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24/11/2001
-
06h07
IGOR GIELOW
enviado especial a Cabul
Apartamento 36, bloco 130, bairro Makrorian 3. Nos últimos cinco anos, o pequeno imóvel de três quartos foi uma trincheira na linha de frente das diferenças entre o regime do Taleban e seus cidadãos. Lá funciona uma escola para meninas, que permanece clandestina sob o regime da Aliança do Norte, apesar das promessas de reabertura dos colégios públicos para ambos os sexos.
Na linha de frente, a professora primária Zohra Saltani, que, aos 28 anos, é uma exceção na sociedade de Cabul por ser solteira e sem filhos ou vontade de tê-los. "Gosto de dar aulas. Quando o Taleban fechou as escolas para professoras e para as meninas, em 1996, vi que deveria fazer algo."
Por fazer algo entenda-se abrigar até 70 meninas em aulas secretas, cinco dias por semana, numa jornada que se estendia das 8h às 16h, com uma hora de almoço.
Esconder tal movimento infantil obrigou Saltani a procurar ajuda de seu amigo Mohammed Zaheb, 23. Estava incorrendo agora em dois crimes: educar meninas e falar com um homem que não era de sua família. "Zaheb conhecia o dono do bloco, e isso ajudou a melhorar as coisas. Uma vez, o mulá do bairro citou minha escola na pregação de sexta. Tivemos de juntar 20 mil afeganis (cerca de US$ 4) para ele esquecer o assunto", conta Zohra, insinuando que a retidão do Taleban não era assim tão pura.
Dono do bloco é o jeito como os moradores de Cabul chamam um misto de zelador e síndico dos prédios de apartamentos de estilo soviético. Daquela época, a década de 1980, conservam a mania de se meter em todos os assuntos dos vizinhos e cobrar "taxas" para quase tudo, inclusive esconder escolas femininas.
De todo modo, as crianças vinham em quatro grupos, separados por horários. Lá aprendiam as línguas locais, dari e pasthu, matemática, ciências e, pecado dos pecados, música. "O que mais gosto é de ler", disse a menina Atiah, que, com 5 anos e aparência de menos, chama a atenção no grupo de 18 crianças que recebeu a Folha.
Zohra lhe dá um livro em dari, e ela lê duas páginas sem gaguejar. Mesmo quem não entende nada de educação infantil fica impressionado com a fluência da menina, que usa um cabelo curto e tem olhos curiosos para os equipamentos estranhos e caras novas que vê.
No auge da repressão do Taleban, a partir de 1998, as crianças tiveram de parar de andar com livros na rua. Zohra e Zaheb esconderam tudo em suas casas. "Tinha dia que eu precisava manter as meninas aqui dentro depois da aula, porque a Marouf (polícia religiosa) estava fazendo rondas no bairro", diz a professora.
A mãe de uma das meninas, Zakilah Mujahid, 33, conta que havia outro problema. "Nem todos tinham como pagar. Então eles faziam descontos, mas eu tive de tirar minha filha da escola por um tempo no ano passado", afirmou.
O custo mensal por aluna é de 50 mil afeganis (aproximadamente US$ 10),
cerca de um décimo do que uma família de seis pessoas em Cabul ganha a cada mês.
"O pior é que agora tem mais gente vindo aqui depois que o Taleban caiu e o novo governo não abriu ainda as escolas", diz Zohra, sem saber onde vai pôr mais crianças. Ajuda o fato de que estão para começar as férias de inverno na metade norte do Afeganistão, onde fica Cabul e a estação é realmente gelada. Na metade sul, as férias de quatro meses são no escaldante verão.
Ainda assim, depois dos ataques aos EUA em 11 de setembro o número de alunas caiu de 70 para 45. "Gostaria muito de voltar a dar aulas em uma escola pública, como fiz por dois anos antes do Taleban", afirma Zohra.
Segundo o chanceler Abdullah Abdullah, a Aliança do Norte vai reabrir as escolas para meninas assim que a situação política se estabilizar. É exatamente essa a preocupação de Zohra -que, pelo sim, pelo não, ainda não abandonou sua burga ao sair de casa.
