais e intervenções pela cidade
A coordenadora e artista plástica Lúcia Rosa, do Coletivo Dulcinéia Catadora, realiza projetos culturais e intervenções pela cidade

O Coletivo realiza então uma seleção e encaminha os textos para uma comissão de leitura. "Procuramos encontrar catadores, pessoas que são muito marginalizadas, não que o escritor não seja, mas que além de marginalizados tenham uma condição econômica muito precária. Procuramos descobrir essas pessoas e convidamos", explica Lúcia Rosa, 55, artista plástica e coordenadora da Dulcinéia Catadora.

O escritor Marcelo Ariel tem dois títulos publicados pela editora. Ele foi apresentado ao projeto pelo autor Flávio Viegas Amoreira, em 2006. Publicou primeiro "Me Enterrem com a Minha AR-15". Na última quinta-feira (2), na Casa das Rosas, região central de São Paulo, lançou "O Céu no Fundo do Mar" --prévia do seu próximo livro "Aurora Feroz"-- durante as comemorações de dois anos do Coletivo. "É um projeto iluminista. Tem um princípio social, mas extrapola. Eu não seria escritor se não tivesse começado na Dulcinéia", declara Ariel. Nesta ocasião, o grupo Kolombolo se apresentou e lançou o volume "Kolombolo" sobre o samba paulista.

Produção, tiragem e títulos

Segundo o Coletivo, são feitos 50 exemplares por obra, mas caso a demanda aumente, a editora aumenta a tiragem. A poeta Eunice Arruda, por exemplo, já vendeu mais de 200 livros, Sebastião Nicomedes, que é um catador, mais de 400, e o renomado escritor Manoel de Barros ultrapassou os 500 volumes. "Não temos lançamentos regulares. Veja, em dois anos, lançamos pouco mais de 50 títulos. Isso daria uma média de dois por mês. Mas, às vezes, ficamos meses sem lançar nada e depois juntamos tudo para aproveitar eventos, como o da Casa das Rosas", esclarece Lúcia.

Os autores recebem cinco volumes. Ariel e outros parceiros do projeto já chegaram a receber 20. Às vezes, os escritores também compram os livros para vender ou para levar a eventos, o que contribui na divulgação da iniciativa. O número de páginas, que não excede 32, dá-se em função do preço (R$ 6). A base do cálculo envolve os preços das cópias, do papelão --comprado a R$ 1 o quilo para a capa--, e em função do que os colaboradores recebem.

Projeto movido à força e amor ideal

O nome do coletivo paulistano, que iniciou suas atividades em fevereiro de 2007, engloba dois significados importantes: presta uma homenagem à garra da maranhense Dulcinéia, 47, que trabalha na Coopamare (Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Papelão, Aparas e Materiais Reaproveitáveis), em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, e faz uma referência à personagem feminina de "Dom Quixote", de Miguel de Cervantes. "O projeto tem um pouco da força e do amor ideal. Então ficou Dulcinéia Catadora", explica a coordenadora.

Hoje, o Coletivo tem entre oito e dez garotos que ajudam na confecção dos livros. Os participantes das oficinas são adolescentes em situação de risco, que moram em abrigos de menores e pessoas com problemas mentais. Lucas Santos, 17, conheceu o projeto através da mãe que fez um curso de reciclagem na Coopamare. Há um ano, frequenta o local. "Eu acho importante essa idade, porque dá para você abrir o mundo e mostrar outras possibilidades", observa a artista.

Divulgação
As capas dos livros são pintadas à mão por uma equipe de meninos
As capas dos livros são pintadas à mão por uma equipe de meninos

Para fazer as capas, as letras são primeiramente moldadas em papel E.V.A para depois serem acertadas no papelão. O trabalho não é diário e ocorre duas ou três vezes na semana por conta da renda arrecadada com a venda dos exemplares. "Não considero um trabalho, porque é uma atividade e eles [os colaboradores] têm uma divisão da renda arrecadada. As atividades duram entre quatro ou cinco horas", afirma a coordenadora. Segundo ela, alguns meninos chegam ao local só com o dinheiro da passagem, esperando receber. E recebem. Ganham R$ 30 por manhã ou tarde trabalhadas. "Essa é minha preocupação de lançar projetos, encontrar pontos de venda para garantir essa retirada", afirma Lúcia.

Os pontos de vendas na capital paulista são alternativos --bar Mercearia São Pedro (zona oeste), Galeria Vermelho (zona central) e Praça Benedito Calixto, no espaço Plínio Marcos (zona oeste). Em livrarias, só na Realejo, em Santos, litoral de São Paulo. Lúcia acredita que esse fator limita um pouco a expansão do projeto. E ressalva. "O principal é manter o conceito do coletivo". Dulcinéia Catadora também desenvolve outros projetos sociais e intervenções pela cidade.

Para a coordenadora da editora, começar é fácil, manter um Coletivo é um pouco mais difícil. Nada que os arranha-céus dos meninos não alcancem com pinceladas.

 
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