Livraria da Folha

 
15/09/2009 - 12h19

Autores finalistas do Prêmio Jabuti na categoria Romance comentam as indicações

ANDRÉ BENEVIDES
colaboração para a Livraria da Folha

Entre surpresa, felicidade e postagens no Twitter, os dez autores de romances que integram a lista dos finalistas do Prêmio Jabuti 2009 demonstraram diversos tipos de reações ao saber da indicação. De maneira análoga, as dez obras que disputam a láurea mais tradicional das letras brasileiras apresentam uma grande multiplicidade de estilos, formatos e temáticas. Quem ganha com isso, mais do que estes notórios escritores, é a literatura brasileira e os seus leitores.

Segundo a CBL (Câmara Brasileira do Livro), os três vencedores em cada categoria serão anunciados no dia 29 de setembro. Já a cerimônia de premiação, quando serão divulgados os Livros do Ano de ficção e não-ficção, está prevista para acontecer em 4 de novembro, na Sala São Paulo (região central da capital paulista).

A pedido da Livraria da Folha, os dez autores finalistas na categoria Romance responderam a quatro perguntas cada, versando sobre suas reações e as características de suas obras. Confira:

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Lista dos finalistas na categoria Romance

"A Parede no Escuro", de Altair Martins

"Flores Azuis", de Carola Saavedra

"Cordilheira", de Daniel Galera

"Um Livro em Fuga", de Edgard Telles Ribeiro

"O Livro dos Nomes", de Maria Esther Maciel

"Órfãos do Eldorado", de Milton Hatoum

"Manual da Paixão Solitária", de Moacyr Scliar

"Galiléia", de Ronaldo Correia de Brito

"Heranças", de Silviano Santiago

"Satolep", de Vitor Ramil

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Altair Martins

João Wainer/Folha Imagem
O escritor o gaúcho Altair Martins discute a falência das instituições
O escritor o gaúcho Altair Martins discute a falência das instituições

Qual foi a sua reação ao saber que "A Parede no Escuro" estava entre os finalistas do Jabuti?
Altair - Bem, o Jabuti é a mais tradicional premiação do Brasil, e isso me deixa honrado. Já fui finalista com meus dois livros anteriores, de contos, e me senti, por isso, premiado. Estar na lista novamente é, para mim, o recomeço a que eu aspirava: estar sendo lido e referendado como um dos livros que fizeram 2008.

Quais você acredita serem os méritos que levaram o seu livro a figurar como finalista do prêmio?
Altair - Creio que tematizo a falência da "firma social" a partir da decadência dos referentes --o pai, o estado, a família, a palavra verdadeira, o professor, o homem. Enfim, o romance aborda o esfarelamento dessas paredes que sustentam nossa sociedade. Diagnosticando uma vida cuja tônica é a superficialidade, busco discutir nosso tempo: como num cataclismo de dominós, vivemos numa época na qual nada mais se sustenta. Há ainda a consideração dos leitores de que a imagem que reproduzo do sistema educacional brasileiro, fruto das minhas experiências como professor de vários níveis, é atualizada e legítima.

Divulgação
A obra foi uma das vencedoras do Prêmio São Paulo de Literatura
A obra foi uma das vencedoras do Prêmio São Paulo de Literatura

Quais as características que você mais gosta nesta obra especificamente?
Altair - "A Parede no Escuro" tem seu forte na linguagem. Proponho narradores múltiplos sem divisão entre eles. Reconhecemos quem narra tão somente pela linguagem. Para isso, busquei fazer laboratório léxico para cada personagem, guardando particularidades linguísticas em envelopes. Onira, por exemplo, usa um verbo "pegar" como auxiliar para suas ações ("peguei e fui beber água"), além de plurais econômicos e vocabulário próprio, no qual se resgatam termos arcaicos que ainda sobrevivem na linguagem oral.

Fale um pouco do processo criativo deste livro. Como surgiu a ideia para este romance?
Altair - O romance nasceu da ideia de discutir a paternidade como instituição falida no Brasil. Como um país sem pai, órfão de referências, imitamos, falsificamos e desfazemos nossa realidade a todo instante. Como resolver um tema assim em narrativa? Pensei justamente no atropelamento de uma figura paterna, da qual emanassem todos os desmoronamentos morais. A estrutura busca, justamente, lançar escuridão nas paredes que, enquanto realidade, nos sustentam.

