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29/04/2010 - 20h15

Livro investiga o desaparecimento de explorador britânico no Brasil

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A lenda sobre uma cidade amazônica perdida se mantém há séculos. A busca pelo ouro da civilização esquecida em meio às árvores da floresta e a glória prometida ao descobridor dessa cultura levou à loucura, à morte e ao desaparecimento os mais destemidos exploradores.

Divulgação
Livro revela a obsessão de Fawcett em busca do eldorado brasileiro
Livro revela a obsessão de Fawcett em busca do eldorado brasileiro

O inglês Percy Harrison Fawcett (1867-?) foi um deles. Em 1925, embrenhou-se na Amazônia com seu filho de 21 anos e nunca mais foi visto.

Hoje é o mito de Fawcett que nos intriga. A expedição desapareceu para sempre deixando um desconfortante enigma para trás.

Fascinado por civilizações antigas e membro da Sociedade Teosófica, o último dos grandes exploradores acreditava que a região escondia a mais importante descoberta arqueológica da história.

"Z: A Cidade Perdida" (Companhia das Letras, 2009) investiga os acontecimentos e traz novas revelações sobre "Z", como foi nomeada a cidade pelo próprio Fawcett.

David Grann, autor do volume, visitou os lugares por onde o britânico passou e procurou pela capital da civilização. A história chegará em breve aos cinemas. Brad Pitt, 45, comprou os direitos de filmagem do livro e interpretará o coronel Fawcett. Leia, abaixo, um trecho.

*

1. Nós voltaremos

Num dia frio de janeiro de 1925, um cavalheiro alto e elegante andava apressado pelas docas de Hoboken, Nova Jersey, em direção ao SS Vauban, um transatlântico de 511 pés com destino ao Rio de Janeiro. Com 57 anos de idade e mais de um metro e oitenta de altura, tinha os braços longos e entrelaçados de músculos. Embora os cabelos estivessem rareando e o bigode fosse salpicado de branco, sua forma física era tão boa que ele poderia caminhar dias com pouco, ou até nenhum, descanso ou alimento. O nariz era torto como o de um pugilista, e havia algo feroz em sua aparência, especialmente nos olhos. Eram próximos um do outro, e olhavam debaixo de tufos de sobrancelhas espessas. Ninguém, nem mesmo sua família, parecia concordar quanto à cor deles - alguns achavam que eram azuis; outros, castanhos. Mas quase todos que o conheciam se impressionavam com sua intensidade: alguns o chamavam de "os olhos de um visionário". Já tinha sido fotografado muitas vezes usando botas de montar e um chapéu Stetson, com uma espingarda pendurada no ombro, mas mesmo de terno e gravata, e com a barba desgrenhada como de hábito, ele era reconhecido pela multidão no píer. Era o coronel Percy Harrison Fawcett, e seu nome era famoso no mundo inteiro.

Era o último dos grandes exploradores vitorianos a se aventurar em regiões não mapeadas com pouco mais que um machete, uma bússola e um propósito quase divino. Por quase duas décadas, histórias de suas aventuras tinham cativado a imaginação do público: como ele havia sobrevivido nas selvas da América do Sul sem contato com o mundo exterior; como tinha sido atacado por índios de tribos hostis, muitos dos quais jamais haviam visto um homem branco; como tinha lutado contra piranhas, enguias elétricas, jaguares, crocodilos, morcegos-vampiros e jiboias, inclusive uma que quase o esmagou; e como tinha saído trazendo mapas de regiões das quais nenhuma expedição anterior havia regressado. Era conhecido como o "David Livingstone da Amazônia", e acreditava-se que fosse dotado de tão incomparável poder de resistência que alguns colegas chegavam a afirmar que ele era imune à morte. Um explorador americano descreveu-o como "um homem de vontade indômita, destemido, de infinitos recursos"; outro declarou que ele era capaz de "caminhar, escalar e explorar mais depressa que qualquer um". O Geographical Journal de Londres, influente publicação em sua especialidade, afirmou em 1953 que "Fawcett marcava o final de uma era. Quase poderíamos defini-lo como o último dos exploradores individualistas. O tempo dos aeroplanos, do rádio e das expedições modernas com altos financiamentos ainda não havia chegado. Com ele, ainda vale a heroica história de um homem contra a floresta".

