Livraria da Folha

 
19/05/2010 - 13h31

"Desconstruir é pior que matar", diz autora de "A Invenção do Crime"

GUILHERME SOLARI
colaboração para a Livraria da Folha

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Divulgação
Mosaico de vidas que são apagadas em uma narrativa veloz
Mosaico de vidas que são apagadas em uma narrativa veloz

Classificado como "vertiginoso" pelo médico, escritor e colunista da Folha Moacyr Scliar, "A Invenção do Crime" é um romance policial com um toque de absurdo que discute o que é exatamente um assassinato. Ou melhor, como uma vida pode ser apagada sem que a pessoa morra de fato e que lembra que tanto na vida quanto na literatura existem fins mais assustadores do que a morte.

Encontramos, assim, um mosaico de vidas que vão se apagando sem explicação. Um traficante de armas na Líbia não consegue mais operar seus esquemas, um matador no Rio de Janeiro não acha mais nenhuma forma de entrar em sua casa nem com o auxílio de um chaveiro, um promotor da Romênia se vê impedido de investigar. Tudo obra de um misterioso homem chamado Herói, especialista em extinguir vidas por completo sem deixar nenhum vestígio.

Esse viés absurdo torna este romance de estreia da jornalista mineira Leida Reis um livro policial híbrido e diferente, no qual o leitor não precisa apenas desvendar o autor do crime, mas também ponderar sobre como existem diferentes formas de matar as histórias.

Leia abaixo a entrevista que a autora concedeu à Livraria da Folha.

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Livraria da Folha - O que lhe atrai nas histórias policiais?

Leida Reis - Nas histórias policiais estão os limites do homem. Quando falo histórias, estou me remetendo também ao que acontece na realidade: o crime é a prova de que se chegou ao limite de algo, e não só para quem o praticou, mas também para a vítima. Por isso o fascínio por este tipo de narrativa, que também envolve o suspense. Para prender o leitor, construo o mote policial e por ele vou conduzindo minha história. O criminoso mora ao lado, cabe ao escritor olhar para ele, ouvi-lo e mostrá-lo.

Livraria da Folha - Diversos autores de romances policiais são mencionados em determinado momento da obra. Quais são os seus autores ou livros favoritos do gênero?

Reis - Amo Rubem Fonseca. Fico esperando seu próprio livro chegar às livrarias e o devoro. Li agora um livro considerado o primeiro romance policial da história, "A Pedra da Lua", do inglês Wilkie Collins, de 1868. É um livro simples, mas tem o mistério e o desfecho de uma boa obra do gênero. Mas também leio J.M. Cotzee, Gonçalo Tavares, Carlos Heitor Cony com a mesma paixão. Gosto de conhecer escritores, ler os novos, ao mesmo tempo em que vou aos clássicos como Tolstói, Clarice Lispector, William Falkner e Machado de Assis, lendo nos intervalos (e seguindo no Twitter) meu guru Carlos Drummond de Andrade. Enfim, amo os policiais, mas sou apaixonada pela literatura.

Frederico Haikal/Hoje em Dia
A autora e seu romance que mostra que há fins piores do que a morte
A autora e seu romance que mostra que há fins piores do que a morte

Livraria - O seu livro se passa em lugares díspares como Romênia, Angola, Líbia e Brasil. Como foi a pesquisa para recriar realidades tão distintas?

Reis - De fato não fui a nenhum destes lugares descritos no romance, exceto na Colômbia. Poderia ter escrito um episódio na China, por exemplo, onde estive. Mas preferi lugares aos quais me transportaria mais pela imaginação e, no entanto, fiz pesquisas para dar veracidade à trama. Sobre a Romênia eu havia lido e escrito anteriormente, e aproveitei a pesquisa feita há alguns anos. Sobre a Angola, não foi preciso pela simplicidade do texto e pelas leituras de escritores angolanos e documentários sobre a África. Mais difícil foi falar da Líbia, que é um país fechado, sobre o qual pouco se sabe por aqui, a não ser pelas notícias de política internacional. Tive dificuldade até para encontrar mapas das cidades, mas acabei conseguindo na internet.

Livraria da Folha - Que dificuldades você encontrou em tecer diversas histórias em uma mesma narrativa?