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Carola Saavedra

Rodrigo Paiva/ Folha Imagem - Divulgação
A obra de Carola Saavedra oferece diversas possibilidades de leitura, trazendo os personagens que vivem situações limite
A obra de Carola Saavedra oferece diversas possibilidades de leitura, trazendo os personagens que vivem situações limite

Qual foi a sua reação ao saber que "Flores Azuis" estava entre as finalistas do Jabuti?
Carola - Fiquei muito contente. Quem publica, normalmente o faz porque espera algum tipo de reconhecimento, e estar entre os finalistas de um prêmio com o prestígio do Jabuti é um desses claros sinais de que o seu trabalho está sendo bem recebido.

Quais você acredita serem os méritos que levaram o seu livro a figurar como finalista do prêmio?
Carola - É muito difícil para o autor fazer esse tipo de análise, já que gostar ou não de um livro é algo muito subjetivo. Acredito que o "Flores Azuis" de alguma forma correspondeu ao que os críticos consideram literatura de qualidade, com algo novo a dizer.

Quais as características que você mais gosta nesta obra especificamente?
Carola - Gosto que ela tem várias possibilidades de leitura, desde a mais superficial, uma história de amor, até a mais complexa, um pequeno ensaio sobre as relações entre escrita e leitura.

Fale um pouco do processo criativo deste livro. Como surgiu a ideia para este romance?
Carola - A ideia surgiu do que para mim é interessante na literatura, ou seja, a possibilidade de criar um enredo que agrade ao leitor mas que ao mesmo tempo não subestime a sua inteligência. E surgiu também da minha necessidade de criar uma história na qual a protagonista vivesse uma situação limite. No meu livro anterior, o "Toda Terça", os personagens eram bastante covardes na sua forma de se relacionar com o mundo, e eu queria trabalhar com o outro extremo, com personagens corajosos, de uma coragem quase suicida.

Ouça o primeiro capítulo de "Flores Azuis" lido pela autora Carola Saavedra aqui.

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Daniel Galera

Paulo Fehlauer/Folha Imagem - Divulgação
O autor Daniel Galera, que postou sobre a indicação no Twitter, espera que sua obra motive diversão e reflexão nos leitores
O autor Daniel Galera, que postou sobre a indicação no Twitter, espera que sua obra motive diversão e reflexão nos leitores

Qual foi a sua reação ao saber que "Cordilheira" estava entre os finalistas do Jabuti?
Daniel - Mencionar o fato no meu Twitter.

Quais você acredita serem os méritos que levaram o seu livro a figurar como finalista do prêmio?
Daniel - Realmente não sei dizer, e como autor não acho que estou em posição de apontar méritos do meu próprio livro. Isso é para a comissão julgadora, críticos e leitores.

Quais as características que você mais gosta nesta obra especificamente?
Daniel - Gosto do jogo entre imaginação e realidade e dos detalhes metaficcionais e metaliterários que procurei embutir no romance. Esses trechos foram divertidos de escrever e são resultado de uma reflexão séria sobre o assunto. Espero que possam motivar diversão e reflexão no leitor também.

Fale um pouco do processo criativo deste livro. Como surgiu a ideia para este romance?
Daniel - As primeiras ideias que usaria no "Cordilheira" surgiram ainda em 2006, logo depois da publicação do "Mãos de Cavalo". Comecei a bolar uma história protagonizada por uma jovem autora que se envolvia com uma seita de escritores que se interessavam por um personagem de um livro dela. Mais tarde incluí a obsessão da narradora em ter um filho sozinha. Por fim, a viagem a Buenos Aires que fiz pelo projeto "Amores Expressos" (www.amoresexpressos.com.br/) consolidou o conceito do romance.

