Livraria da Folha

 
17/01/2010 - 17h34

Assim como Luciana de "Viver a Vida", autora teve que redescobrir sua vida sexual

da Livraria da Folha

De acordo com a coluna Outro Canal, publicada na Folha deste domingo (17) e assinada interinamente por Laura Mattos, Luciana (Alinne Moraes), de "Viver a Vida", vai ter um filho. A personagem, que está tetraplégica vai sentir o bebê mexer na barriga. Para a coluna, o autor Manuel Carlos ainda contou que acha interessante a maneira como as mulheres cadeirantes lidam com o sexo.

Assim como Luciana, do folhetim global, a vereadora Mara Gabrilli, tetraplégica desde os 26 anos, também teve que redescobrir a sua vida sexual. Em entrevista concedida à revista "TPM", em 2006, ela afirmou que mesmo após o acidente que a deixou paralisada do pescoço para baixo, consegue sentir prazer tanto físico, quanto mental. "Eu sinto diferente, mas a intensidade da libido não muda", disse na época.

Em seu novo livro, "Íntima Desordem", que reúne 50 textos publicados originalmente na "TPM", Mara relata sua luta pessoal e mostra como conseguiu transformar sua tragédia em exemplo de vida.

A vereadora ganhou notoriedade por defender os direitos dos deficientes. Ela foi a mulher mais votada do Brasil nas Eleições 2008 com 79.912 votos. Foi também nesta época que ela deu uma entrevista para o jornalista Jairo Marques, da Folha, na qual fala de forma descontraída sobre a eleição e seus projetos.

Veja aqui a entrevista na íntegra

Leia abaixo um trecho do livro.

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A ESPERA

Julho, 2002

Divulgação/Divulgação
Livro de Mara Gabrilli reúne suas colunas na revista "TPM"
Livro de Mara Gabrilli reúne suas colunas na revista "TPM"

Recebi um grande milagre, se é que milagre tem tamanho. Há cerca de quinze anos, quando eu tinha 26, sofri um acidente, fiquei com pernas e braços paralisados e continuo achando que está tudo bem e que amanhã o quadro poderá ser revertido. Pode parecer que sou iludida... Mas, me conhecendo melhor, você perceberá que estou ligada.

Talvez você me ache evoluída por ter superado as fases posteriores a um acidente dessa magnitude. Mas, na verdade, aquela fase inicial, dolorida, eu passei batido, ou fiquei tão passada que o desespero não bateu nem de passagem!

Depois de escrever isso, descobri que não tem milagre ali não. Que esse deveria ser um sentimento natural à evolução humana, tipo quando quebra o pé, o braço, o dedo e, daqui a pouco, sara. Agora Deus está me devendo um milagre, pois ficou anos como autor responsável da minha certeza inexorável, irrevogável, indefectível quanto ao resgate dos movi¬mentos. E me pergunto, apesar de me sentir mais conectada, por que ainda não aconteceu? Acredito que nas camadas mais profundas do meu organismo essa verdade ainda não se fez ouvir na terapia dos movimentos da alma... o movimento tem que ir se instalando em diferentes instâncias do pensamento, das células, da aura. Não se trata de misticismo nem de religião, mas se assim fosse teríamos ainda mais embasamento teórico para justificar a cura de paralisias.

Não temos na história aqueles tantos casos das pessoas levantando da cadeira de rodas para servir de referência aos próximos? Porque a hora é agora. Enquanto o Censo quantifica que o número de lesados medulares cresce, o Hospital das Clínicas protocola o atendimento ao trauma raquimedular, as drogas começam a combater as proteínas que impedem a regeneração da célula nervosa, o edema e a morte de novos neurônios, a Fórmula Academia abre as portas para os cadeirantes malharem, o Dr. Tarcísio de Barros inicia pesquisa de células-tronco em lesados medulares, eletrodos começam a ser implantados, o conceito de inclusão social cresce, os paraatletas dão um show nas Paraolimpíadas de Sidney, o terceiro setor brasileiro ganha força, os cientistas começam a "clonar" e os terapeutas a "olhar" além da lesão.

Tudo conspira a favor da cura... primeiro que Deus não faria uma obra vertebral tão sem solução. Outras obras pareciam não ter solução e hoje basta um comprimido. A cura pode ser operada por Deus, como creem católicos, judeus e outros. Ou em atenção à fé daquele crente que crê. Pode ser também que o ato mental de crer leve à cura, independentemente da vontade de Alá. Na visão espírita não existe o milagre, pois Deus não concebe a exceção. Mas existe a cura, que pode acontecer através de entidades ou por im¬postação de mãos.

E, se não tiver Deus, a física quântica reconhece a energia que se transforma em matéria. Tem um tempo e espaço no nosso corpo em que o pensamento se transforma em matéria. Por exemplo: se você fica com medo, sinais são enviados às glândulas supra-renais desencadeando a produção de adrenalina. Isso descreve um pensamento virando molécula, a não-matéria em matéria, a energia em massa.

Crendo ou não crendo, a técnica psicológica mais utilizada, e de maior êxito na doença física, é a imaginativa. Assim criei o nome da ONG que luta pela cura de paralisias: Projeto Próximo Passo. Na prática, temos pesquisas acontecendo bem mais perto que longe. Nos Estados Unidos, o ex-presidente George W. Bush sancionou uma lei que pune, com 10 anos de prisão e multas, o cientista que realizar clonagem reprodutiva (criar bebês) ou clonagem terapêutica (curar doenças). Células indiferenciadas, células-tronco são multipotentes e possuem a capacidade de se proliferar e originar qualquer linhagem e qualquer tecido. Essas pesquisas ficaram tão emperradas que no Congresso de Lesão Medular a que assisti em Vancouver, no mês de maio de 2001, ninguém tocou no assunto. Felizmente, Barack Obama está mudando a situação. Ele apoia a pesquisa de células-tronco.

Apesar de interrompida a tradicional comunicação, a cabeça continua se ligando ao resto do corpo pela pele, pelos músculos, pelos ossos, pelos líquidos... O corpo tem mente própria. E a mente também. Importante é não desistir.

"Íntima Desordem"
Autora: Mara Gabrilli
Editora: Arx
Páginas: 176
Quanto: R$ 29,90
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 e no site da Livraria da Folha

 
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