Reis - Não foi difícil. As histórias aparecem, e tenho é que controlá-las para que deixem que o mote principal assuma seu espaço. Se continuasse escrevendo "A Invenção do Crime" revelaria outras tantas vítimas de Herói. Aliás, um leitor de São Paulo me escreveu dizendo que leu reportagem com pessoas que desaparecem misteriosamente e pensou se elas não seriam vítimas do Herói! Mas criei primeiro este personagem, depois voltei às suas ações, coloquei-as e por fim apareceu o escritor. Nem tinha ideia de que ele viria, mas apareceu para dar um chão (e talvez dar cabo) ao Herói. No final, para a maioria dos meus leitores, o escritor virou o personagem principal. Aliás, o que o leitor não faz com o livro da gente!

Livraria da Folha - "A Invenção do Crime" tem uma curiosa mescla da literatura policial com uma metalinguagem literária que flerta com a fantasia. Como foi criar um romance policial com essa estrutura não-convencional?

Reis - É interessante você perguntar pelo lado fantasioso, que ninguém tinha ainda abordado nas entrevistas que dei. É uma grande fantasia, na verdade, este Herói agir como age. O livro tenta, de certa forma, como acho que o romance deve fazer, envolver o leitor numa trama que ele imagina possível. Por isso invento um personagem, e outro a segui-lo pelo mundo sem dificuldades, pela liberdade que proporciono aos dois. Como autora, posso tudo, não é? Então dou a eles também este poder. É tênue a linha entre a realidade dos dois e a absoluta fantasia. Cada leitor fica preso mais a um ou a outro aspecto. Como leitora, eu me prenderia ao livro mais ao aspecto real, para mim tudo aquilo ali está acontecendo de fato. Outros leitores acham que é da cabeça do escritor semiesquizofrênico. Este é o meu estilo. Amo o estilo seco de Rubem Fonseca, mas a minha escrita busca algo além disso, há outros elementos em mim que não me deixariam escrever sem um pouco de filosofia, psicologia e até matemática, a precisão matemática da narrativa.

Livraria da Folha - A obra apresenta uma visão interessante sobre o que exatamente é um crime. Desconstruir uma pessoa é o mesmo que matá-la?

Reis - Desconstruir pode ser pior do que do matar. Você deixa a pessoa vivendo as sensações de não ser reconhecido por ninguém, tranca-a num sanatório sem escrúpulos ou numa cadeia no fim do mundo e tira dela todas as esperanças. Melhor seria morrer. Por outro lado, há a visão religiosa: não matarás. Mas, sim, desconstruir é pior.

Livraria da Folha - O quanto o tal escritor semiesquizofrênico é o alter ego da autora?

Reis - O que é o escritor senão alguém sempre em busca do seu personagem? É aquele que mesmo mergulhado na rotina de uma profissão estranha ao ofício de escrever está olhando para os lados e vendo o que pode aproveitar na sua literatura. Como o escritor de "A Invenção do Crime" sou solitária (ainda que em meio aos filhos, marido, amigos) e a melhor companhia está na escrita. Além disso, a loucura me atrai na medida em que está nela a possibilidade da liberdade. A semiesquizofrenia - que não existe, claro -, seria a forma de viver esta liberdade num nível satisfatório, ao mesmo tempo sendo produtivo. Além disso, acho que em todo personagem, mesmo díspare do meu modo de ser, estou colocando um pouco de mim.

Livraria da Folha - A sua experiência como jornalista a auxiliou na criação da obra? Como foi essa influência?

Reis - Sim e não. Minha paixão pela literatura é anterior ao jornalismo, vem da adolescência. É também uma espécie de vingança, pois nela posso abandonar totalmente a obrigação de buscar a imparcialidade. Mas as histórias que vivencio sendo editora de um caderno que publica as notícias de polícia me atraem ainda mais ao mundo policial, ao qual me ligo na literatura que produzo. Pretendo, nos livros futuros, trabalhar sempre com o viés policial, ainda que nem sempre este seja o ponto essencial.

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" A Invenção do Crime"
Autor: Leida Reis
Editora: Editora Record
Páginas: 160
Quanto: R$ 32,90
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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