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Edgard Telles Ribeiro

Divulgação
O diplomata Edgar Telles Ribeiro se disse surpreso com a indicação
O diplomata Edgar Telles Ribeiro se disse surpreso com a indicação

Qual foi a sua reação ao saber que "Um Livro em Fuga" estava entre os finalistas do Jabuti?
Edgard - De surpresa, pois não esperava mesmo. É a terceira vez que entro nessa lista dos dez, sendo que nas duas anteriores tirei um segundo lugar, na categoria Contos, com um livro intitulado "Histórias Mirabolantes de Amores Clandestinos", pela editora Record; e um terceiro lugar, na categoria Romance, para um livro chamado "Olho de Rei", também pela Record (e que logo depois ganhou o Prêmio de Melhor Obra de Ficção 2006 da Academia Brasileira de Letras --vá você entender dessas coisas!). Mas nada esperava para "Um Livro em Fuga" porque, de todos meus nove livros (entre romances e contos), esse foi o que menos críticas recebeu. O silêncio foi quase geral e as vendas têm sido modestas (o que ocorre comigo com certa frequência...). Daí minha surpresa (agradável, diga-se passagem...).

Quais você acredita serem os méritos que levaram o seu livro a figurar como finalista do prêmio?
Edgard - O romance trata de perdas e seguramente os eleitores, ou membros do júri, se terão aberto para um tema com o qual, mal ou bem, cedo ou tarde, todos nós convivemos de um forma ou outra. No caso de meu livro, o personagem, funcionário internacional da ONU há muitos anos, vive em um país asiático imaginário (sou, eu próprio, diplomata de carreira há quarenta anos e vivo, no momento, na Tailândia, de onde te escrevo). Meu personagem, então, para voltar a ele, vive e trabalha nesse país imaginário (uma colagem que fiz a partir da Tailândia, Laos, Camboja, Mianmar, Vietnã, países que fui conhecendo por viver nestas bandas), e é contra esse pano de fundo, tão distinto do nosso, brasileiro (e, nas coisas essenciais, tão parecido ao nosso) que ele, digamos, "lambe suas feridas existenciais". Estas têm a ver, entre outras, com mais um casamento desfeito; com uma mãe idosa indo devagarinho para outras dimensões; com o desencanto frente a um mundo no qual os valores se desfazem em quase todos os planos; com a perda da juventude face à idade que avança; etc. etc..

Divulgação
A obra trata de perdas, mas abre também espaço para a esperança
A obra trata de perdas, mas abre também espaço para a esperança

Quais as características que você mais gosta nesta obra especificamente?
Edgard - Ao fim das contas, o espaço que se abre para a esperança. (Essa é, pelo menos, uma de minhas "leituras" do livro.). Porque o tempo todo em que a linha narrativa se desenvolve, o personagem escreve um livro --"um livro em fuga"--, obra que escapa continuamente a seu controle, como se corresse sempre a sua frente... Mas que ele persegue assim mesmo. Em dois momentos da história, o personagem faz uma breve viagem ao Brasil. Nas duas ocasiões, confronta de mais perto cada uma dessas vertentes de suas perdas e desafios (a ex-mulher, que a essa altura já refez sua vida, o que provoca nele um mal-estar inesperado e certa dose de arrependimento; a velha mãe, meio perdida em suas neblinas mentais; um antigo amigo com quem vive um momento marcado pela nostalgia; uma antiga namorada com quem volta e meia recomeçava um caso, e que aqui, fiel a essa tradição, se entrega a ele uma vez mais --para, chegado o momento da despedida, informar que vai se casar em breve (o que representa mais uma porta que se fecha...), etc. etc. O clima predominante é de melancolia, mas a maneira com que a história é contada também abre espaço para o humor, o que confere ao livro sua leveza. Esse equilíbrio acaba gerando (pelo menos foi essa minha intenção) uma brecha para a esperança a que aludi acima.

