Livraria da Folha

 
11/05/2010 - 18h27

Seguimos a manada, infantilizados e superficiais, diz Lya Luft; leia entrevista exclusiva

PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha

Arquivo pessoal
Lya Luft disse que traduzir "O Compromisso", de Herta Müller, lhe chamou pouco a atenção
Lya Luft disse que traduzir "O Compromisso", de Herta Müller, lhe chamou pouco a atenção

Cansada de partilhar suas inquietações em forma ficcional, Lya Luft, 72, decidiu que escreveria em um novo formato no próximo livro que compusesse. Para realizar a mudança, a escritora utilizou-se de ensaios em "Múltipla Escolha", lançado recentemente pela editora Record.

Em entrevista à Livraria da Folha, a escritora --com 30 anos de currículo literário-- cativa seu público ao debater a velhice e a juventude, os tabus da sexualidade, o bullying, entre outras questões.

Questionada sobre a experiência de ter traduzido o livro "O Compromisso", da Nobel de Literatura Herta Müller, Luft revelou que o livro pouco lhe interessou. "Traduzi sem nenhuma atenção maior do que o cuidado habitual que sempre tive no meu trabalho de tradutora. Nem gostei especialmente, jamais imaginei que ela receberia o Nobel. Nada me pareceu especial", justificou.

Na conversa, Luft defendeu que o ser humano vive a obsessão da eterna juventude e encara a passagem do tempo como deterioração e não como crescimento. A autora disse que para elogiarmos alguém de 80 anos, dizemos que tem "a alma jovem". "Para que alma jovem, que é inexperiente, menos profunda, menos interessante, com muito menos bagagem? Que engano é esse tão comum, que mito, que modelo tolo?."

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

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Livraria da Folha: Por que decidiu escrever "Múltipla Escolha" no formato ensaios?
Lya Luft: Eu me considero no fundo uma romancista, mas desde "O Rio do Meio", de 1966, gosto de escrever, eventualmente, nesse jeito direto, embora sempre com alguns trechinhos de ficção e poemas, como nos ensaios não acadêmicos muito usados ainda na Europa, por exemplo. Não há razão muito especial, a não ser que assim me ocorreu, assim o livro apareceu. Afinal por muito tempo, desde o primeiro romance, "As Parceiras", em 1980, eu dizia as mesmas coisas, expunha as mesmas dúvidas, partilhava com o leitor as mesmas inquietações, em forma ficcional. Às vezes mudo, embora continue a escrever ficção, como no ano passado com "O Silêncio dos Amantes".

Livraria da Folha: O medo e o preconceito, em suas mais variadas formas, percorrem o livro. Qual tema você gostaria de ter tratado e não entrou na edição final?
Luft: Escolhi alguns, simplesmente porque os estava elaborando mais, estavam mais próximos, eu já os tinha debatido em alguma coluna de revista ou refletido mais sobre ou comentado em alguma palestra.

Livraria da Folha: Em certa passagem, você cita que algumas mulheres parecem sem idade e que todos estão ensimesmados e imobilizados. Você não reconhece mais o registro do tempo em quê?
Luft: Num tempo em que podemos viver com mais qualidade de vida, contraditórios como somos, vivemos a obsessão da eterna juventude. Encaramos a passagem do tempo como deterioração, não como crescimento e expansão. Pois temos diante de nós o físico, não o mental, emocional, espiritual e cultural. Nessa visão pobre, queremos estacionar no tempo, sem ver que isso é estagnar internamente. Preferimos a expansão à mutilação. Para elogiar alguém de 80 anos, dizemos quase sempre que tem "a alma jovem". Para que alma jovem, que é inexperiente, menos profunda, menos interessante, com muito menos bagagem? Que engano é esse tão comum, que mito, que modelo tolo?

Livraria da Folha: O ser humano não utiliza mais a múltipla escolha no dia a dia por conforto ou por medo da realidade?
Luft: Preferimos não ter de escolher. Para escolher, teríamos de discernir. Para discernir, teríamos de pensar. Parar para pensar parece complicado demais, e triste, quando na verdade deveria ser interessante. Então seguimos a manada, infantilizados e superficiais. Talvez sem maiores angústias, mas certamente sem maiores prazeres, conquistas, êxtases e alegrias.

Livraria da Folha: Como foi a experiência de traduzir "O Compromisso", de Herta Müller? Por quais dificuldades passou durante a adaptação da obra para a língua portuguesa?
Luft: O livro chamou tão pouco minha atenção, que o traduzi sem nenhuma atenção maior do que o cuidado habitual que sempre tive no meu trabalho de tradutora. Nem gostei especialmente, jamais imaginei que ela receberia o Nobel. Nada me pareceu especial. Nem sempre um prêmio Nobel é um escritor particularmente interessante, instigante.

 
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