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07/03/2003 - 20h14

Leia o discurso de Mohamed El Baradei em português

da Folha Online

Leia, a seguir, a tradução do discurso do chefe da Agência Internacional de Energia Atômica [AIEA], Mohamed El Baradei, apresentado nesta sexta-feira, no Conselho de Segurança da ONU:

"Sr. presidente,

Meu relatório ao Conselho hoje é uma atualização sobre a situação da verificação de atividades nucleares no Iraque da Agência Internacional de Energia Atômica [AIEA], de acordo com a resolução 1441 do Conselho de Segurança e outras resoluções relevantes.

Quando reportei-me pela última vez ao Conselho de Segurança no dia 14 de fevereiro, expliquei que a atividade de inspeção da agência moveu-se muito além da fase de reconhecimento _ou seja, de restabelecer nossa base de conhecimento com relação às capacidades nucleares do Iraque_para a fase de investigação que se foca na questão central diante do que é relevante para a AIEA com relação ao desarmamento: se o Iraque reativou ou tentou reativar seu proscrito programa de armas nucleares ao longo dos últimos quatro anos.

Para começar, deixem-me fazer uma observação geral: a de que, nos últimos quatro anos, na maioria dos locais iraquianos, a capacidade industrial deteriorou-se substancialmente devido à partida do apoio estrangeiro que esteve frequentemente presente no final dos anos 80, à partida de grandes números de pessoal iraquiano qualificado na década passada, e à falta de manutenção consistente por parte do Iraque de equipamento sofisticado.

Em apenas poucos locais inspecionados envolvidos em pesquisa industrial, desenvolvimento e manufatura as capacidades foram aprimoradas e novas equipes contratadas. Essa deterioração geral na capacidade industrial é naturalmente de relevância direta para a capacidade do Iraque de reativar um programa de armas nucleares.

A AIEA conduziu agora um total de 218 inspeções nucleares em 141 locais, incluindo 21 que não haviam sido inspecionados antes. Além disso, os especialistas da agência participaram de muitas inspeções da Unmovic/AIEA. O apoio técnico para inspeções nucleares continuou a expandir-se. Os três coletores de amostragens de ar operacionais coletaram, em lugares-chaves no Iraque, amostras de partículas de ar semanais que estão sendo enviadas a laboratórios para análises.

Resultados adicionais de água, sedimentos, vegetação e de amostras de materiais foram recebidos de importantes laboratórios. Nossa equipe de análise de radiação sustentada por veículos cobriu cerca de 2.000 quilômetros ao longo das últimas três semanas. O acesso a análises já foi obtido em cerca de 75 aparatos, incluindo campos e guarnições militares, fábricas de armas, terminais de caminhões e aparatos de produção e áreas residenciais.

As entrevistas com funcionários iraquianos importantes continuaram , algumas vezes com indivíduos e grupos no local de trabalho durante o curso de inspeções não anunciadas previamente, e em outras ocasiões em encontros combinados previamente com cientistas-chaves e outros especialistas sabidamente envolvidos com o programa nuclear iraquiano no passado.

A AIEA continuou a conduzir entrevistas mesmo quando as condições não estavam de acordo com as modalidades preparadas pela AIEA, a fim de obter o máximo de informações possível, informações cujas validades pudessem ser verificadas com outras fontes e que pudessem auxiliar em nossa avaliação de áreas sob investigação. Como vocês podem lembrar, quando começamos a pedir entrevistas em particular, desacompanhadas, os entrevistados iraquianos insistiram em gravar as entrevistas e ficar com as gravações dos registros. Recentemente, devido à nossa insistência, indivíduos têm consentido ser entrevistados sem acompanhamento ou sem um registro gravado.

A AIEA conduziu duas entrevistas em particular como essas nos últimos dez dias, e espera que sua habilidade de conduzir entrevistas em particular continue sem empecilhos, incluindo possíveis entrevistas fora do Iraque. Devo acrescentar que estamos buscando aprimoramento na realização das entrevistas, a fim de assegurar que sejam conduzidas livremente e para aliviar preocupações de que estas entrevistas estejam sendo escutadas por outras partes iraquianas.

Em nossa opinião, entrevistas fora do Iraque podem ser a melhor forma de assegurar que os entrevistadores estejam livres. E pretendemos, consequentemente, pedir tais entrevistas em breve. Também estamos solicitando a outros Estados que nos possibilitem realizar entrevistas com ex-cientistas iraquianos que agora residem nesses Estados.

Sr.Presidente, nas últimas semanas, o Iraque forneceu um volume considerável de documentação relativa a esses assuntos, os quais reportei anteriormente como sendo de preocupação particular, incluindo os esforços do Iraque de adquirir tubos de alumínio, sua tentativa de adquirir ímãs e capacidades de produção de ímãs, e sua tentativa relatada de importar urânio. Falarei brevemente sobre o progresso feito em cada uma dessas questões.