Em 1916, a Real Sociedade Geográfica (RSG) agraciou-o, com as bênçãos do rei George v, com uma medalha de ouro "por suas contribuições ao mapeamento da América do Sul". E em intervalos de alguns anos, quando ele voltava da selva, sujo e magro, como uma aranha, dezenas de cientistas e luminares lotavam o salão da Real Sociedade Geográfica para ouvi-lo falar. Entre eles estava sir Arthur Conan Doyle, que dizia ter se inspirado nas experiências de Fawcett para seu livro O mundo perdido, de 1912, no qual exploradores "desaparecem no desconhecido" da América do Sul e encontram, num platô remoto, uma terra onde os dinossauros escaparam da extinção.
Enquanto subia pela prancha de acesso naquele dia de janeiro, Fawcett parecia um dos protagonistas do livro, o lorde John Roxton:

Havia nele alguma coisa de Napoleão III, alguma coisa de Don Quixote, mas havia também a essência do cavalheiro inglês rural [...] A voz era delicada e os modos tranquilos, mas por trás de seus cintilantes olhos azuis percebiam-se uma energia furiosa e uma determinação implacável, ainda mais perigosas por serem mantidas sob controle.

Nenhuma das expedições anteriores de Fawcett se comparava com a que estava prestes a empreender, e ele mal escondia sua impaciência ao entrar na fila com os outros passageiros para subir a bordo do SS Vauban. O navio, anunciado como "o melhor do mundo", era parte da classe de elite "V" da Lamport & Holt. Os alemães tinham afundado diversos transatlânticos da companhia durante a Primeira Guerra Mundial, mas aquele havia sobrevivido, o casco negro manchado de sal, com elegantes tombadilhos brancos e chaminés listradas soltando nuvens de fumaça no céu.

Automóveis Ford modelo T conduziam passageiros até as docas, enquanto estivadores ajudavam a transportar as bagagens ao compartimento do navio. Muitos homens usavam gravata de seda e chapéu-coco; as mulheres vestiam casaco de pele e chapéu emplumado, como se estivessem em um evento social, o que, de certa forma, era verdade - as listas de passageiros dos luxuosos transatlânticos eram comentadas nas colunas de fofocas e consultadas por mulheres jovens em busca de solteiros disponíveis.
Fawcett avançava com sua bagagem. Seus baús estavam carregados de armas, comida enlatada, leite em pó, sinalizadores e machetes feitos à mão. Havia também um kit de instrumentos de levantamento topográfico: um sextante e um cronômetro para determinar a latitude e a longitude, um aneroide para medir a pressão atmosférica e uma bússola de glicerina que cabiam no bolso. Fawcett havia escolhido cada item baseado em anos de experiência; até as roupas nas malas eram feitas de gabardine leve e à prova de rasgos. Já tinha visto homens morrerem por descuidos que pareciam inócuos - uma rede rasgada, uma bota apertada demais.

Fawcett estava partindo para a Amazônia, uma floresta quase do tamanho do continente dos Estados Unidos, a fim de fazer o que ele chamava de "a grande descoberta do século" - uma civilização perdida. Àquela altura, a maior parte do mundo já havia sido explorada, despida de seu véu de mistério, mas a Amazônia permanecia tão misteriosa quanto o lado escuro da Lua. Como observou sir John Scott Keltie, ex-secretário da Real Sociedade Geográfica e um dos mais aclamados geógrafos do mundo na época: "O que existe ali ninguém sabe".

