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10/03/2002 - 13h03

Estratégia: 11 de setembro deu força inédita aos EUA

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ANDRÉ FONTAINE
do "Le Monde"

Uma coisa se torna mais clara a cada dia: os conspiradores de 11 de setembro pretendiam trazer à tona a vulnerabilidade dos EUA aos olhos de todos que se deixam fascinar por seu poder.

O resultado foi o exato oposto: os EUA nunca estiveram tão fortes. Seus habitantes, em sua imensa maioria, têm a consciência de estar sendo ameaçados por um inimigo comum. Estão decididos a enfrentar esse inimigo e confiam em seu presidente para conduzi-los nessa guerra.

Como resultado, este pode se dar ao luxo de promover um aumento maciço nos gastos militares, que passaram a superar de longe os de todos os seus aliados juntos.

É verdade que parte dessa mina de ouro é gasta na manutenção de uma administração enorme e de equipamentos ultrapassados. Mas milhões de dólares financiam armamentos de alta tecnologia que nenhum outro país do mundo possui.

Tony Blair, que esperava ver o Reino Unido exercer um papel de ponte entre os dois lados do Atlântico, não foi compensado por seus esforços: quando falou em "eixo do mal", George W. Bush ignorou por completo sua opinião quanto à total ausência de vínculos entre o Iraque e o terrorismo islâmico. O Irã organizou um grande desfile antiamericano, mas, ao mesmo tempo e sem alarde, fechou a representação em Teerã de um protegido afegão.

Aparentando estar desiludido, George Robertson, comandante-em-chefe da Otan, previu dificuldades para a organização se os EUA continuarem a ocupar "o fio cortante da lâmina, enquanto a Europa está no lado que sangra" -se os americanos continuarem a combater "nos céus", enquanto os europeus o fazem "na lama".

A verdade cada vez mais evidente é a de que os americanos estão cada vez menos interessados na aliança atlântica da qual, por tanto tempo, foram o cérebro, o motor e o financiador. Na verdade, estão com a cabeça em outro lugar. Um participante no "Davos de Nova York" disse que chamou sua atenção o fato de não ter ouvido uma única vez palavras como "Rússia", "China" ou "Europa".

Outra coisa que ele observou foi o que chamou de "retorno do Estado", algo visto também nos debates de Porto Alegre. O fato é que é preciso ter a crença liberal entranhada na alma para ainda poder acreditar que a livre ação do mercado será suficiente para acabar com o que, nesses dois fóruns, convencionou-se chamar de "disfunção da governança mundial".

O naufrágio da Argentina e o escândalo da empresa Enron, para citar exemplos mais recentes, trouxeram à tona essa disfunção. O "Financial Times" tem plena consciência disso quando, sob a assinatura de Martin Wolf, qualifica de "paranóica" a idéia de que os governos "se prostram diante do poder desenfreado" dos grandes grupos. Serão eles tão fortes?

O mesmo autor não tem dificuldades para mostrar que, se nos basearmos no critério do valor adicionado, apenas duas das economias mais ricas do mundo são as de grupos em lugar de Estados.

Cabe a estes últimos, portanto, assumir suas responsabilidades -gostaríamos muito que nossos candidatos à Presidência da República deixassem de lado os lugares-comuns para nos dizer como pretendem fazê-lo. E, em especial, já que hoje o poder dos EUA não tem rival, o que eles pensam fazer para impedir que seja verdade o que o escritor Upton Sinclair escreveu já em 1917: "Dizer que o mundo se unifica significa que ele se americaniza".

Está claro que nos escondermos atrás de uma condição de "exceção cultural" pode apenas adiar as mudanças. Além do fato de que um mundo unificado sob o signo liberal não pode deixar de suscitar um tédio profundo e perigoso, é verdade o que já dizia um século atrás o humorista britânico que se assinava Lord Acton: o poder tende a corromper.

Há tantos apetites -especialmente o do "complexo militar-industrial"- cercando a Casa Branca e as diversas instituições federais americanas, que a única coisa que podemos tomar como certa é que os passos destas jamais serão guiados pelo desinteresse e pela sabedoria, ou seja, pela virtude, tão cara a Montesquieu.

Que a Europa tenha um papel considerável a desempenhar em tudo isso é algo do qual ninguém deveria duvidar. E podemos prever que o tratamento dado pela Rússia aos tchetchenos ou pela China aos muçulmanos de Xinjiang e aos tibetanos limita o entusiasmo desses países ante o estreitamento dos laços entre os três principais atores da Guerra Fria.

Expressas por este ou aquele membro da UE, as reações mais fortes correm o risco de ter pouco efeito sobre os EUA. Se a Europa quiser realizar suas aspirações, a timidez diplomática já deixou de ser uma opção viável.

Tradução de Clara Allain

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