Livraria da Folha

 
02/01/2010 - 11h41

"Corinthians é adversário, São Paulo é inimigo", disse ídolo palmeirense; leia trecho de livro

da Folha Online

Divulgação
Jornalista apresenta grandes ídolos e craques do Palmeiras
Jornalista apresenta grandes ídolos e craques do Palmeiras

No livro "Os Dez Mais do Palmeiras" (Maquinária Editora), da coleção "Ídolos Imortais", o jornalista Mauro Beting apresenta o perfil de dez ícones da Sociedade Esportiva Palmeiras.

O objetivo de toda a coleção, que também conta com volumes sobre o Flamengo, Fluminense, Corinthians, Internacional, Botafogo e São Paulo, é resgatar a memória dos craques que mais ajudaram a construir, através do futebol, a identidade nacional dos brasileiros que apreciam o esporte.

Beting narra diversos momentos mágicos da história do clube. Momentos que trarão regozijo tanto aos que torcem pelo Palmeiras quanto aos que, sabiamente, reconhecem no passado as sementes do futebol-arte que levaram o país a tantas conquistas internacionais.

Leia abaixo um trecho do livro em que o jornalista fala sobre Oberdan Cattani, grande ídolo palmeirense, ou melhor, palestrino.

*

OBERDAN

"O meu suor daria para inundar todo o Parque Antártica."

O palmeirense mais palestrino

"Só podíamos ganhar aquele jogo. Mesmo que nos custasse a vida", recorda-se o velho goleiro.

Oberdan foi o primeiro a entrar em campo no estádio municipal de São Paulo com a bandeira do Brasil na mão esquerda do tamanho da coragem daqueles 11 atletas. Olhava para o gramado para não ter de encarar aquela gente que não vaiava um time de futebol - urrava contra um "bando de traíras, quinta-colunas da pátria, traidores do Brasil". Sic dos sics. "As vaias não eram do futebol. Era muito pior. Era ódio. Até hoje ouço aquele barulho cruel. Vaiaram até a bandeira da nossa Pátria!"

Oberdan, Junqueira, Begliomini, Zezé Procópio, Og Moreira, Del Nero, Cláudio, Waldemar Fiume, Etchevarrieta, Villadoniga e Lima. Um uruguaio. O primeiro negro do clube. Mais quatro filhos de italianos. Todos brasileiros como os que vaiavam o time dos "italianinhos".

Em 28 de janeiro daquele 1942, o ditador Getúlio Vargas rompeu relações com os países do Eixo (Alemanha, Japão e a Itália do Palestra). Em março, a Itália saiu do nome do clube fundado em 1914, que virou "Palestra de São Paulo", a cidade que abrigara os italianos que a ajudaram a ficar do tamanho que é. Em 22 de agosto, o governo Vargas instaurou Estado de Beligerância contra o Eixo. Em 31 de agosto, o Decreto 10.358 declarou Estado de Guerra em todo o território brasileiro.

O Palestra morrera líder do Campeonato Paulista uma semana antes do 20 de setembro de 1942, quando entrou em campo pela primeira vez como Palmeiras. Ordens do regime pouco democrático de Vargas. Intolerante como a sociedade que obrigava clubes espanhóis, italianos e alemães a mudarem de nome. À frente dos 11 ex-palestrinos, agora palmeirenses, estava o capitão (futuro general) Adalberto Mendes, vascaíno, mas, por aqueles dias e noites, um palmeirense que comandava a arrancada heroica rumo ao título paulista. E justamente contra o São Paulo Futebol Clube, maior entusiasta, digamos assim, da mudança de nome do Palestra Itália.

A última vez que o time atuara com o nome de batismo havia sido em 25 de março, num empate por 2 a 2 com o Flamengo. Oberdan era o goleiro. Lima, o "Menino de Ouro", que jogava bem em todas as posições, fez o último gol, aos 18 do segundo tempo - Domingos da Guia, a bandeira rubro-negra na outra grande área, seria pai nove dias depois de um menino chamado Ademir. Mas essa é outra história.

Em 14 de setembro, uma reunião no clube decidiu a nova mudança (forçada) de nome. Foi adotada a sugestão do conselheiro Mário Minervino: Palmeiras. Como a Associação Atlética das Palmeiras, clube coirmão já extinto. Da sede na Água Branca, ligaram para a concentração do time, em Poá, interior paulista. Um diretor disse ao elenco o que acontecera. Oberdan tem clara na memória a reação do time:

"Ninguém falou nada. Ficamos todos mudos. E revoltados! Sabíamos quem tinha pressionado pela mudança. Tudo gente do São Paulo. Estávamos tão preocupados que sócios montaram barricadas dentro do clube, para evitar qualquer tipo de invasão. Mas não havia mais nada a fazer. A não ser lamentar. Só me lembro de ter saído do salão da concentração junto com o Lima. Fomos a um canto e choramos. Choramos muito pelo que fizeram com a gente e com o nosso clube."

No domingo, 20 de setembro, nada fizeram com os atletas na chegada ao Pacaembu. Nem antes, nem depois. Até porque, quando os campeões de 1942 deixaram o estádio, o time e a torcida adversária já não estavam mais por lá.

No vestiário, Oberdan recebeu o novo uniforme. Não era mais todo branco com o escudo em vermelho no peito. Era azul-escuro. Até 1954 seria assim. O capitão Mendes sugeriu a ideia por todos acatada: entrar com a bandeira brasileira em campo. Superadas as vaias, era hora de jogar. E como jogava aquela equipe. Fala Oberdan: "O melhor time da minha carreira foi o de 1942."

Ele na meta, os laterais Zezé Procópio e Del Nero; os zagueiros Junqueira e Begliomini; Og Moreira protegia a zaga, como centromédio, e iniciava o jogo. Waldemar Fiume e Villadoniga armavam o ataque para os pontas Cláudio e Lima e para o centroavante Etchevarietta. O treinador era Armando del Debbio, bandeira corintiana como zagueiro nos anos 20 e 30.

Cláudio abriu o placar aos 20 minutos. Waldemar de Brito (o descobridor de Pelé em Bauru, em 1956) empatou aos 23. Del Nero fez 2 a 1 aos 43. Aos 15, Etchevarrieta ampliou. Quatro minutos depois, o zagueiro são-paulino Virgílio derrubou Og Moreira na área. Pênalti marcado pelo árbitro Jaime Janeiro Rodrigues. A reclamação tricolor levou o capitão Luizinho Mesquita (ex-ponta palestrino, de 1935 a 1941) a atender às ordens da direção são-paulina e tirar o time de campo. O Palmeiras esperou a volta do rival por 20 minutos. Então, deu a primeira volta olímpica no Pacaembu com o novo nome.

Para Oberdan, o olho-gordo de muitos são-paulinos nas posses dos italianinhos da Água Branca (mais que nos possíveis pensamentos fascistas deles) fez com que ele definisse a questão das rivalidades locais: "Corinthians é adversário; São Paulo é inimigo."

*

"Os Dez Mais do Palmeiras"
Autor: Mauro Beting
Editora: Maquinária Editora
Páginas: 184
Quanto: R$ 30,00
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
Voltar ao topo da página