Desde que Francisco de Orellana e seu exército de conquistadores espanhóis desceram o rio Amazonas, em 1542, talvez nenhum outro lugar do planeta tenha estimulado tanto a imaginação - ou atraído tantos homens para a morte. Gaspar de Carvajal, um frade dominicano que acompanhou Orellana, descreveu mulheres guerreiras na selva que remetiam às míticas amazonas gregas. Meio século depois, sir Walter Raleigh descreveu índios com "olhos nos ombros e bocas no meio do peito" - uma lenda que
Shakespeare desenvolveu em Otelo:

Falava de canibais que comem uns aos outros (os antropófagos) e dos homens cujas cabeças crescem debaixo dos ombros.

O que era verdade sobre a região - serpentes longas como árvores, roedores do tamanho de porcos - já era tão inacreditável que nenhum exagero parecia fantasioso demais. E a visão mais arrebatadora de todas era a de Eldorado. Raleigh afirmou que esse reino, cujas informações a respeito os conquistadores ouviram dos índios, era tão rico em ouro que seus habitantes transformavam o metal em pó e o sopravam "através de tubos ocos sobre os corpos nus até que todos brilhassem dos pés à cabeça".

Porém, todas as expedições que tentaram encontrar Eldorado terminaram em desastre. Carvajal, cujo destacamento esteve procurando esse reino, escreveu em seu diário: "Chegamos a [um estado de] privação tão grande que estávamos comendo apenas couro, cintos e solas de sapatos, cozidos com certas ervas, de forma que tão grande era nossa fraqueza que não conseguíamos ficar em pé". Cerca de 4 mil homens morreram naquela expedição, de fome, doenças ou nas mãos de índios que defendiam seu território com flechas embebidas em veneno. Outras expedições a Eldorado apelaram para o canibalismo. Muitos exploradores enlouqueceram. Em 1561, Lope de Aguirre levou seus homens a um estado de fúria assassina, gritando: "Será que Deus pensa que, por estar chovendo, eu não vou... destruir o mundo?". Aguirre chegou a esfaquear a própria filha, murmurando: "Encomenda tua alma a Deus, minha filha, pois estou prestes a te matar". Antes que a Coroa espanhola enviasse forças para detê-lo, Aguirre alertou em uma carta: "Juro ao senhor, meu Rei, sobre a minha palavra como cristão, que, se 100 mil homens viessem, nenhum escaparia. Pois os relatos são falsos: não há nada além de desespero naquele rio". Finalmente os companheiros de Aguirre se rebelaram e o mataram; seu cadáver foi esquartejado, e autoridades espanholas expuseram a cabeça da "Ira de Deus" numa gaiola de metal. Mesmo assim, durante três séculos expedições continuaram aquela busca, até que, depois de um alto preço em mortes e sofrimentos digno de Joseph Conrad, a maioria dos arqueólogos concluiu que Eldorado não era mais que uma ilusão.

Fawcett, contudo, tinha certeza de que a Amazônia abrigava um reino fabuloso, e não se tratava de mais um maluco ou soldado da fortuna. Homem de ciência, tinha passado anos reunindo evidências para provar sua proposta - desenterrando artefatos, estudando petróglifos e entrevistando tribos. E, depois de ferozes batalhas contra os céticos, Fawcett tinha recebido apoio financeiro das mais respeitadas instituições científicas, até da Real Sociedade Geográfica, da Sociedade Geográfica Americana e do Museu do Índio Americano. Os jornais proclamavam que ele em breve chocaria o mundo. O Atlanta Constitution declarou: "Talvez seja a mais arriscada e certamente a mais espetacular aventura do gênero já empreendida por um conceituado cientista com apoio de instituições científicas conservadoras".

Fawcett havia estabelecido que um povo antigo e altamente desenvolvido ainda existia na Amazônia brasileira, e sua civilização era tão antiga e sofisticada que mudaria para sempre a visão ocidental das Américas. Ele batizou esse mundo perdido de Cidade de Z. "O lugar central que eu chamo de 'Z' - nosso objetivo principal - é em um vale [...] com cerca de quinze quilômetros de largura, a cidade situa-se no alto e no meio dele, cujo acesso é uma estrada de pedra", afirmava Fawcett. "As casas são baixas e sem janelas, e existe um templo piramidal."