Fale um pouco do processo criativo deste livro. Como surgiu a ideia para este romance?
Edgard - O livro é muito calcado em minha vida (funcionário internacional da ONU é o que mais se aproxima de um diplomata) e no fato de viver em um país distante há mais de três anos, "onde durmo quando meus compatriotas estão acordados e trabalho quando eles dormem" (estou me citando meio de orelhada); lidava, além do mais, na época, com a saúde de minha mãe que, muito fragilizada, vivia momentos de perda de lucidez (desde então ela felizmente se recuperou, mas acompanhei de perto esse processo e chego até a achar que ajudei a retirá-la dessa ''neblina" com... um jogo de dominós, a que se seguiu um baralho, que a fez jogar, muito timidamente, e cheia de hesitações, uma primeira paciência. Daí passamos ao desafio de escrevermos um conto juntos (cada qual contribuindo com uma frase ou duas), etc. etc. Tudo isso aconteceu em minha vida real --e tudo foi parar no livro. Em minha vida particular, embora esteja casado, tive dois divórcios, que terão deixado suas marcas. E, por força de minha profissão, sinto-me cada vez mais exposto a um mundo marcado pela injustiça, por força de todo tipo de pressões (sociais, demográficas, políticas) ou perigos (militares, terroristas), quase sempre frutos, esses últimos, de intransigências (por incompreensões, ou conflitos herdados do passado e mal resolvidos no presente). Contra esse pano de fundo, contudo, o artista, apesar de tudo, insiste: e escreve seu livro. Só que... Se trata de um livro em fuga... Que de tanto fugir acabou se refugiando entre outros nove em Jabutiland. Foi salvo por seus aliados! E agora torce por cada um deles...

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Maria Esther Maciel

Branca Maria de Paula/Divulgação
Maria Esther já se sente premiada por estar entre os dez finalistas
Maria Esther já se sente premiada por estar entre os dez finalistas

Qual foi a sua reação ao saber que "O Livro dos Nomes" estava entre os finalistas do Jabuti?
Maria Esther - O que senti foi uma mistura de surpresa e alegria. Ter um livro entre os dez finalistas de um prêmio de tanto prestígio como o Jabuti é motivo para qualquer escritor brasileiro já se sentir premiado, independentemente do resultado final. Além disso, estou muito bem acompanhada: é uma lista que inclui autores que muito admiro, o que reforça ainda mais a minha satisfação.

Quais você acredita serem os méritos que levaram o seu livro a figurar como finalista do prêmio?
Maria Esther - Eu mesma me faço essa pergunta. Um júri se compõe de diferentes subjetividades, preferências, exigências e expectativas. Cada jurado tem seus próprios critérios, ainda que estes possam coincidir com os de outros. Portanto, não arrisco a levantar com firmeza os possíveis méritos que teriam sido considerados para a escolha do meu livro. Talvez os jurados tenham considerado o caráter híbrido e desmontável do livro, visto que ele ultrapassa os limites convencionais dos gêneros literários para se afirmar, simultaneamente, como um romance, um conjunto de narrativas e uma espécie de enciclopédia ficcional. Podem ter valorizado o fato de que cada leitor, assumindo um papel ativo na construção da obra, pode compor --a partir da combinação dos vários nomes, personagens e histórias-- um romance diferente. Quem sabe teriam levado em conta o trabalho com a linguagem? Mas pode não ter sido nada disso também.

Divulgação
"O Livro dos Nomes" conta histórias entrelaçadas de 26 personagens
"O Livro dos Nomes" conta histórias entrelaçadas de 26 personagens

Quais as características que você mais gosta nesta obra especificamente?
Maria Esther - Gosto da ideia de jogo que a atravessa. Me diverti muito ao escrever "O Livro dos Nomes", mesmo não tendo sido fácil estruturá-lo. Foi um árduo exercício de pesquisa e montagem, mas que me deu muito prazer. Digo que um dos desafios foi aliar experimentalismo e experiência vital, usar algumas estratégias formais e, ao mesmo tempo, não permitir que estas ofuscassem os dramas cotidianos vividos pelos personagens. Estou convicta de que a verdadeira matéria-prima que sustenta este livro é a vida.

