Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
24/08/2003 - 06h01

Visita às Farc revela ausência do Estado

FABIANO MAISONNAVE
JOÃO WAINER
da Folha de S.Paulo, Enviados especiais à Colômbia

Se as Farc quiseram demonstrar que a intensificação dos ataques pelo governo Uribe não têm surtido efeito, as pouco mais de 24 horas em que a reportagem da Folha de S.Paulo e a de outro jornal brasileiro estiveram no território colombiano controlado pela guerrilha foram convincentes.

Acompanhada durante todo o tempo por dois guerrilheiros --um portando uma pistola--, a reportagem se deslocou sem incidentes durante cerca de dez horas, entre a ida e a volta, para se encontrar com Raúl Reyes, do comando militar das Farc, na selva amazônica colombiana.

No trajeto, que passava por alguns vilarejos, o Estado só se fez visível por meio de duas placas enferrujadas de agências do governo e da saída de crianças de uma escola, que os guerrilheiros afirmaram ser mantida com dinheiro público. Do Exército ou da polícia, nem sinal.

A maior parte da viagem foi feita por um labirinto incompreensível de "caños" (igarapés), de onde se avistavam casas de madeira, que, apesar de simples, pareciam novas e bem construídas. Na volta, dormiríamos numa delas, de uma família de cocaleros (cultivadores de folha de coca).

Num dos povoados, uma pausa para trocar de barco e calçar botas de borracha, fornecidas pelas Farc. Mais tarde, quando começou a chover, os guerrilheiros forneceriam capas de chuva. No barco, também estavam à disposição garrafas de suco e de água.

No trajeto pelos caños cercados de mata fechada, ainda houve uma pequena parada para observar macacos que passavam por cima de nossas cabeças. Foi uma verdadeira excursão turística.

Fora dos povoados, os poucos habitantes olhavam a comitiva sem entusiasmo. Alguns cumprimentavam, outros baixavam os olhos. É impossível saber o que essas reações significavam.

Depois de uma extenuante viagem caño acima, dificultada pelo baixo nível da água, finalmente chegamos ao ponto de desembarque, onde nos esperava o comandante Reyes, acompanhado de sua guarda pessoal --sete guerrilheiros armados com fuzis russos AK-47. Entre eles, duas mulheres.

Ficamos apenas cerca de três horas no acampamento improvisado para nos receber --duas tendas em meio à selva gigantesca. Tempo suficiente para a entrevista com Reyes, uma conversa rápida com sua guarda pessoal e para a entrega de duas encomendas: um livro do sociólogo Emir Sader, presenteado por um representante das Farc no Brasil, com quem a reportagem negociou a viagem, e o livro "Renda de Cidadania", do senador petista Eduardo Suplicy, entregue a pedido do vereador de Guarulhos Edson Albertão (PT), que esteve com Reyes em julho.

Questionados sobre com que idade entraram para a luta armada, os guerrilheiros responderam que entre 14 e 20 anos. Ninguém disse ter participado de combates recentes --sinal de que Reyes, procurado pelo governo, está bem protegido.

Iniciamos a volta em seguida, mas, devido ao horário, fomos obrigados a dormir na casa de um "amigo" de Reyes, onde chegamos à noite. Amável, a família, composta por um casal e quatro filhos, nos recebeu com sorrisos e curiosidade. Apenas a mulher permaneceu distante, preparando a janta para a visita-surpresa.

Numa conversa informal na sua varanda, Carlos (nome fictício) contou que plantava "coquita" e que viaja muitas vezes até Letícia, na fronteira da Colômbia com o Brasil, para fazer a entrega de "mercadorias" com seu barco.

A casa dele, de madeira, tinha gerador movido a gasolina, aparelhos de televisão e de DVD, mas o banheiro era o caño mesmo.

De manhã, um dos guerrilheiros quis saber quanto devia a Carlos. "Nada amigo. É sempre um prazer recebê-los", respondeu.

Pouco depois, de volta ao povoado, pausa para devolver as botas e almoçar um delicioso peixe com arroz e feijão. No restaurante, porém, um ruído de comunicação provocou segundos tensos.

Ao pedir um refrigerante, a reportagem não falou o nome inteiro da marca que desejava, causando aflição na atendente, que voltou a perguntar o que queríamos. Ao entender o que aconteceu, repetimos a escolha, desta vez com o nome completo: Coca-cola.

Durante todo o trajeto, não houve restrições para fotografias, mas os soldados pediram que os nomes não fossem divulgados.

Na despedida, a reportagem foi presenteada com um pingente de Che Guevara e com um CD de narcocorridos, gênero de música que canta a vida dos guerrilheiros e traficantes colombianos. Em retribuição, deixamos uma lanterna de acampamento.

Especial
  • Leia mais sobre o conflito na Colômbia
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página