Livraria da Folha

 
08/01/2010 - 18h30

"Poder S.A." mostra a força das aparências nas empresas; leia trecho

da Livraria da Folha

Divulgação
Livro de Beto Ribeiro terá continuação e vai virar uma série de TV
Livro de Beto Ribeiro terá continuação e vai virar série de TV

Você está satisfeito com seu trabalho? Acha que recebe a remuneração justa e compatível com seus esforços? Seus chefes reconhecem seu talento e premiam suas iniciativas? O livro "Poder S.A.", que vai virar série de TV, cria várias situações para mostrar as entranhas do mundo corporativo, sem esconder os jogos mais traiçoeiros típicos dos escritórios, como puxadas de tapete e a perda de tempo com egos inflados e rotinas inúteis.

Em cada andar de um prédio fictício, o leitor encontra um tipo de empresa e os dramas de chefes e subalternos, conflitos de gestão. O autor Beto Ribeiro diz que as histórias são baseadas em fatos reais. É só procurar seu andar e tentar identificar o lado comédia e tragédia de cada escritório.

Ribeiro é jornalista e trabalhou como gerente de marketing de várias empresas importantes do país. O site dele é www.betoribeiro.com.br.

Leia trecho.

*

Formigas, corujas e cigarras *

*História baseada no conto "Formiga", que invadiu a internet nos anos de 2005/2006. Não consegui descobrir seu autor

Eduarda tinha duas coisas quase em extinção no mundo corporativo: prazer no que fazia e autonomia no trabalho. Os domingos não eram tristes para ela, e a música do "Fantástico" não a deixava deprimida ao lembrar que o dia seguinte seria segunda-feira. Duda, como gostava de ser chamada, cantava toda manhã no banho quando se preparava para ir ao quarto andar do SP Centrale.

Eduarda trabalhava no GoldenBank, um dos bancos de investimentos mais private do país. Para ser um cliente era preciso um investimento mínimo de um milhão de reais.

Com a mente brilhante e livre de qualquer tipo de mágoa com a empresa, Duda teve um insight "bem interessante", conforme disse o diretor de área em que trabalhava. Havia, segundo suas pesquisas, cerca de três milhões de pessoas no país que tinham R$ 900 mil e viam no GoldenBank uma forma de status pessoal. Eduarda criou uma estratégia de atrair esse público. O diretor gostou da ideia, mas não queria perder um segundo sequer com esse tipo de cliente. Eduarda teria de fazer tudo sem ajuda de ninguém. Ela topou.

Durante um ano, a boa Duda trabalhou feliz sozinha. Conseguiu cerca de cem clientes com R$ 900 mil cada um e, ao longo de doze meses, ao redor de 40% de rendimento nas suas contas.

No final do ano, na avaliação de resultados, Eduarda havia ultrapassado em cerca de 500% seu PMI - Plano de Metas Individual, que fazia o cálculo do bônus de cada "Profissional GoldenBank". Todas as metas pessoais de Eduarda tinham sido mais que alcançadas e seu bônus seria três vezes maior que o original. Aquilo atraiu a atenção de todos os diretores que quiseram verificar o que Duda efetivamente fazia.

Ao analisarem o trabalho de Eduarda, descobriram que seus clientes haviam sido os mais fiéis do ano; os que menos exigiram CRM da empresa - jantares, presentes etc.; e tido o melhor retorno nos investimentos.

Tantos bons resultados deixaram a diretoria em polvorosa. Para entender tudo aquilo, resolveram contratar uma consultoria para estudar o mercado que Eduarda havia descoberto. Eles chamaram a RRS Consultoria & Associados (adivinha onde é o escritório dessa consultoria? Isso mesmo! No SP Centrale!). A RRS preparou uma série de questionários para Eduarda responder.

Dois meses depois de intensa pesquisa e trabalho, a consultoria apresentou um interessante resultado em um documento de mais de trezentos slides de Power Point. Eles apontavam que o público que possuía R$ 900 mil era cerca de três milhões de brasileiros e estes tinham o GoldenBank como um up grade em seu status pessoal...Onde foi mesmo que vimos essa informação?

Como finalização de seu trabalho, a consultoria indicou que o GoldenBank estruturasse uma equipe para cuidar dessas contas, pois o público está aí para ser fisgado. Foi sugerido que o banco contratasse um gerente para cuidar da área, que tinha apenas Eduarda.