Fale um pouco do processo criativo deste livro. Como surgiu a ideia para este romance?
Maria Esther - Os dicionários e as enciclopédias sempre me interessaram, desde criança. Durante muito tempo cultivei o desejo de compor um livro nesse formato, mas com fins poético-ficcionais. Também sempre tive apreço pelo ato de contar histórias e encaixá-las uma dentro da outra. Foi assim que surgiu a ideia de "O Livro dos Nomes". Primeiro fiz uma longa lista de nomes próprios e depois me pus a pesquisar dicionários onomásticos e obras afins. A escolha dos 26 nomes que integram o livro não seguiu nenhum critério preestabelecido. Foi, sim, bem arbitrária. Eu já tinha também rascunhos mentais de vários personagens, além de uma coleção de histórias vividas, ouvidas e inventadas. Restava-me, então, combinar tudo isso e criar o romance. O que me deu mais trabalho foi costurar as partes, armar a trama genealógica, entrelaçar de forma coerente os detalhes de vida dos personagens. A maneira que encontrei para não me perder foi escrever o livro de forma não-sequencial. Ao invés de seguir a ordem alfabética de A a Z, optei por um viés, digamos, mais relacional. Comecei pelo Antônio, depois parti para Sílvia (mulher dele), os filhos Eugênia, Ulisses e Vanessa, a empregada da casa (Irene) e a avó desta, Quitéria. E assim por diante. Dessa maneira, tive um controle maior do conjunto e me preservei da dispersão.

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Milton Hatoum

Adriana Vichi/Divulgação
O escritor amazonense Milton Hatoum dedicou a obra a sua mãe
O escritor amazonense Milton Hatoum dedicou a obra a sua mãe

Qual foi a sua reação ao saber que "Órfãos do Eldorado" estava entre os finalistas do Jabuti?
Milton - Fiquei contente. Acredito que o meu contentamento tenha contagiado os personagens do livro.

Quais você acredita serem os méritos que levaram o seu livro a figurar como finalista do prêmio?
Milton - Essa resposta cabe aos editores e críticos que elegeram o livro. Quando se trata da minha obra, prefiro não mencionar méritos ou qualidades.

Quais as características que você mais gosta nesta obra especificamente?
Milton - A novela é um gênero difícil porque, além de ser um texto conciso, exige uma tensão constante no desenvolvimento do enredo. Por isso, foi difícil juntar muitas questões numa narrativa de cem páginas. O que me deixou mais contente foi o fato de minha mãe, que estava muito doente, ter tido tempo para ler um livro dedicado a ela.

Divulgação
Em uma narrativa enxuta, o livro conta o mito da "cidade encantada"
Em uma narrativa enxuta, o livro conta o mito da "cidade encantada"

Fale um pouco do processo criativo deste livro. Como surgiu a ideia para este romance?
Milton - "Órfãos do Eldorado" faz parte da coleção "Mitos", da editora escocesa Canongate. A ideia dessa coleção é escrever um texto ficcional a partir de um mito escolhido pelo autor. Escolhi a "cidade encantada", um mito amazônico e também universal, pois os mitos são narrativas que pertencem a muitas culturas. A fonte principal de "Órfãos do Eldorado" foi uma história contada pelo meu avô materno, que era um grande narrador oral. No começo, alimentei a expectativa de escrever um romance, mas depois de alguns meses de trabalho percebi que o assunto se ajustava a uma narrativa mais enxuta, mais seca e despojada. O que seria uma árvore frondosa, tornou-se uma palmeira nua. Foi um exercício narrativo de concisão e contenção, um desafio que enfrentei com muito trabalho, mas também com muito prazer.

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Moacyr Scliar

Carlos Stein/Viva Foto/Folha Imagem - Divulgação
Inspirado na história do patriarca bíblico Judá, o autor Moacyr Scliar tentou equilibrar emoção e humor em "Manual da Paixão Solitária"
Inspirado na história do patriarca bíblico Judá, o autor Moacyr Scliar tentou equilibrar emoção e humor em "Manual da Paixão Solitária"

Qual foi a sua reação ao saber que "Manual da Paixão Solitária" estava entre os finalistas do Jabuti?
Moacyr - Foi de grande satisfação. O Jabuti é hoje um prêmio que venceu a barreira do tempo, que se impôs pela consistência, pela seriedade. Para qualquer escritor brasileiro ele representa um invejável reconhecimento.

Quais você acredita serem os méritos que levaram o seu livro a figurar como finalista do prêmio?
Moacyr - Fiz o melhor livro que pude. E o fiz buscando inspiração num texto que é fundamental para a nossa cultura, o Antigo Testamento; baseei-me numa narrativa que nos comove não pelo caráter religioso, mas porque mergulha fundo na condição humana. Escrevi com prazer, escrevi com emoção, escrevi valorizando a forma literária --e acho que todas essas coisas, de alguma maneira, aparecem.

