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Para as feiticeiras toltecas,
útero "escraviza" mulher


RICARDO FELTRIN
Editor de Cotidiano da Folha Online

Um dos mais intrigantes livros que fala sobre a mulher e seu corpo foi publicado em 1993 pela editora Record, no selo Nova Era. Fora de catálogo desde 98, a obra só é encontrada hoje em pouquíssimos sebos.

"Sonhos Lúcidos" foi escrito pela alemã naturalizada norte-americana Florinda Donner-Grau, antropóloga e seguidora de Carlos Castaneda (autor do cult "A Erva do Diabo").

Como ele, Florinda também foi "engolida" pelo grupo que estudava: os feiticeiros e feiticeiras toltecas. Em vez de apenas estudar a cultura desse grupo, para fins de mestrado, ambos acabaram se tornando parte dele.

Segundo o livro, os toltecas viveram numa região que vai do México setentrional até o norte da América do Sul cerca de 7.000 anos atrás. O auge dessa civilização teria ocorrido há cerca de 4.500 anos.

Quando os espanhóis chegaram, feiticeiros e feiticeiras foram massacrados em nome de Cristo, como conta a história. A maioria dos registros desse grupo tolteca foi exterminado.

Florinda, bem como Castaneda, que teria morrido em 98 (apesar de seu corpo ou seus restos nunca terem sido encontrados, além de seu atestado de óbito ter sido falsificado), foram iniciados neste conhecimento, por uma linhagem de sobreviventes. E também se tornaram feiticeiros.

O útero

A base do conhecimento das feiticeiras era que a mulher foi "escravizada" e "submetida cultural e emocionalmente" aos homens, desde os tempos imemoriais, por causa de seu desconhecimento de "funções mágicas" do útero.

Segundo elas, esse órgão é muito mais misterioso do que qualquer mulher contemporânea possa imaginar. Gerar filhos seria apenas uma dessas funções _e, afirmavam, bastante destrutiva para o que chamavam de "totalidade do corpo energético" feminino.

Traduzindo: as feiticeiras não deveriam nunca ter filhos. Mais: não deveriam nem sequer manter relações sexuais, uma vez que, com elas, seus úteros seriam "contaminados" pela energia masculina _altamente prejudicial para o seu propósito.

E que propósito seria esse?

Encantamentos, mágicas, o dom de se transformar em animais, a capacidade de voar (fisicamente) ou de permanecer consciente durante os sonhos, bem como ampliar o leque de percepções visuais e físicas (algo obtido hoje somente com o uso de drogas) eram algumas das "mágicas" que essas mulheres pré-colombianas tinham, segundo Florinda.

Uma das mestras da escritora chega a ironizar, no livro, a condição das mulheres hoje diante das pressões culturais para que casem e tenham filhos.

"Todos os males da mulher foram reduzidos ao que ela faz com seu útero", dizia essa mestra (também chamada Florinda, e de quem a autora herdou seu "nome tolteca").

Essa mestra-feiticeira citava um sem-número de informações que, hoje, alguns ginecologistas costumam dizer às suas pacientes nos consultórios, para tranquilizá-las em seus problemas femininos tradicionais:

"Cólicas vão desaparecer quando você tiver filhos; seu ciclo menstrual vai se regularizar; você vai dormir melhor; ficará mais equilibrada; sua pele ficará mais bonita."

"Fazer sexo e ter filhos se tornou uma espécie de panacéia universal para todos os problemas da mulher", dizia a professora-feiticeira.

Nada mais errado, segundo ela. Para as feiticeiras, ao reduzir seus problemas ao universo sexual, a mulher (com M maiúsculo) acabou sendo encurralada e reduzida _energeticamente_ na Terra.

Como eram videntes, com capacidades visuais supostamente superiores, essas feiticeiras presenciaram relações heterossexuais somente para observar o que acontecia no "corpo energético" da mulher.

Florinda relata que as feiticeiras viram que, no momento do sexo, os homens depositam na parede do útero da mulher uma pequena "bolinha de luz", que nunca mais sairia de lá.

Essa "bolinha" funcionaria, grosso modo, como uma espécie de parasita se alimentando da energia mais poderosa da natureza: a uterina, único local fora do cérebro onde é possível criar, numa interpretação mais profunda dessa palavra.

Para essa energia masculina (a bolinha) deixar o corpo feminino, diziam as feiticeiras, seria necessário cerca de sete anos de abstinência sexual. No entanto, mesmo as mulheres mais decididas tenderiam a perder essa "batalha".

"Quando o sétimo ano vai chegando, as mulheres geralmente estão subindo pelas paredes", ironizava a mestra Florinda.

Resumindo sua visão: por verem o útero como um órgão meramente reprodutivo, sem qualquer outra função, e por não se absterem de sexo, as mulheres teriam sido condenadas à submissão cultural e física até o final dos tempos.

Soa uma afirmação machista e derrotista, mas lembrem-se que estamos falando de uma civilização remota, com mais de 7.000 anos, na qual não havia acesso igualitário às informações entre homens e mulheres.

De qualquer forma, trata-se de uma visão parcial e sui generis de comportamento e história pré-colombiana, que só pode ser detalhada com a leitura completa da obra.

Procurada pela reportagem, a editora Record, no Rio, informou à Folha Online que a empresa não tem mais interesse comercial em relançar o livro "Sonhos Lúcidos".

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