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16/09/2001 - 03h27

Bolsa terá década perdida, diz Shiller

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ESTELA CAPARELLI
RICARDO GRINBAUM

da Folha de S.Paulo

No início do estouro das Bolsas norte-americanas, em abril do ano passado, o professor de Yale Robert Shiller mandava para as livrarias dos EUA "Exuberância Irracional", uma coletânea dos estudos em que mostrava como as grandes altas das ações eram episódios de mania financeira, impulsionada por investidores que se comportavam como manadas irracionais. A julgar pelos prognósticos que o professor adiantou para a Folha a respeito dos efeitos da "guerra na América" sobre a economia, Wall Street pode reabrir amanhã com um perigoso estouro de boiada, com bandos de investidores ávidos por vender suas ações para escapar da recessão que, segundo ele, virá.

Shiller viu parte do centro financeiro de Nova York ruir de fato na terça-feira. Estava na rua no momento dos ataques, teve terríveis náuseas com as cenas que presenciou e diz ter receio que outros atentados ocorram.

"Encontrei pessoas que escaparam do prédio, que viram outras pessoas se jogarem. Isso me fez sentir enjoado. O WTC era um símbolo de nosso país. Nunca imaginei que o prédio pudesse ser destruído."

Para Shiller o desastre humano e econômico é só o começo de um pesadelo. O professor prevê que a partir de agora a Bolsa terá, durante 10 anos, um comportamento sofrível. Pior: serão três anos com altas taxas de desemprego em todo o mundo. Shiller, no entanto, não se considera um pessimista. "Teremos uma recessão. Mas já tivemos muitas recessões.
Algumas foram recessões globais. Elas terminaram e voltamos ao curso normal", diz.

Shiller procurava mostrar em seu livro que o preço das ações pode subir em razão de um círculo vicioso: a alta da ação incentiva as pessoas a comprarem o papel.

Mídia, propaganda, analistas e a irracionalidade intrínseca do mercado ajudam a fazer com que esse círculo leve o preço do papel às alturas, sem sustentação técnica ou econômica. No pico, qualquer evento -ou nenhum- pode desencadear uma "fúria vendedora", que culmina em dolorosos "crashes". Mas a reestréia de Wall Street, amanhã, pode ser o exato oposto de um pânico de Shiller: uma depressão racional, movida pelo medo de recessão em um mercado já em longa e aguda baixa. Por telefone, Shiller deu a seguinte entrevista à Folha:

Folha - Quais as consequências econômicas dos ataques?
Robert Shiller -
Os ataques podem afetar a confiança dos consumidores, particularmente nos Estados Unidos, e piorar o quadro de recessão. Acredito que este é um evento semelhante ao da Guerra do Golfo, que levou a uma recessão. Na história, normalmente as recessões não têm sido criadas por crises como essa. Mas acredito que vamos passar por algo semelhante ao que aconteceu após a Guerra do Golfo. Naquela época, o ataque fez as pessoas pararem de gastar dinheiro. Lembro que a guerra havia terminado em janeiro de 1991, com a vitória dos Estados Unidos em termos de tirar o Iraque do Kuait.

Se houver uma vitória dos Estados Unidos no caso dos atentados da última semana, a confiança do consumidor poderá ser retomada. Mas receio que não seja tão fácil alcançar uma vitória sobre os terroristas.

Folha - Por quê?
Shiller -
Porque não sabemos nem mesmo quem eles são. O problema é que, mesmo que eles peguem os responsáveis, outros podem tentar cometer o mesmo ato de novo. E talvez o alvo não seja apenas os Estados Unidos.

Folha - Então o sr. acredita que o problema pode não ser resolvido com a punição dos terroristas responsáveis pelos atentados?
Shiller -
Não necessariamente. Mas quando um crime é cometido, muitas vezes há imitadores. Essa apenas é uma preocupação. É certo que, depois do atentado de Oklahoma, não houve outros durante muitos anos. Então, talvez este seja um evento isolado. Talvez tenhamos um final feliz, com a quebra desse círculo em torno dos terroristas e com a volta da confiança dos consumidores.

Folha - Como vai ficar a economia mundial nos próximos meses?
Shiller -
Há várias possibilidades. Uma delas é o aumento dos preços do petróleo porque pode haver uma crise do Oriente Médio. A elevação dos preços pode provocar uma retração nas economias. Além disso, uma retração maior na economia norte-americana pode levar com ela outras economias.

Mas não estou tão pessimista. Teremos uma recessão. Mas já tivemos muitas recessões. Algumas foram recessões globais. Elas terminaram e voltamos ao curso normal.

Folha - Por quanto tempo essa recessão vai durar?
Shiller -
No período pós-guerra, elas nunca duraram mais que um ano em termos da chamada "recessão", que é o período em que as coisas ficam piores. Mas elas tendem a durar dois ou três anos em termos do nível de desemprego. Então, acredito que ela termine depois de alguns anos de altas taxas de desemprego aqui (EUA) e no mundo.

Folha - Qual é a participação da exuberância irracional no quadro de recessão?
Shiller -
As pessoas no mundo inteiro adquiriram muitas ações de tecnologia. Essas ações no final dos anos 90 subiram. O ano de 99 foi um grande ano para a maior parte dos mercados no mundo todo. Depois, a maior parte dos mercados caiu, especialmente as ações de tecnologia. Nós temos uma cultura global, mais do que tínhamos no passado. Em todo o mundo, as pessoas tinham um otimismo exagerado. Então, o ataque ao World Trade Center só jogou gasolina no fogo.

Folha - Os ataques podem ter piorado um quadro econômico já complicado?
Shiller -
Não acredito que as coisas sejam tão ruins. Haverá alguns poucos trimestres de queda da atividade econômica nos Estados Unidos. Provavelmente o mundo vai continuar a crescer, mas devagar. Talvez tenhamos alguns anos de incertezas em relação ao ambiente de negócios.
Esta não será a época em que as pessoas do mundo dos negócios farão planos para grandes investimentos porque estamos juntando os pedaços. Antes mesmo dos atentados ao World Trade Center, as empresas estavam com investimentos acima do desejado. Mas depois isso vai mudar, haverá crescimento e esses problemas serão esquecidos.

Folha - Quanto tempo esse período vai durar?
Shiller -
Teremos altas taxas de desemprego durante cerca de dois anos. Mas, em relação ao mercado de ações, acho que teremos uma queda nos próximos dez anos a partir de agora. Não de queda contínua, mas de performance medíocre, desapontadora. O mercado estava muito valorizado. O mercado de ações subiu de 1982 até março de 2000.

Folha - A exuberância irracional acabou?
Shiller -
Não completamente. A exuberância não parece tão exuberante agora (risos). Acredito que esteja diminuindo. As pessoas agora preferem estar seguras em vez de gastar por aí.

Folha - Quais serão as consequências para os países emergentes como o Brasil?
Shiller -
O Brasil é afetado por mercados ao redor do mundo. Se houver uma queda nas Bolsas de Valores nos Estados Unidos, não será uma grande notícia para o Brasil. E a recessão também vai afetar o país.

Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
 

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