Quais as características que você mais gosta nesta obra especificamente?
Moacyr - É a combinação de emoção com humor, uma combinação que busco em tudo que leio e nos textos que escrevo.

Fale um pouco do processo criativo deste livro. Como surgiu a ideia para este romance?
Moacyr - A narrativa bíblica que deu origem a meu livro, a história do patriarca Judá, de seus filhos e de Tamar, com quem todos, de uma forma ou outra, tem relação é tão intensa quanto sintética. E, por ser sintética, desafia-nos a criar uma história que preencha os enigmas. Desafio irresistível!

Ouça aqui comentários de Moacyr Scliar sobre "Manual da Paixão Solitária" e o primeiro capítulo da obra.

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Ronaldo Correia de Brito

João Wainer/Folha Imagem - Divulgação
A obra "Galiléia", do escritor cearense Ronaldo Correia de Brito, já venceu o Prêmio São Paulo de Literatura como melhor livro do ano
A obra "Galiléia", do escritor cearense Ronaldo Correia de Brito, já venceu o Prêmio São Paulo de Literatura como melhor livro do ano

Qual foi sua reação ao saber que "Galiléia" estava entre os finalistas do Jabuti?
Ronaldo - Fiquei feliz porque o Jabuti é um prêmio literário de muito prestígio e tradição.

Quais você acredita serem os méritos que levaram o seu livro a figurar como finalista do prêmio?
Ronaldo - Acredito que "Galiléia" traz propostas novas para o romance brasileiro. O livro revisita paisagens e temas que pareciam esgotados por Euclydes, Guimarães Rosa, Graciliano e Suassuna, para citar apenas esses. Ao fazê-lo, atualiza o imaginário em torno desse lugar real e mítico chamado sertão.

Quais as características que você mais gosta nesta obra especificamente?
Ronaldo - Gosto dos experimentos com a linguagem, das várias formas de narrativas e do enredo. O livro trata de questões bem atuais, como a busca de um lugar pelos personagens, que percorreram o mundo e não o encontram; retornam às origens e constatam que ali eles também já não podem viver.

Fale um pouco do processo criativo deste livro. Como surgiu a ideia para este romance?
Ronaldo - O livro surgiu da observação dos movimentos migratórios e da inadaptação de algumas sociedades ao mundo globalizado. Demorei oito anos escrevendo "Galiléia". Sou lento ao escrever e mais ainda para publicar. Meu primeiro conto, "Lua Cambará", saiu publicado no livro "Faca", da Cosac Naify, trinta e três anos após ter sido escrito. Trabalho com a "memória inventada", como Fellini se referia aos seus filmes. É bem difícil de alcançar esse ponto em que a história se transforma em ficção, através de metáforas, da poesia e da metafísica.

Ronaldo Correia de Brito comenta sobre seu livro "Galiléia", que já venceu o Prêmio São Paulo de Literatura; ouça aqui.

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Silviano Santiago

Felipe Varanda/Folha Imagem
Silviano Santiago ressalta os contrapontos que compõem o livro
Silviano Santiago ressalta os contrapontos que compõem o livro

Qual foi a sua reação ao saber que "Heranças" estava entre os finalistas do Jabuti?
Silviano - De alegria, porque é um prêmio que respeito. Tem tradição e grande prestígio nacional. Ao reconhecer um romance escrito na terceira idade é como se estivessem reconhecendo a extensa e multifacetada obra que venho executando a duras penas. O fardo da vida literária fica mais leve.

Quais você acredita serem os méritos que levaram o seu livro a figurar como finalista do prêmio?
Silviano - Numa época em que narrador e personagens padecem do raquitismo congênito aos gêneros ficcionais curtos (e me refiro também aos livros mais bem realizados), "Heranças" é um romance que batalha por apresentar ao leitor a dramatização dum espectro abrangente de homens e de mulheres da classe alta que, ao desenharem os próprios destinos, construíam a nação brasileira.

