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18/04/2002 - 02h30

Carmona articulou golpe com setor petroquímico e mídia

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MARCIO AITH
enviado da Folha a Caracas

Passados sete dias da rendição do presidente venezuelano, Hugo Chávez, a militares rebeldes, são claros os sinais de que grupos privados participaram ativamente da elaboração do golpe e da tentativa frustrada de sustentá-lo.

Nos quase dois dias em que ficou no poder, o empresário Pedro Carmona, nomeado pelos golpistas como presidente provisório, negociou com cardeais dos setores petroquímico e de telecomunicações a composição de seu ministério, a duração do governo e o decreto que dissolveu os Poderes.

Também participou ativamente desses encontros Daniel Romero, assessor pessoal do ex-presidente venezuelano Carlos Andrés Pérez, afastado por corrupção em 1993. Oito dias antes do golpe, Chávez apresentara um processo de extradição contra Pérez, que atualmente divide seu tempo entre a República Dominicana e os EUA (Miami). Em 1992, Pérez sofreu uma tentativa frustrada de golpe promovido por Chávez.

As reuniões com empresários tornaram-se públicas depois que Chávez foi restituído ao poder por um fulminante contragolpe. "Chávez recebeu muitas informações de venezuelanos decentes, como garçons que foram obrigados a servir café e água a esse pessoal e soldados fiéis ao presidente", disse o ministro da Defesa, José Vicente Rangel.

As reuniões, confirmadas à Folha por alguns de seus participantes, evidenciam o grau de oposição a Chávez por parte de grupos tradicionais venezuelanos descontentes com sua orientação estatizante e antiamericana.

A primeira reunião ocorreu no Forte Tiuna, sede do alto comando militar em Caracas, e começou por volta de 23h de quinta-feira, quando Chávez ainda negociava sua rendição. Além de Carmona, participaram desse encontro o empresário Isaac Pérez Recao, o constitucionalista Allan Brewer e Daniel Romero.

Nenhuma liderança sindical ou militar esteve presente, embora o vice-almirante Héctor Ramirez, que viria a ser apontado ministro da Defesa provisório, tenha providenciado uma sala aos civis e perguntado a eles se precisavam de algo. Dos militares rebeldes, Ramirez foi o mais afinado com os opositores civis de Chávez.

"Fui à reunião, mas não para participar do golpe", disse Brewer Folha. "Convocaram-me para essa reunião para que eu desse uma opinião sobre o texto do decreto que seria anunciado no dia seguinte. Eu os alertei que o decreto era uma monstruosidade, mas eles não me ouviram."

O decreto determinou a dissolução do Congresso e da Suprema Corte e previu eleições presidenciais em um ano. Além disso, anulou demissões feitas por Chávez na estatal petrolífera PDVSA e um polêmico pacote de leis aprovado pelo presidente em dezembro, que desagradara aos empresários.

Indagado sobre quem teria sido o autor do decreto, Brewer disse que, quando chegou à reunião, ele já estava pronto, numa indicação de que a roupagem legal do golpe fora preparada dias antes dos distúrbios de rua que precipitaram a queda de Chávez. A Folha apurou que Romero, nomeado procurador-geral do governo provisório, chegou com o documento já pronto ao encontro.

Segunda reunião

A segunda reunião com empresários, na manhã de sexta-feira, já foi realizada no palácio presidencial, mesmo antes de Carmona ter sido empossado. Ele recebeu um grupo de empresários de telecomunicações, entre eles Gustavo Cisneros (TV Venevision), o executivo Alberto Ravelli (Globovision) e Marcel Granier (RCTV, a rede Caracas).

Cisneros é um dos homens mais ricos da Venezuela. Em 1992, uma das empresas de sua família abrigou o ex-presidente Pérez quando Chávez e outros oficiais tentaram derrubá-lo. Em 1998, Cisneros apoiou a eleição de Chávez, mas os dois logo brigaram. Segundo assessores de Chávez, Cisneros teria emprestado aos golpistas o avião que levaria Chávez ao exílio. Esse avião foi visto na ilha de La Orchila, último local onde Chávez esteve preso.

Há divergências quanto ao que se passou no encontro. Assessores de Chávez dizem ter ouvido os empresários prometerem apoio irrestrito a Carmona. Já os empresários, cujas emissoras não transmitiram a reação popular nem a rebelião militar em favor do presidente deposto, dizem que foi uma reunião de conhecimento.

No final da tarde de sexta-feira, quando Carmona foi empossado e dissolveu os Poderes, sindicatos e parte dos militares que haviam apoiado o golpe sentiram-se excluídos do processo decisório e assustaram-se com a repercussão negativa do decreto.

Na manhã de sábado, Efraín Vásquez, comandante do Exército e considerado um "golpista moderado", anunciou que só voltaria a apoiar o governo provisório se o Legislativo e o Judiciário fossem restabelecidos. Enquanto isso, militares fiéis a Chávez ampliavam a resistência ao golpe e invadiam o palácio Miraflores, fazendo Carmona pedir abrigo no Forte Tiuna com Ramirez, seu ministro da Defesa provisório.

Nesse momento, chavistas tomaram as ruas de Caracas, e os empresários que haviam apoiado Carmona sumiram de cena. Ao meio-dia, o advogado Gustavo Linares Benzo e o jornalista Teodoro Petkoff , editor do jornal "TalCual", foram ao quartel para convencer Carmona a mudar seu decreto e salvar o golpe. "O clima estava muito tenso", contou Benzo à Folha. "Fomos os únicos dois civis a visitar Carmona naquele dia. Ele estava na sala de Ramirez, quieto, enquanto o almirante negociava por telefone os rumos do novo governo com o general Vásquez, que, muito irritado, estava numa sala a cem metros de distância. Quando Carmona e Ramirez concordaram em desistir do decreto, já era tarde. Eu vi que o clima era ruim e fui embora."

Horas mais tarde, Carmona foi preso e Chávez era novamente presidente.

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