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Escola para meninas ainda é clandestina em Cabul
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enviado especial a Cabul
Apartamento 36, bloco 130, bairro Makrorian 3. Nos últimos cinco anos, o pequeno imóvel de três quartos foi uma trincheira na linha de frente das diferenças entre o regime do Taleban e seus cidadãos. Lá funciona uma escola para meninas, que permanece clandestina sob o regime da Aliança do Norte, apesar das promessas de reabertura dos colégios públicos para ambos os sexos.
Na linha de frente, a professora primária Zohra Saltani, que, aos 28 anos, é uma exceção na sociedade de Cabul por ser solteira e sem filhos ou vontade de tê-los. "Gosto de dar aulas. Quando o Taleban fechou as escolas para professoras e para as meninas, em 1996, vi que deveria fazer algo."
Por fazer algo entenda-se abrigar até 70 meninas em aulas secretas, cinco dias por semana, numa jornada que se estendia das 8h às 16h, com uma hora de almoço.
Esconder tal movimento infantil obrigou Saltani a procurar ajuda de seu amigo Mohammed Zaheb, 23. Estava incorrendo agora em dois crimes: educar meninas e falar com um homem que não era de sua família. "Zaheb conhecia o dono do bloco, e isso ajudou a melhorar as coisas. Uma vez, o mulá do bairro citou minha escola na pregação de sexta. Tivemos de juntar 20 mil afeganis (cerca de US$ 4) para ele esquecer o assunto", conta Zohra, insinuando que a retidão do Taleban não era assim tão pura.
Dono do bloco é o jeito como os moradores de Cabul chamam um misto de zelador e síndico dos prédios de apartamentos de estilo soviético. Daquela época, a década de 1980, conservam a mania de se meter em todos os assuntos dos vizinhos e cobrar "taxas" para quase tudo, inclusive esconder escolas femininas.
De todo modo, as crianças vinham em quatro grupos, separados por horários. Lá aprendiam as línguas locais, dari e pasthu, matemática, ciências e, pecado dos pecados, música. "O que mais gosto é de ler", disse a menina Atiah, que, com 5 anos e aparência de menos, chama a atenção no grupo de 18 crianças que recebeu a Folha.
Zohra lhe dá um livro em dari, e ela lê duas páginas sem gaguejar. Mesmo quem não entende nada de educação infantil fica impressionado com a fluência da menina, que usa um cabelo curto e tem olhos curiosos para os equipamentos estranhos e caras novas que vê.
No auge da repressão do Taleban, a partir de 1998, as crianças tiveram de parar de andar com livros na rua. Zohra e Zaheb esconderam tudo em suas casas. "Tinha dia que eu precisava manter as meninas aqui dentro depois da aula, porque a Marouf (polícia religiosa) estava fazendo rondas no bairro", diz a professora.
A mãe de uma das meninas, Zakilah Mujahid, 33, conta que havia outro problema. "Nem todos tinham como pagar. Então eles faziam descontos, mas eu tive de tirar minha filha da escola por um tempo no ano passado", afirmou.
O custo mensal por aluna é de 50 mil afeganis (aproximadamente US$ 10),
cerca de um décimo do que uma família de seis pessoas em Cabul ganha a cada mês.
"O pior é que agora tem mais gente vindo aqui depois que o Taleban caiu e o novo governo não abriu ainda as escolas", diz Zohra, sem saber onde vai pôr mais crianças. Ajuda o fato de que estão para começar as férias de inverno na metade norte do Afeganistão, onde fica Cabul e a estação é realmente gelada. Na metade sul, as férias de quatro meses são no escaldante verão.
Ainda assim, depois dos ataques aos EUA em 11 de setembro o número de alunas caiu de 70 para 45. "Gostaria muito de voltar a dar aulas em uma escola pública, como fiz por dois anos antes do Taleban", afirma Zohra.
Segundo o chanceler Abdullah Abdullah, a Aliança do Norte vai reabrir as escolas para meninas assim que a situação política se estabilizar. É exatamente essa a preocupação de Zohra -que, pelo sim, pelo não, ainda não abandonou sua burga ao sair de casa.
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