Divulgação
O autor buscou inspiração nos romances franceses do século 19
O autor buscou inspiração nos romances franceses do século 19

Quais as características que você mais gosta nesta obra especificamente?
Silviano - Gosto da composição geral do livro, expressa pelo número dois. Dois computadores, por exemplo. Num se escreve o romance, noutro as escrituras do comércio. Duas cidades, Belo Horizonte até a velhice, Rio de Janeiro às vésperas da morte. A irmã e o irmão, dum lado, e o Pico Dois Irmãos, no Leblon, do outro. Retrato do Brasil e viagens pelo estrangeiro. Homens fracos ou confusos em contraponto a mulheres fortes e decididas. E assim por diante. Gosto da composição binária por enredar o leitor e não ser (acredito) pesada.

Fale um pouco do processo criativo deste livro. Como surgiu a ideia para este romance?
Silviano - Vem de longe. E não estaria sendo pedante ao dizer que a ideia inicial tinha algo a ver com o romance francês do século 19, que conheço razoavelmente bem, com Machado de Assis e certo Graciliano Ramos e com leituras recentes do "Rei Lear", de Shakespeare. O processo criativo do romance tem tudo a ver com minhas raízes mineiras. No passado, pouco me debrucei sobre meu estado natal, e devia esta aos meus conterrâneos.

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Vitor Ramil

Patricia Stavis/Folha Imagem
Vitor Ramil destaca a combinação entre textos e imagens da obra
Vitor Ramil destaca a combinação entre textos e imagens da obra

Qual foi a sua reação ao saber que "Satolep" estava entre os finalistas do Jabuti?
Vitor - Eu não estava esperando. Acabava de chegar de Buenos Aires, onde havia gravado um disco, e minha cabeça estava no mundo da música. Então foi uma surpresa. E uma alegria, claro, porque é o Jabuti, um prêmio sério e de imenso prestígio, o mais importante. Para quem, como eu, está em seu segundo livro, é o maior dos estímulos.

Quais você acredita serem os méritos que levaram o seu livro a figurar como finalista do prêmio?
Vitor - É difícil para mim responder a essa pergunta, falar de meu próprio livro. Posso recorrer aos comentários do meu editor. Segundo ele, para quem sou um autor novo, mas de estilo muito marcante, é um livro pouco comum para os tempos atuais: além da forma original, talvez única, em sua combinação de texto e imagens, de texto de fôlego e pequenas histórias, é um livro de muitas "entradas", pois pode ser lido como ficção, história, suspense, memória, poesia, como romance de ideias, como literatura experimental. O que sim posso dizer com segurança é que a edição é primorosa, como costumam ser os livros da Cosac Naify. É aquele tipo de livro que a gente quer guardar e cuidar. Eu me refiro à sua qualidade gráfica e editorial.

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A obra retrata a cidade de Pelotas, invertendo seu nome no título
A obra retrata a cidade de Pelotas, invertendo seu nome no título

Quais as características que você mais gosta nesta obra especificamente?
Vitor - Ao escrever me deliciei muito com o desafio formal, e também com o trabalho de encontrar uma voz racional, clássica para um personagem que luta para provar sua lucidez enquanto descreve algo que aponta para sua loucura. Gostei de dar forma a uma cidade com a qual sonho desde a infância, e de ter conseguido que o texto, em sua diversidade, correspondesse à diversidade dessa cidade e de seus habitantes. Muitos leitores me afirmam tê-lo lido como quem experiencia algo. Era exatamente o que eu buscava.

Fale um pouco do processo criativo deste livro. Como surgiu a ideia para este romance?
Vitor - Comecei escrevendo pequenas ficções para fotos da cidade de Pelotas tiradas em 1922. O projeto, originalmente, se resumiria a isto: instantâneos literários para instantâneos fotográficos. Já me parecia uma forma bem interessante. Depois, uma das pequenas histórias se estendeu e terminei desenvolvendo um texto longo que seria costurado pelas pequenas histórias, ou que as costuraria. Essa pequena história que se estendeu tinha um narrador que voltava de trem para Satolep. A trama do romance se desenvolveria a partir dele. Achei que essa forma era ainda mais interessante e desafiadora. E gosto do trabalho de desenvolver o texto longo, de diariamente deixar esse nosso mundo por outro. O processo de escritura deve ter levado, com muitas interrupções, uns oito anos. Acho que esse tempo foi fundamental para o resultado do texto. Uma cidade não se faz rapidamente.

 
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