Desde minha última apresentação ao Conselho, o principal foco técnico das atividades de campo da AIEA no Iraque tem sido resolver vários assuntos de importância fundamental relacionados à possível retomada de esforços por parte do Iraque de enriquecer urânio por meio do uso de centrífugas. Para tal propósito, a AIEA reuniu uma equipe internacional qualificada de especialistas em produção de centrífugas.

Com relação aos tubos de alumínio, a AIEA conduziu uma investigação completa da tentativa do Iraque de adquirir grandes quantidades de tubos de alumínio de alta resistência. Como relatado anteriormente, o Iraque sustentou que tais tubos de alumínio eram buscados para a produção de mísseis. Extensa investigação de campo e análise de documentos falharam em descobrir qualquer evidência de que o Iraque tinha a intenção de usar esses tubos de alumínio de 81-mm para qualquer projeto que não fosse a engenharia reversa de mísseis.

O processo de tomada de decisões do Iraque com relação à projeção de tais mísseis foi bem documentada. O Iraque forneceu cópias de documentos de projetos, registros de aquisição, minutas de reuniões de comitês, e dados e amostras de apoio. Uma análise completa dessas informações, juntamente com informação reunida de entrevistas com pessoal iraquiano, permitiu que a AIEA desenvolvesse um quadro coerente da tentativa de aquisição e da intenção de uso dos tubos de alumínio de 81 mm, assim como o raciocínio por trás de mudanças na resistência.

Valendo-se dessas informações, a AIEA soube que a resistência original para os tubos de 81 mm foi estabelecida antes de 1987 e foi baseada em medições físicas tiradas de um pequeno número de mísseis importados de posse do Iraque. Tentativas iniciais de produzir os mísseis por meio de engenharia reversa tiveram pouco sucesso. A resistência foi ajustada durante os anos seguintes como parte de esforços em andamento de revitalizar o projeto e aprimorar a eficiência operacional. O projeto padeceu por um longo período, e tornou-se assunto de vários comitês, o que resultou em mudanças de especificação e resistência em cada ocasião.

Baseada em evidências disponíveis, a equipe da AIEA concluiu que os esforços do Iraque de importar esses tubos de alumínio não tinham probabilidade de ter relação com a produção de uma centrífuga; e além disso, é altamente improvável que o Iraque possa ter adquirido o replanejamento considerável para usá-los em um programa de centrífugas reativado.

No entanto, esse assunto continuará a ser observado atentamente e investigado. Com relação a relatos de que o Iraque tentou importar ímãs permanentes de alta resistência ou de adquirir a capacidade produzir tais ímãs para uso em um programa de enriquecimento centrífugo, devo observar que desde 1998 o Iraque adquiriu ímãs de alta resistência para usos variados. O Iraque declarou a existência de ímãs de 12 desenhos diferentes.

A AIEA verificou que ímãs adquiridos previamente foram usados para sistemas de direção de mísseis, maquinário industrial, medidores de eletricidade e telefones de campo. Por meio de visitas a locais de pesquisa e produção, revisão de projetos de engenharia, e análise de amostras de ímãs, especialistas da AIEA familiares ao uso de tais ímãs em enriquecimento centrífugo verificaram que nenhum dos ímãs que o Iraque declarou poderia ser usado diretamente para produção magnética centrífuga.

Em junho de 2001, o Iraque projetou e assinou um contrato para uma nova linha de produção de ímãs para entrega e instalação em 2003. A entrega ainda não ocorreu, e documentações iraquianas e entrevistas com funcionários iraquianos indicam que esse contrato não será executado. No entanto, eles concluíram que o contrato da substituição de aquisição estrangeira pela produção doméstica de ímãs parece razoável de um ponto de vista econômico.

Além disso, o treinamento e experiências adquiridos pelo Iraque no período pré-1991 torna provável que o Iraque possua a capacidade de produzir ímãs permanentes de alta resistência adequados para uso em centrífugas de enriquecimento. A AIEA continuará, consequentemente, a monitorar e inspecionar equipamento e materiais que poderiam ser usados para fazer ímãs para centrífugas de enriquecimento.

Com relação à aquisição de urânio, a AIEA fez progresso em sua investigação de relatos de que o Iraque buscou comprar urânio da Níger nos últimos anos. Esta investigação foi centrada em documentos fornecidos por vários Estados que apontavam para um acordo entre o Níger e Iraque para a venda de urânio entre 1999 e 2001.

A AIEA discutiu esses relatórios com os governos do Iraque e do Níger, e ambos negaram que tal atividade houvesse ocorrido. Por seu lado, o Iraque forneceu à AIEA uma explanação completa de suas relações com o Níger e descreveu uma visita feita por uma autoridade iraquiana a vários países africanos, incluindo o Níger, em fevereiro de 1999, a qual o Iraque pensou que pudesse ter dado origem aos relatos.

