Saiba mais sobre o Santo Daime, a religião que nasceu na floresta
RICARDO FELTRIN
Editor de Cotidiano da Folha Online
O doutrina do Santo Daime começou na floresta amazônica no início do século 20. O pioneiro foi Raimundo Irineu Serra, descendente de escravos, que trabalhou como demarcador de terras brasileiras na região.
Serra, que ficaria conhecido como o Mestre Irineu, recebeu a revelação da doutrina, que é eminentemente cristã. Irineu afirmava ter recebido a "iluminação" numa aparição de Nossa Senhora da Conceição em plena floresta. A aparição foi na região de Basiléia, no Acre.
Ninguém sabe ao certo quem foi o primeiro povo a preparar e a beber o daime de forma ritualística. Há registro de seu uso por tribos indígenas da Venezuela, bem como de povos antigos do México pré-colombiano, como os toltecas.
Diferentemente desses povos, o daime "casou" com o cristianismo no Brasil. Toda a doutrina e a maioria absoluta de seus hinos faz referências a ícones cristãos, como Jesus, Nossa Senhora e José. Sempre antes e depois do ritual é rezado Pai-Nosso, Ave Maria e Salve Rainha, entre outras orações.
Como é feito o daime
O daime é feito a partir da mistura de duas plantas, o cipó conhecido como jagube (banesteriopsis caapi) e a folha de chacrona (psicotrya viridis), também conhecida como rainha.
O preparo da bebida também obedece uma ordem ritualística: só os homens podem manipular o cipó, e só as mulheres tocam as folhas; são cantados hinos durante todo o feitio (preparo).
O preparo de uma "carga" de daime, que depois será consumida por fiéis de várias igrejas do país, pode durar semanas ou até mesmo mais de um mês. E não pára porque há turnos de fiéis.
Apesar de ter seu cultivo, preparo e uso garantidos pela Constituição Federal, o daime ainda é considerado uma droga psicoativa (ou alucinógena).
Contato com o espírito
Os adeptos da doutrina, no entanto, afirmam que a bebida tem propriedades enteógenas (que expandem a consciência). Uma das teses é que o daime possibilitaria ao ser humano ter contato direto com o Espírito Santo.
A idéia é que a maioria das pessoas está "entupida" demais com as preocupações cotidianas e materiais para ter uma experiência direta com o espírito.
O daime abriria essa porta, mas muitas vezes, um preço deve ser pago. É comum que pessoas, mesmo as mais experientes, vomitem ou tenham fortes diarréias durante os rituais que podem se estender por até 14 ou 15 horas. Também é comum adeptos terem crises de choro ou mesmo de riso.
Essas reações seriam apenas decorrências da "limpeza" que deve ser feita antes de o fiel entrar em contato com outras dimensões.
A diferença entre o daime e outras religiões é que, nele, o mestre é algo relativizado: o mestre, propriamente dito, é a bebida, e é em torno dela que a "evolução" do discípulo acontece.
A experiência de alguém com o daime pode até ser descrita em palavras, mas é difícil transportar para a escrita as sensações e visões que ele proporciona.
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