Os repórteres nas docas de Hoboken, do outro lado do rio Hudson a partir de Manhattan, gritavam perguntas sobre a localização de Z. Na esteira dos horrores tecnológicos da Primeira Guerra Mundial, e em meio à disseminação da urbanização e da industrialização, poucos eventos cativaram tanto o público. Um dos jornais exultou: "Desde que Ponce de León atravessou a desconhecida Flórida em busca das Águas da Juventude Perpétua [...] nenhuma outra aventura tão fascinante foi planejada".

Fawcett recebeu bem "o espalhafato", como o descreveu em carta a um amigo, mas era cuidadoso em suas respostas. Sabia que seu principal rival, Alexander Hamilton Rice, um médico americano multimilionário que dispunha de vastos recursos, já estava entrando na selva com uma série de equipamentos sem precedentes. A perspectiva de Rice encontrar Z deixava Fawcett aterrorizado. Muitos anos antes, Fawcett havia testemunhado o caso de um colega da Real Sociedade Geográfica, Robert Falcon Scott, que partiu para se tornar o primeiro explorador do Polo Sul apenas para descobrir, ao chegar lá e pouco antes de morrer enregelado, que seu rival norueguês, Roald Amundsen, havia passado por ali 33 dias antes. Em carta à Real Sociedade Geográfica, Fawcett escreveu: "Não posso dizer tudo que sei, nem ser preciso quanto à localização, pois essas coisas vazam, e não pode haver nada mais amargo para um pioneiro do que ver a coroação de seu trabalho ser antecipada".

Fawcett temia também que os detalhes de sua rota fossem revelados e que outros tentassem encontrar Z ou resgatá-lo, o que resultaria em inúmeras mortes. Uma expedição com quatrocentos homens armados já havia desaparecido na mesma região. Um boletim informativo telegrafado ao redor do planeta declarava: "A Expedição de Fawcett [...] penetrando terras de onde ninguém retornou". E Fawcett, que estava determinado a chegar às áreas mais inacessíveis, não pretendia, como outros exploradores, viajar de barco; em vez disso, planejava abrir caminho a pé pela selva. A Real Sociedade Geográfica havia advertido que Fawcett "deve ser o único geógrafo vivo que poderia tentar com sucesso" uma expedição dessas e que "seria inútil que qualquer outra pessoa seguisse seus passos". Antes de sair da Inglaterra, Fawcett confidenciou ao filho mais novo, Brian: "Se com toda a minha experiência não conseguirmos sucesso, não haverá muita esperança para os outros".

Quando repórteres se acotovelaram a seu redor, Fawcett explicou que só uma pequena expedição teria alguma chance de sobreviver. Poderia viver dos recursos naturais e não representaria uma ameaça aos índios hostis. Afirmou ainda que a expedição "não será um grupo de exploração mimado, com um exército de carregadores, guias e animais de carga. Esse tipo de expedição pesada não chega a lugar nenhum; permanece na periferia da civilização e ganha publicidade. Não é possível ter carregadores quando a selva inexplorada começa, pois eles têm medo dos selvagens. Animais não podem ser levados por falta de pasto e por causa do ataque de insetos e morcegos. Não existem guias, pois ninguém conhece a região. É uma questão de reduzir o equipamento ao mínimo absoluto, carregar tudo pessoalmente e confiar que vamos continuar existindo e fazendo amizade com as diversas tribos que encontrarmos". E acrescentou: "Vamos ter de sofrer todas as formas de exposição [...] Teremos de chegar a uma resistência mental e do sistema nervoso, além de física, pois homens, sob essas condições em geral, desmoronam quando sua mente sucumbe antes do seu corpo".