A AIEA pôde revisar correspondência vinda de diversos órgãos do governo do Níger e comparar a forma, o formato, os conteúdos e a assinatura dessas correspondências com aqueles das documentações alegadamente relacionadas à aquisição. Baseada em análises completas, a AIEA concluiu, com a cooperação de especialistas externos, que esses documentos, que formaram a base para os relatos de recentes transações de urânio entre Iraque e o Níger, de fato não são autênticos.

Nós concluímos, consequentemente, que essas alegações específicas são infundadas. No entanto, nós continuaremos a acompanhar qualquer evidência adicional, se surgir, relevante aos esforços por parte do Iraque de importar material nuclear ilicitamente.

Muitas preocupações relacionadas à possível intenção do Iraque de reativar seu programa nuclear foram levantadas por relatos e esforços de aquisição por parte do Iraque reportados por vários Estados. Além disso, muitos dos esforços iraquianos de obter commodities e produtos, incluindo ímãs e tubos de alumínio, foram conduzidos em contravenção ao controle de sanções especificado na resolução 661 do Conselho de Segurança e em outras resoluções relevantes.

A questão de esforços de aquisição continua sob investigação total, e mais verificações serão feitas. De fato, uma equipe da AIEA de especialistas e técnicos está atualmente no Iraque, composta de investigadores e especialistas em computação forense, que está conduzindo uma série de investigações por meio de inspeção em empresas de exportação e importação e organizações comerciais, com o objetivo de estabelecer o padrão iraquiano de aquisição.

Sr. presidente, para concluir, posso relatar hoje que, na área de armas nucleares, as armas mais letais de destruição em massa, as inspeções no Iraque estão progredindo. Desde a retomada das inspeções há pouco mais de três meses, e particularmente nas três semanas desde meu último relatório apresentado ao conselho, a AIEA fez progresso importante em identificar quais capacidades relacionadas à produção nuclear continuam no Iraque, e em avaliar se o Iraque fez qualquer esforço para reativar seu programa nuclear, durante os quatro anos que se passaram desde que as inspeções foram interrompidas.

Neste estágio, pode ser afirmado o seguinte: Primeiro, não há indicação de retomada de atividades nucleares naqueles edifícios que foram mostradas por meio do uso de imagens de satélite como tendo sido reconstruídos ou erguidos desde 1998, nem nenhuma indicação de atividades proibidas relacionadas a energia nuclear em nenhum local inspecionado. Segundo, não há indicação de que o Iraque tentou importar urânio desde 1990. Terceiro, não há indicação de que o Iraque tenha tentado importar tubos de alumínio para uso em enriquecimento centrífugo. Além disso, mesmo que o Iraque tivesse perseguido tal plano, teria encontrado dificuldades práticas em produzir centrífugas a partir dos tubos de alumínio em questão. Quarto, apesar de ainda estarmos revisando questões relacionadas a ímãs e a produção de ímãs, não há indicações, até agora, de que o Iraque tenha importado ímãs para uso em programa de enriquecimento centrífugo.

Como disse anteriormente, a AIEA naturalmente continuará a esmiuçar e a investigar mais todos os assuntos mencionados acima. Após três meses de inspeção intrusiva, até agora não encontramos evidências ou indicações plausíveis da reativação de um programa de armas nucleares no Iraque.

Nós temos a intenção de continuar nossas atividades de inspeção, fazendo uso de todos os direitos adicionais concedidos a nós pela resolução 1441 e todas as ferramentas necessárias que possam estar disponíveis, incluindo plataformas de reconhecimento e todas as tecnologias relevantes. Nós também esperamos continuar a receber de Estados informação relevante a nosso trabalho.

Devo destacar que, nas últimas três semanas, possivelmente como resultado de uma pressão cada vez mais crescente por parte da comunidade internacional, o Iraque tem sido solícito em sua cooperação, particularmente com relação à condução de entrevistas privadas e à disponibilização de evidências que poderiam contribuir para a resolução de questões de interesse da AIEA.

Espero que o Iraque continue a expandir a colaboração e acelere o ritmo de sua cooperação. O conhecimento detalhado das capacidades do Iraque que os especialistas da AIEA acumularam desde 1991, combinado com os direitos estendidos fornecidos pela resolução 1441, o compromisso ativo de todos os Estados de nos ajudarem a completar nosso trabalho e o nível recentemente crescente de cooperação iraquiana, deve possibilitar que no futuro próximo nós forneçamos ao Conselho de Segurança uma avaliação objetiva e completa das capacidades nucleares do Iraque.

Porém, por mais convincente que essa avaliação possa ser, nos esforçaremos, tendo em vista as inerentes incertezas associadas a qualquer processo de verificação, e particularmente à luz do esforço passado do Iraque de cooperação, para analisar as capacidades do Iraque em uma base contínua, como parte de um monitoramento de longo prazo e um programa de verificação, a fim de fornecer à comunidade internacional monitoramento contínuo e em tempo real.

Obrigado, sr. presidente."

Tradução de Iana Cossoy Paro
 

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