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03/08/2003 - 09h14

Casados, gays de Buenos Aires festejam "igualdade"

ELAINE COTTA
da Folha de S.Paulo, em Buenos Aires

César e Marcelo se conheceram há seis anos quando militavam numa parada gay de Buenos Aires. "Marcelo estava pendurando uma faixa num poste e me encantei com esse gesto de dedicação ao movimento", disse César. "Mentira! Ele gostou dos meus braços. Na época, fazia musculação e, para ajudar, estava sem camisa", rebate Marcelo, mostrando os braços, hoje magros, antes de dar um beijo carinhoso no rosto do companheiro. Eles receberam a Folha na casa simples, mas decorada com bom gosto, onde moram, no bairro da Boca, em Buenos Aires, e onde também funciona a CHA (Comunidade Homossexual Argentina), das quais são militantes e fundadores.

No dia 18 de julho, o professor universitário César Cigliutti, 46, e o estudante Marcelo Suntheim, 35, se tornaram o primeiro casal gay a concretizar uma união civil da América Latina. O casamento foi em Buenos Aires e teve direito a festa, traje de gala e champanhe. "Comemoramos a conquista por igualdade. Foi uma luta de anos e me emociono cada vez que falo sobre isso", disse César, recostando-se no sofá vermelho.

A lei que permitiu a união foi sancionada em maio pela prefeitura de Buenos Aires. Entre os benefícios da lei estão o acesso do casal ao seguro social, solicitação de empréstimos e direito à licença em caso de doença ou falecimento. Além disso, é garantido ao cônjuge o direito de acompanhar o parceiro, por exemplo, em uma sala de tratamento intensivo e tomar decisões com os médicos, o que antes era proibido.

"Em três meses, começaremos o trabalho para que a lei se torne nacional. Vamos apresentar o projeto na Câmara dos Deputados e começar tudo de novo até que a lei passe a valer em todo o país", disse César. Projetos semelhantes ao já foram apresentados nas Províncias de Rio Negro, Santa Fé e Mendoza. Na América Latina, países como Brasil, México e Uruguai também estudam a aprovação de leis que permitam a união civil entre homossexuais.

"Hoje temos mais segurança. Nos sentimos integrados e mais respeitados como cidadãos. Parece que quando a lei te reconhece, o comportamento, a cultura das pessoas muda. Elas passam a ter de nos aceitar, não digo entender, mas não podem mais nos agredir com violência ou palavras", diz Marcelo. "Antes, vivíamos uma incerteza. Não podíamos compartilhar o plano de saúde, ser um dependente do outro num clube de recreação. E os casais que constróem uma vida juntos e quando um morre, a família --que em muitos casos os tratou com preconceito-- entra na Justiça e consegue ficar com todos os bens, deixando o outro, companheiro da vida inteira, na miséria? É para acabar com essas injustiças que nunca desistimos de lutar."

Vida em família

"Nossas famílias nos aceitam bem. Creio que meus pais, quando souberam que era gay --há cinco anos-- devem ter se questionado: onde erramos? Mas isso já passou. Eles adoram o César e eu também me entendo bem com a sua família", diz Marcelo.

"Aqui em casa, somos democráticos. Se um cozinha, o outro lava", diz. "César gosta de passar roupa." A reação é imediata: "Não gosto, não! É que não consigo ver uma pilha de roupa para passar e deixar. Marcelo é capaz de deixar acumular roupa suja ou para passar por duas, três semanas", reclama César, sem perder o bom humor que é característico nos dois.

"Sempre tive um jeito meio mariquinhas. Na escola, os amigos faziam brincadeiras, mas como sempre tive uma relação boa com as pessoas, não foi nada que me deixasse traumas", diz César.

"Eu, como cresci numa cidade pequena, cheguei a namorar meninas para conter a pressão da família e dos amigos. Mas nunca gostei de mulheres", diz Marcelo. "Achava que era o único gay da cidade. Só soube que existia alguém parecido comigo quando vi nos jornais a notícia da morte de Fred Mercury", diz. "Só fui conhecer outros gays quando mudei para Buenos Aires."

Para ambos, o fruto mais importante da união formal é o direito à justiça. "Aqui, como em outros países, a violência contra gays ainda é grande. Há casos em que pessoas são espancadas na rua ou assassinadas porque não adotam um comportamento sexual que foi determinado o correto por alguém, não se sabe quando. Ter um respaldo da lei nos dá a garantia de que, aos poucos, o preconceito diminuirá. As pessoas serão obrigadas a respeitar o nosso estilo de vida", afirmam.

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