Fawcett escolheu apenas duas pessoas para ir com ele: seu filho Jack, de 21 anos, e o melhor amigo de Jack, Raleigh Rimell. Embora os dois nunca tivessem participado de uma expedição, Fawcett acreditava que fossem tipos ideais para a missão: durões, leais e, por serem tão próximos, incapazes de "atormentar e perseguir um ao outro" após meses de isolamento e sofrimentos - ou, como era comum nessas expedições, de se amotinar. Jack era, nas palavras de seu irmão Brian, "um reflexo do pai": alto, ascético e em ótima forma física. Nem ele nem o pai fumavam ou bebiam. Brian observou que "o metro e noventa de Jack era composto de ossos e músculos, e que os três principais agentes da degeneração física - álcool, tabaco e vida fácil - o revoltavam". O coronel Fawcett, que seguia um estrito código vitoriano, definia-o de uma forma um tanto quanto diferente: "Ele é... absolutamente virgem em corpo e mente".

Jack, que desejava acompanhar o pai em uma expedição desde garoto, passara anos se preparando - levantando peso, mantendo uma dieta rígida, estudando português e aprendendo a navegar seguindo as estrelas. Mas ainda tinha passado por poucas privações de verdade, e seu rosto, com a pele luminosa, o bigode encrespado e o cabelo castanho e liso, não mostrava nada da dureza do pai. Com suas roupas estilosas, parecia mais um artista de cinema, pois era o que pretendia se tornar depois de seu triunfal regresso.

Embora fosse menor que Jack, Raleigh tinha quase um metro e oitenta e era bem musculoso. (Um "belo físico", disse Fawcett à RSG.) O pai era cirurgião da Marinha Real e havia morrido de câncer em 1917, quando Raleigh tinha quinze anos. De cabelo escuro, com um pronunciado bico de viúva e um bigode de jogador de pôquer das barcaças do Mississippi, Raleigh tinha um temperamento travesso e brincalhão. "É um palhaço nato", disse Brian Fawcett, a "perfeita contraparte do sisudo Jack". Os dois rapazes eram virtualmente inseparáveis desde que andavam juntos pelos campos ao redor de Seaton, Devonshire, onde cresceram andando de bicicleta e disparando espingardas para o alto. Em carta a um dos confidentes de Fawcett, Jack escreveu: "Agora temos Raleigh Rimell a bordo, que é tão perspicaz quanto eu [...] É o único amigo íntimo que já tive. Eu o conheci quando tinha sete anos e estamos juntos desde essa época. Ele é honesto e decente em todos os sentidos da palavra, e nos conhecemos até o avesso".

Quando os entusiasmados Jack e Raleigh subiram a bordo do navio, encontraram dezenas de camareiros, em uniformes brancos e engomados, apressando-se pelos corredores com telegramas e cestos de frutas desejando boa viagem. Evitando os alojamentos da popa, onde os passageiros pagavam pouco para viajar, um dos camareiros conduziu os exploradores até as cabines de primeira classe, no centro do navio, longe do ruído dos hélices. As condições se assemelhavam bem pouco às existentes quando Fawcett fez sua primeira viagem à América do Sul, duas décadas antes, ou quando Charles Dickens, ao atravessar o Atlântico em 1842, descreveu sua cabine como um "caixote absolutamente impraticável, totalmente irrecuperável e profundamente ridículo". (A sala de jantar, acrescentou Dickens, parecia um "carro funerário com janelas".) Agora tudo era projetado para acomodar uma nova casta de turistas - "meros viajantes", como Fawcett os reduzia, que tinham pouca noção dos "lugares que hoje em dia exigem algum grau de resistência e sacrifícios vitais, sem o físico necessário para enfrentar os perigos". Os alojamentos da primeira classe dispunham de camas e água corrente; escotilhas deixavam entrar a luz do sol e ar fresco e ventiladores giravam no teto. Os folhetos sobre o navio enalteciam a "perfeita ventilação assegurada por equipamentos modernos" do Vauban, que ajudavam a "dissipar a impressão de que uma viagem para e pelos trópicos seria necessariamente desconfortável".

