Livraria da Folha

 
29/01/2010 - 17h11

"Lolita" de J.D. Salinger fala sobre sua primeira vez com autor; leia trecho

da Livraria da Folha

Divulgação
Escritora faz revelações sobre seu relacionamento com J. D. Salinger
Escritora faz revelações sobre seu relacionamento com J. D. Salinger

Em "Abandonada no Campo de Centeio", a escritora norte-americana Joyce Maynard revela como foi seu relacionamento amoroso com o escritor norte-americano J. D. Salinger.

Conheça as obras de J.D. Salinger publicadas no Brasil

Em uma obra bombástica, feminista e muito sensível, Joyce conta como ocorreu sua aproximação com Salinger. Ela, uma garota de 18 anos. Ele, um cinquentão, em plenos anos 70. O volume provocou polêmica ao revelar as intimidades de um dos maiores autores reclusos.

No trecho abaixo, extraído do livro, Joyce descreve como foi sua primeira relação sexual com "Jerry", como chamava Salinger.

*

Capítulo Seis

O quarto de Jerry não é muito grande. Nada além de uma cama de casal, um criado-mudo com publicações homeopáticas, um espelho, uma cômoda com gavetas. A janela não precisa de cortinas, pois diante dela só há terra e céu. A noite acabou de cair. Há uma porta que leva a um banheiro, uma outra que leva ao quarto onde Jerry escreve e medita todas as manhãs e uma terceira que abre para o resto da casa, de onde se vêem os quartos das crianças. Matthew está com a mãe, Peggy, com o namorado.

Estou parada ao pé da cama, vestida com um dos meus vestidos curtos de menina. Ele o tira por cima de minha cabeça. Não uso sutiã. Não preciso. Apenas as calcinhas de algodão. Ele as tira também.

Não falamos sobre anticoncepcionais e não penso em perguntar. Sou muito imatura para alguém de 18 anos. Não faz muitos anos que empacotei minhas Barbies.

Sei muito pouco sobre sexo e o pouco que sei é muito triste e estranho. Minhas idas com mamãe até a lojinha de Calef para comprar pão e ler piadas sujas. Seus artigos para as revistas Good Housekeeping e Woman's Day sobre sexo antes do casamento e doenças venéreas.

Sexo é o filme que passam nas aulas de ginástica da escola que fala sobre o milagre da menstruação e minha própria vergonha quando, alguns anos depois, o milagre finalmente acontece comigo e não tenho coragem de contar a mamãe. Após um ano ela me confronta quando, ao limpar meu guarda-roupa, acha um saco de absorventes higiênicos usados, cheio de bicho. "Como pôde?", ela pergunta. E fico mais envergonhada do que nunca.

Sexo é o estúdio feio e escuro de meu pai, com cheiro de bebida, sua cama de solteiro e as provas dos alunos e livros espalhados pelo chão, livros sobre a literatura do século XVIII, seu pijama engraçado e a forma como ele sai de seu quarto de manhã, ainda vestindo-o, cobrindo com as mãos o que chama de partes íntimas, e a forma como mamãe sacode a cabeça e ri. Sexo é o quarto grande e iluminado de mamãe ao qual faço minhas visitas todas as manhãs.

Para mim, sexo é os seios grandes e opulentos de mamãe e os meus, pequenos. As túnicas longas de seda que ela vestia quando recebia alunos para ler e analisar seus trabalhos, sua risada musical e seu jeito de flertar com os alunos de colégio enquanto põe o chá e passa os biscoitos caseiros, fazendo perguntas indiscretas sobre a primeira vez que chegaram até o fim.

Para mim, vindo do lugar que venho, sexo é uma coisa cômica, ridícula e patética que as outras pessoas fazem, algo que observei acontecer nos cantos escuros de festas, enquanto fico sentada lendo a capa dos discos.

Sexo é aquele primeiro dia de aula na universidade, na palestra sobre orientação para a mulher em Yale, quando distribuem folhetos sobre a saúde da mulher e a camisinha cai no meu colo. Sexo é ficar deitada, quieta, na cama de cima do beliche no dormitório do Vanderbilt Hall, enquanto na cama de baixo minha colega e o cara com quem ela está naquele dia sacodem o colchão, mexendo-se cada vez mais rápido, até que de repente, na escuridão, ouço o gemido e o murmúrio. Depois o silêncio. Sexo é a cachoeira com a água caindo tão forte em minha cabela que penso que estou me afogando.