Para isso, o GoldenBank chama uma das maiores agências mundiais de headhunter (sem escritório no SP Centrale...), que recruta um dos gerentes com currículo mais extenso de seu banco de dados. Só MBA, ele tem dois concluídos: um em Chicago e outro em Londres. Fala mais de três línguas - "avançado", segundo o currículo; havia cursado a melhor universidade de Administração do país; e só usa ternos Hugo Boss. Por mais estranho que possa parecer, o gerente não tem qualquer experiência profissional prática em seus trinta anos de carreira. Muito menos havia gerenciado uma equipe de verdade - o mais próximo disso foram os trabalhos em grupo em seus MBAs e os jogos on-line de O Aprendiz.

O gerente veio para o GoldenBank com um salário cerca de cinco vezes maior que o de Eduarda e desenvolveu uma grande estratégia de comunicação para atingir o público que tinha R$ 900 mil para aplicar. Foi chamada a agência D+ para desenvolver todos os eventos, logos e campanhas pensadas por ele, que, por sua vez, passou a ir às reuniões de estratégia do banco que aconteciam todos os dias das 9h às 11h30. Precisava despachar com o diretor todas as segundas, quartas e sextas à tarde, fora as reuniões de integração e workshops que começou a participar todas as semanas. Um mês depois, o gerente passou a viajar uma vez por semana para o Rio de Janeiro e a cada quinze dias para Nova York, onde fazia parte dos ELIG - Encontros de Líderes Internacionais GoldenBank.

Resultado: Eduarda não conseguiu ver seu novo chefe direto e algumas ações começaram a demorar em sair do papel, já que ela não tinha mais autonomia para decisões que exigiam agilidade, como, por exemplo, o que fazer com as aplicações dos clientes. Mas o gerente não via isso como ponto importante na sua agenda.

- Clientes podem esperar, estou me desenvolvendo para cuidar melhor do dinheiro deles - falava por telefone para Duda. Também por falta de tempo do gerente, a agência não conseguia colocar no ar toda a brilhante campanha que criou.

Acredita que os criativos da agência "sacaram" que o GoldenBank dava a sensação de status para os clientes com R$ 900 mil? Incrível a inteligência dessas agências...

Para melhorar o fluxo de trabalho, o gerente pediu para o RH contratar no mercado um coordenador de marketing e uma secretária. Eduarda ficaria ligada ao coordenador.

O novo coordenador pediu um computador mais veloz para abrir as propostas de campanha da agência que não saíam da ideia. Ele, o coordenador, não gostou da criação e marcou um novo briefing. Depois de um dia inteiro na agência, o coordenador preparou uma apresentação de impacto para seu gerente e seu diretor verem e aprovarem. Durante o tempo em que estava preparando a apresentação, o coordenador ficou incomunicável. Eduarda também não conseguia falar com o coordenador para resolver algumas pendências dos clientes de R$ 900 mil...

Duda já não estava tão feliz; não cantava mais todos os dias no banheiro; a música do "Fantástico" começou a deixá-la deprimida domingo à noite; e seu tédio só melhorava quando a folha do calendário marcava sexta-feira. O coordenador começou a perceber a falta de empolgação de Eduarda. Ele chegou a comentar com o gerente numa reunião de líderes que Eduarda era meio "morta".

O RH chegou com mais uma boa novidade para Eduarda: o programa de trainne daquele ano. Trainne, para quem não sabe, é um título mais metido para ESTAGIÁRIO. A diferença é que em um estágio a pessoa trabalha feito camelo e quando ganha algum salário é pouco, bem pouco, praticamente nada mesmo. Enquanto em um programa de trainne, não...Este é feito para um jovem recém-formado que nunca trabalhou, mas que é visto pelo mercado como promessa de um novo Bill Gates. Por isso, deve ser tratado como tal. Recebe anos de treinamento dentro da empresa - geralmente seus "treinadores" são pessoas que nunca conseguem nem aumento, muito menos promoção...mas servem para ensinar seu futuro chefe...Estranho, não? Outra diferença entre estagiário e trainne é o salário. Se o primeiro morre de fome, os ganhos do trainee ultrapassam três mil dólares e já tem garantido o bônus na folha de pagamento. Os trainee são uma espécie de "pré-executivos" e raramente terminam seu programa sem ser efetivados, no mínimo, como coordenadores. Não se exige muito deles, afinal podem errar, devem errar e superar seus erros. Aliás, são estimulados a errar...Pena que isso não seja verdade também para os reles mortais do mundo dos negócios.

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"Poder S.A."
Autor: Beto Ribeiro
Editora: Marco Zero
Páginas: 160
Quanto: R$ 29
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

 
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