Livraria da Folha

 
27/03/2010 - 13h11

Leia trecho sobre extermínio de espécies de "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

da Livraria da Folha

Quando a fome e o medo põem em marcha os grilos Anabrus, esses insetos formam densas colunas de até dez quilômetros que avançam dois quilômetros por dia e são palco de cruéis cenas de canibalismo. Para não serem devorados, os grilos migratórios constantemente dão coices em quem vem atrás e avançam incansáveis.

Divulgação
Obra traz crônicas bem-humoradas e profundas sobre a vida na Terra
Obra traz crônicas bem-humoradas e profundas sobre a vida na Terra

Esta é a crônica que dá nome ao livro de Fernando Reinach, uma entre dezenas de textos científicos publicados entre 2004 e 2009. As crônicas bem-humoradas trazem descobertas e enigmas nas mais diversas áreas da ciência, como dilemas ambientais, a diversidade das florestas, os mistérios do sexo, a complexidade da mente, a pré-história da arte, os avanços tecnológicos que transformam o corpo humano, a política que envolve a pesquisa, entre outros temas.

Um tema recorrente em diversas crônicas é o papel do ser humano, que domesticou centenas de espécies de plantas e animais para uso próprio e causou danos profundos no planeta --desmatamento, zonas mortas nos oceanos, mudanças drásticas no clima--, danos que agora tenta consertar de forma muitas vezes desastrada.

É o que ocorre na crônica abaixo, que mostra as dificuldades e ambiguidades morais para exterminar espécies não nativas em arquipélagos do Oceano Pacífico.

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Extermínio em curso no Pacífico

Quando os helicópteros surgem voando baixo, os cabritos montanheses param de pastar, viram a cabeça em direção ao ruído e começam a correr. Com o corpo fora dos helicópteros, óculos escuros e rifles automáticos, fica fácil. Os cabritos rolam na relva. Os filhotes são poupados, não por compaixão, mas por serem alvos difíceis. Os sobreviventes se escondem nas montanhas. Chegam os Land Rovers com os Judas, cabritos castrados portadores de radioemissores, e as super-Judas, fêmeas castradas injetadas com hormônios, capazes de atrair filhotes famintos. Soltos, eles correm e se juntam aos sobreviventes. No dia seguinte, os helicópteros guiados por sinais de rádio vão localizar e exterminar o resto do bando. Milionários excêntricos caçando na África? Não, ecólogos financiados pela onu, 21 milhões de dólares, tentando preservar a biodiversidade da ilha de Isabela, nas Galápagos, um dos mais importantes santuários ecológicos do planeta. O objetivo é exterminar 150 mil cabritos que infestam os 458 mil hectares da ilha. O último foi morto em março de 2006.

Na ausência de predadores, os cabritos levados para lá no século xix pastaram até deixar a terra desnuda. Na ilha de Laysan, no Havaí, coelhos provocaram a extinção de 26 espécies de plantas em vinte anos. No arquipélago de Kerguelen, uma gata solta em 1950 e seus três filhotes geraram 3500 descendentes que devoraram milhões de aves.

Programas de extermínio, apesar de pouco divulgados, existem há décadas e, no ambiente restrito das ilhas, têm sido um sucesso. Ratos foram extintos em 234 ilhas; gatos, em 48; cabritos, em 120; coelhos, em cinquenta; porcos, em cem; e raposas, em 39. O sucesso é bem menor quando o objetivo é exterminar plantas ou insetos. Nos continentes, é tarefa impossível.

Nem tudo são flores. Quando os ecólogos bombardearam a ilha de Anacapa com toneladas de veneno contra ratos, defensores dos direitos dos animais invadiram a ilha e espalharam iscas contendo o antídoto. Na ilha de Santa Cruz, na Califórnia, o alvo são os porcos, introduzidos pelos colonizadores, que eliminam as raposas nativas. Ao longo dos anos, os filhotes de porcos atraíram as águias da Califórnia. Com a gradual redução do número de porcos, as águias passaram a atacar as raposas nativas. O que fazer agora para salvar as raposas? Matar as águias, símbolo dos Estados Unidos? Nos céus de Santa Cruz pequenos aviões voam com faixas "Save the pigs". Na Califórnia qualquer causa encontra defensores.

É a prepotência do bicho‑homem, que descobriu a ética, a ecologia e sofre da culpa de estar alterando os ambientes em que vive. Nossas tentativas de manipular ecossistemas complexos são provavelmente inúteis. Assim como os furacões, o instinto de reprodução e a competição entre espécies são forças poderosas demais para ser controladas. Se desejamos restringir nosso impacto no planeta, o melhor é controlar o número de humanos e suas atividades predatórias. O erro é acreditar que nossa capacidade de destruir ecossistemas nos habilita a controlar a interação entre os seres vivos e o meio ambiente.

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"A Longa Marcha dos Grilos Canibais"
Autor: Fernando Reinach
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 400
Quanto: R$ 45,00
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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