Parada no quarto de Jerry Salinger agora, deixando-o tirar minhas roupas, observo a cena como se fosse um dos filmes que ele passa em sua sala.

A garota tira os sapatos. O velho tira a calça jeans e depois a cueca. Um homem nu no quarto. A garota deita na cama ao lado do homem. O homem a abraça.

Ele diz que me ama. Eu digo o mesmo a ele. Sinto-me como imagino que uma pessoa sente quanto tem uma experiência religiosa. Salva. Socorrida, entregue, iluminada, tocada por uma mão divina.

Nunca vira um homem nu antes. Agora que vejo, quero me esconder em seu colo. Quero que ele envolva seus braços ao meu redor. Quero que ele me abrace forte. E ele faz. Depois estou deitada de frente, seu corpo por cima do meu, abrindo minhas pernas.

Quando tentamos a relação, os músculos de minha vagina simplesmente se fecham e não relaxam. Depois de alguns minutos, temos de parar. Estou chorando, menos da dor em minha vagina do que da dor em minha cabeça, que parece que vai explodir.

Levanto da cama e vou até o banheiro molhar o rosto. Nunca tive uma dor de cabeça assim antes.

"Deite aqui", ele diz com calma. "Deixe-me massagear seus pontos de pressão". Ele põe o robe de banho. Senta de lado na cama e aperta seus dedos no canto entre o polegar e o indicador de cada mão. Em alguns minutos, o pior da dor de cabeça passa, embora leve algumas horas até que desapareça por completo.

"Não sabia que doía tanto assim", digo.

"Vou preparar algo para comermos", ele diz, levantando. Pega uma abóbora de sua horta e corta em fatias, põe no vapor, servindo com molho de tamarindo, em uma mesinha de abrir, com um copo de água. Ele coloca um cobertor ao meu redor. Não sei o que dizer. De todas as coisas que ouvi falar sobre sexo, todas as angústias que tive, ninguém me disse que você poderia simplesmente não poder fazer. Fico mais envergonhada do que nunca.

De todas as vezes em minha vida que meu corpo falhou - nas aulas de ginástica, quando não conseguia pôr a bola no cesto, quando eu era a última a ser escolhida para qualquer time, quando subi no trampolim e fiquei parada incapaz de pular, até finalmente desistir e voltar, quando subi na cadeira do teleférico para esquiar e desci do mesmo jeito por não saber como descer dela -, ele nunca falhou como agora ou me deixou com esse sentimento de grande desespero que estou sentindo.

"Desculpe", murmuro. "Não sei i que fiz de errado".

"Amanhã vou verificar seus sintomas no Materia medica", ele diz com ternura. "E talvez amanhã melhore, de qualquer maneira".

Porém, no outro dia, quando tiramos nossas roupas de novo e tentamos fazer amor, a mesma coisa acontece: uma dor de cabeça tão terrível que ele precisa me aplicar uma nova sessão de acupressura.

"Está tudo bem", ele diz. "Vou ajudá-la com seu problema".

A descoberta de que não posso fazer sexo faz com que eu me sinta ainda mais como uma pessoa fora do lugar no mundo. Agora está confirmad: nunca poderei viver uma vida normal. Quem já ouviu falar de um problema como o meu? Quem teria um problema como esse no mundo inteiro?

É um segredo novo, terrível, pior do que o segredo do vício de meu pai. O fato de Jerry saber do meu segredo me liga ainda mais a ele. Como eu poderia falar sobre isso com mais alguém?

O único lugar em que me sinto segura é no alto da colina. Durante o dia, caminhamos e falamos durante horas sobre filmes e peças, a vida no jornal, televisão, o livro que estou escrevendo. Fazemos nossas refeições de carneiro mal cozido e legumes da horta e, depois do jantar, ele me acomoda no sofá para assistir a qualquer filme que eu escolha. Em seguida ao filme, vamos para a cama de Jerry, onde a mesma cena se repete. A tentativa. A dor de cabeça. A acupressura. As alternativas.

Eu choro. Ele me conforta.

 
Voltar ao topo da página