Livraria da Folha

 
26/12/2009 - 08h14

Brasil está preparado para consolidação de literatura popular, diz autor de "O Véu"

ANDRÉ BENEVIDES
colaboração para a Livraria da Folha

Apesar de o Brasil ter uma produção vasta e de altíssima qualidade no campo das letras, a chamada "literatura de entretenimento" não conseguiu se desenvolver plenamente. Apesar disso, o escritor carioca Luis Eduardo Matta, que acaba de lançar o thriller "O Véu", acredita que o país já tem condições de apostar no desenvolvimento deste segmento literário. "Inclusive porque a ficção de entretenimento estrangeira há décadas é muito apreciada por aqui", explica.

Divulgação
Quadro que mostra mulher seminua com véu islâmico é centro do thriller
Quadro que mostra mulher seminua com véu islâmico é centro do thriller

Citando autores como Agatha Christie, Sidney Sheldon, Nora Roberts e Dan Brown como representantes desta vertente, o autor entende que ela não compete com a "erroneamente chamada 'alta literatura'", já que sua principal função seria distrair o leitor e não criar grandes debates ou reflexões. "No fim das contas, é tudo literatura", conclui, que há alguns anos cunhou o termo LPB (Literatura Popular Brasileira), em analogia à expressão usada para designar uma boa parte da produção musical do Brasil.

É neste contexto que se enquadra "O Véu", um thriller que mistura aspectos ficcionais e acontecimentos reais, como as eleições presidenciais do Irã realizadas em meados deste ano. A trama parte do leilão de um polêmico quadro que mostra uma mulher seminua vestindo um véu islâmico. A obra causa a ira de autoridades religiosas, e pessoas envolvidas com ela são misteriosamente mortas.

Em entrevista à Livraria da Folha, Matta falou um pouco sobre a LPB, a "literatura de entretenimento" e o seu novo romance. Confira a íntegra a seguir:

*

O que você considera como "literatura de entretenimento"? Qual é diferença para outros tipos de literatura?
"Literatura de entretenimento" é um termo impreciso, que se usa na falta de um outro melhor. Trata-se, fundamentalmente, de uma vertente da ficção literária que tem como principal objetivo entreter e seduzir o leitor por meio de uma história de começo, meio e fim bem definidos, sem a preocupação de aprofundar temas, de problematizar questões ou reinventar a linguagem, itens caros a uma literatura esteticamente mais ambiciosa, também erroneamente chamada de "alta literatura". É bom salientar que ambas não competem entre si e têm o seu espaço. No fim das contas, é tudo literatura.

Quem são os grandes autores mundiais e brasileiros nesta vertente literária?
Na literatura estrangeira, sobretudo na de língua inglesa, existe e existiu uma quantidade impressionante de escritores dedicados ao entretenimento. Alexandre Dumas, Agatha Christie, Sidney Sheldon, Nora Roberts, Dan Brown, Ken Follett É impossível citar todos. Muitos sequer foram traduzidos para o português. Já no Brasil, ainda somos poucos, mas o número vem crescendo, sobretudo na ficção fantástica e de mistério.

O que é a LPB? Até que ponto você acha que o Brasil está preparado para um movimento deste tipo?
LPB é a sigla de "Literatura Popular Brasileira". Não é um movimento. Eu nem tenho competência para capitanear um movimento literário. O termo surgiu durante a redação de um artigo que publiquei em 2003, inspirado num ensaio sobre o mesmo tema escrito por José Paulo Paes, na década de 80. Nele, eu procurava analisar as razões pelas quais no Brasil, que tem uma trajetória literária riquíssima, a ficção de entretenimento nunca se desenvolveu a ponto de criar uma tradição, com uma corrente numerosa e sólida de nomes representativos. A intenção era fazer uma analogia com a música popular brasileira. Creio que o Brasil está, sim, preparado, e há bastante tempo até, para a consolidação de uma literatura popular entre os nossos escritores. Inclusive porque a ficção de entretenimento estrangeira há décadas é muito apreciada por aqui.

De que modo "O Véu" se enquadra nos conceitos de LPB ou de literatura de entretenimento?
"O Véu" é um thriller, ou seja: é uma narrativa de suspense e mistério. É um gênero consagrado da literatura de entretenimento. E é, também, literatura brasileira. Acredito que meus thrillers têm uma identidade latina, uma identidade brasileira. São livros diferentes dos títulos estrangeiros que estamos acostumados a encontrar nas livrarias. Pelo menos, é o que eu tento fazer.

Como surgiu a ideia de escrever este livro, inserindo-o em um contexto tão atual, como as eleições do Irã?
A ideia surgiu com um quadro. Imaginei uma pintura a óleo enigmática, meio assustadora, que tivesse um passado de desgraça e fosse portadora de um grande segredo. É esse quadro, que dá nome ao livro, o centro da história, onde todas as tramas paralelas se cruzam em algum momento. Decidi ambientar parte do livro no Irã, porque é um país fascinante, contraditório, cuja realidade é muito diferente da que as pessoas no Ocidente se habituaram a ver na mídia. A questão das eleições surgiu ao acaso. Como a maior parte do livro se passa em junho de 2009, justamente o mês em que são realizadas as eleições e há todo um contexto político na trama, achei por bem esperar para ver o que acontecia. Eu não podia falar do Irã no livro sem citar as eleições, então acompanhei atentamente o que se passava por lá naqueles dias e ia reescrevendo os capítulos de acordo com as informações relevantes que eu recebia.

O fato de o livro abordar transversalmente um tema que esteve na mídia durante um bom tempo é uma tentativa de fazer um público não tão acostumado à leitura se interessar por ela?
Não. As eleições no Irã servem apenas como pano de fundo de parte da história. Elas são citadas eventualmente. O eixo principal do livro é o suspense em torno do quadro e do drama de três mulheres, as três protagonistas, que naquele mês de junho vivem dilemas decisivos em suas vidas. Três mulheres diferentes, cada uma morando num país diferente e cujos destinos estão, de certo modo, selados pelo segredo do quadro e pela trajetória dele.

Qual você considera a maior virtude deste livro? Ou, em outras palavras, do que você mais gosta nele?
Eu gosto de tudo, mas sou suspeito para falar. "O Véu" foi um livro escrito com muito carinho. Algumas pessoas, no entanto, já me escreveram dizendo que a trama implica com alguns estereótipos, o que é verdade. Não me refiro apenas ao Irã. Até o Rio de Janeiro que aparece no livro é diferente da imagem que muita gente tem da cidade. Gosto de brincar com essas coisas, de mostrar outras faces de uma realidade. Mas "O Véu" é, acima de tudo, um thriller. Então são os amantes da ficção de mistério e de suspense os que têm mais chances de se entender com o livro.

 
Voltar ao topo da página