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08/09/2002 - 06h45

11 de setembro: Bush se reinventou após ataques

MARCIO AITH
da Folha de S.Paulo, em Washington

Em novembro de 1999, uma armadilha preparada por um jornalista revelou que George W. Bush, então governador do Texas e candidato à Presidência dos EUA, não sabia os nomes dos líderes de Índia, Paquistão e Tchetchênia.

Quatro meses depois, um comediante canadense fingindo ser repórter enganou Bush ao dizer que o candidato havia sido elogiado pelo premiê canadense "Jean Poutine". Bush agradeceu, concluindo que o premiê compreendera suas propostas. Na verdade, o primeiro-ministro do Canadá é Jean Chrétien, e Poutine, o nome de um prato típico da Província canadense de Québec.

No dia 13 de dezembro de 2000, Bush garantiu a Presidência dos EUA por meio de decisão da Suprema Corte que pôs fim a um dos conflitos eleitorais mais marcantes da história política americana -uma batalha judicial pela apuração de votos que, para muitos, levantaria dúvidas sobre a legitimidade de seu mandato.

Bush foi empossado no dia 20 de janeiro de 2001. Naquela ocasião, entre 40% e 45% dos americanos diziam ter dúvidas quanto à sua experiência e capacidade intelectual para exercer a Presidência.

Menos de oito meses depois, em 11 de setembro de 2001, os EUA sofreram o maior atentado terrorista da história. Desde então, a Presidência de Bush não foi mais a mesma, assim como a percepção dos norte-americanos sobre ela.

Hoje, apenas 22 meses depois da decisão histórica da Suprema Corte, a batalha eleitoral e as gafes sobre política externa parecem referências históricas distantes, fatos associados a um político que já deixou o poder.

Os ataques de 11 de setembro deram não só credibilidade e legitimidade ao presidente como também permitiram a ele renascer politicamente sem sofrer o custo político da mudança.

"Bush tornou-se um presidente integralmente legítimo, não só para governar, mas também para reinventar-se como político", afirmou Andrew Kohut, diretor do instituto de pesquisas Pew Research Center for the People.

Em resposta aos atentados, Bush conduz a maior mudança da política externa dos EUA dos últimos 50 anos, por meio de uma séria de princípios -reunidos no que seria uma "Doutrina Bush"- que colocaram de cabeça para baixo suas propostas iniciais nos campos militar e de política externa.

Nova doutrina
Antes de 11 de setembro, Bush baseava seu programa militar na construção de um escudo antimísseis, de natureza defensiva, e propunha limitar o envolvimento externo da Casa Branca a questões "de interesses vitais do país". A pedra de toque de seu governo era a política doméstica.

Depois dos atentados, Bush definiu o terrorismo como principal inimigo da humanidade e condicionou qualquer apoio financeiro e diplomático dos EUA ao engajamento de outros países à guerra contra o terror.

Bush propôs a substituição da "contenção" e da "dissuasão", princípios da Guerra Fria, pela realização de ataques preventivos, inclusive com armas nucleares, contra grupos terroristas ou Estados hostis aos EUA. A pedra de toque do novo governo Bush passou a ser política externa.

Os primeiros passos dessa mudança vieram no discurso presidencial sobre o Estado da União, em janeiro de 2002, em que Iraque, Irã e Coréia do Norte foram classificados como integrantes de um "eixo do mal". Em junho passado, ao falar para cadetes da academia militar de West Point, Bush aprimorou sua doutrina, introduzindo a opção de ataques preventivos como figura central dessa nova ordem.

"A guerra contra o terror não será ganha na defensiva", disse o presidente. "Dissuasão -a promessa de retaliação maciça contra nações- nada significa contra esquivas redes terroristas sem nações ou cidadãos para defender. A contenção é impossível quando ditadores desequilibrados, com armas de destruição em massa, podem enviá-las por mísseis ou transferi-las secretamente para aliados terroristas." Segundo o presidente, é necessário "levar a batalha ao inimigo e confrontar as piores ameaças antes que emerjam".

Unilateralismo
Para alguns especialistas, as feições da "Doutrina Bush" espelham com perfeição características manifestadas anteriormente pelo presidente, embora sejam produto dos ataques terroristas.

Michael Hirsh, que prepara um livro sobre o assunto para a Oxford University Press, diz que a doutrina é perfeitamente compatível com o "senso maniqueísta" e o "moralismo unilateralista" que caracterizaram o Bush candidato e os setores sociais que o levaram ao poder.

Hirsh - assim como grande parte da comunidade internacional- diz que não há como desvincular a doutrina dos sinais enviados anteriormente pela Casa Branca ao mundo, como a rejeição do presidente a tratados multilaterais - entre eles o Tratado Antimísseis Balísticos, firmado entre a então União Soviética e os EUA em 1972, e o Tratado de Kyoto, que consolidou medidas para evitar o aquecimento global.

Ao propor ataques preventivos, Bush estaria rejeitando princípios da ONU (Organização das Nações Unidas) da mesma maneira com que rejeitou os dois tratados.

Outros consideram essa análise simplista. Entre eles, Andrew Kydd, professor do Departamento de Governo da Universidade Harvard. "É verdade que o multilateralismo nunca animou Bush, mas a idéia de ataques preventivos ou a disposição de formular uma nova doutrina mundial são contrárias à filosofia original do presidente, que previa o isolamento dos EUA de questões internacionais", disse ele. "Não se pode confundir unilateralismo com uma estratégia preventiva de defesa. Os dois princípios são distintos."

Sejam quais forem os vínculos entre a "Doutrina Bush" e as convicções iniciais do presidente, três quartos dos americanos aprovaram a reação da Casa Branca aos atentados e dizem que ele é um líder forte, suficientemente determinado para dirigir o governo.

É por essa razão que Bush esforça-se para manter o apoio da opinião pública norte-americana em torno do combate ao terror, espichando ao máximo a mobilização popular a poucos meses das eleições parlamentares de novembro, que definirão o poder nas duas casas do Congresso.

"A primeira fase da guerra contra o terrorismo foi um sucesso porque teve objetivos simples, como derrubar a milícia Taleban e destruir os campos da Al Qaeda no Afeganistão", disse Kydd. "Resta saber se os americanos querem estender esses ataques ao redor do mundo e se esses ataques vão proteger ou ferir os interesses estratégicos do país."

A julgar pelas pesquisas de opinião, embora exista apoio público a um ataque preventivo ao Iraque -mais provável alvo da segunda fase da ofensiva contra o terrorismo-, esse apoio é declinante.

Segundo levantamento feito pela emissora ABC na última quarta-feira, 56% dos americanos querem uma ação militar contra o Iraque, abaixo dos 69% registrados em agosto. O mesmo levantamento mostra que 39% apóiam esse ataque mesmo se os aliados tradicionais dos EUA não participarem. Em agosto, esse número era de 54%.



 

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