Como muitos outros exploradores vitorianos, Fawcett era um diletante profissional, que, além de ser um autêntico geógrafo e arqueólogo, era também um artista de talento (seus desenhos a tinta foram expostos na Academia Real) e construtor de navios (ele patenteou a "curva piscosa", que aumentava a velocidade de uma embarcação em alguns nós). A despeito de seu interesse pelo mar, ele escreveu à esposa Nina, sua mais leal aliada e que servia como porta-voz durante suas viagens, que achara o SS Vauban e a viagem "bastante cansativos": tudo que ele queria era estar na selva.

Enquanto isso, Jack e Raleigh estavam ansiosos para explorar o luxuoso interior do navio. De um lado havia um salão com teto arqueado e colunas de mármore. Do outro, uma sala de jantar com mesas forradas de branco e garçons, vestidos a rigor, que serviam bandejas de carneiro assado e vinho em cântaros enquanto a orquestra tocava.

O navio tinha até um ginásio onde os jovens podiam se exercitar para a missão.
Jack e Raleigh não eram apenas dois rapazes anônimos: eram, como os jornais os aclamavam, "corajosos", "ingleses empertigados", que lembravam sir Lancelot. Os dois conheceram dignitários que os convidavam para sentar às suas mesas e mulheres que fumavam longos cigarros e os fitavam com o que o coronel Fawcett chamou de "olhares ousados e ostensivos". Ao que consta, Jack era inseguro em relação a mulheres: a impressão é de que elas lhe pareciam tão misteriosas e remotas quanto Z. Mas Raleigh logo começou a flertar com uma garota, com certeza vangloriando-se de suas futuras aventuras.

Fawcett sabia que para Jack e Raleigh a expedição ainda era somente um exercício da imaginação. Em Nova York, os dois jovens tinham participado de várias festividades: as noites no hotel Waldorf-Astoria, onde dignitários e cientistas de toda a cidade haviam se reunido para uma festa de despedida no Salão Dourado; os brindes no Camp Fire Club e no National Arts Club; a parada em Ellis Island (um funcionário da imigração observou que ninguém do grupo era "ateu", "polígamo", "anarquista" ou "deformado"); e as visitas aos palácios cinematográficos que Jack frequentava dia e noite.

Enquanto Fawcett tinha desenvolvido sua perseverança ao longo de anos de explorações, Jack e Raleigh teriam de conseguir isso de uma hora para outra. Mas Fawcett não tinha dúvida deque conseguiriam. Em seu diário ele escreveu que "Jack tem a formação adequada. É jovem o suficiente para se adaptar a qualquer coisa, e alguns meses na trilha vão endurecê-lo. Se puxou a mim, ele não vai contrair as diversas doenças e moléstias [...] e numa emergência acho que a coragem dele vai prevalecer". Fawcett expressava a mesma confiança em Raleigh, que admirava Jack de uma forma quase tão intensa quanto Jack admirava o pai. "Raleigh vai segui-lo por onde for", observou Fawcett.

A tripulação do barco começou a gritar: "Todos os que forem ficar em terra devem descer". O apito do capitão reverberou a bom bordo, e o navio afastou-se das docas rangendo e ofegando. Fawcett pôde ver a silhueta de Manhattan, com a Metropolitan Life Insurance Tower, outrora o edifício mais alto do planeta, e o Woolworth Building, que o tinha superado - a metrópole cintilando em luzes, como se reunisse todas as estrelas do céu. Com Jack e Raleigh a seu lado, Fawcett gritou para os repórteres no píer:

"Nós voltaremos, e vamos trazer o que procuramos!".

*

"Z: A Cidade Perdida"
Autor: David Grann
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 408
Quanto: R$ 34,99
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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