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23/04/2010 - 12h47

Análise: Por que a Irlanda esperou tanto para denunciar a pedofilia na Igreja?

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da France Presse, em Dublin

Durante décadas, milhares de abusos sexuais cometidos por padres católicos irlandeses foram silenciados tanto pela Igreja, a polícia e os professores. Para especialistas, poder opressor da Igreja Católica foi um dos principais motivos.

"Até os anos 1990 era praticamente impossível desafiar a Igreja", explica Kevin Lalor, psicólogo e diretor da Escola de Ciências Sociais do Instituto Tecnológico de Dublin.

A Igreja irlandesa se converteu, no início do século 20, numa força antibritânica antes da independência em 1921, afirma. Saiu do conflito com um "status dimensionado em excesso".

"Mais do que em nenhum outro país, a Igreja era um braço do Estado", comenta Lalor, que realizou vários estudos sobre o tema.

A imensa maioria dos colégios e dos hospitais estava em mãos da hierarquia católica, que sempre tinha algo a dizer, inclusive sobre a composição do governo.

O poder do clero também se refletia no plano moral. "O padre era o símbolo da moralidade e da castidade e era muito respeitado. A comunidade, os amigos e a família não teriam acreditado na vítima", explica, por sua vez, Sue Donnelly, socióloga da University College Dublin.

Investigações

Em 1990, um jornal regional publicou um artigo sobre atos pedófilos de um sacerdote na diocese de Ferns (sudeste), o que deu início a uma vasta investigação que resultou num informe publicado em 2005.

"As pessoas não acreditavam. Elas se reuniram diante da redação do jornal. Queimaram jornais e boicotaram os anunciantes", recorda a socióloga Donnelly.

De acordo com os especialistas, os próprios pais condenariam uma criança que resolvesse denunciar abusos.

"Era um período em que a mãe dizia que 'recebeste o que mereceu' quando uma criança se queixava de ter sido castigado pelo professor", recorda Lalor.

"E a polícia achava que um pequeno comentário com o bispo era o que melhor se podia fazer, que era um tema moral e não legal", acrescenta. Ao invés de ser condenado, o padre acabava sendo enviado para outro lugar, onde, às vezes, começava a abusar novamente.

"Não se podia falar disso com ninguém, principalmente com a polícia, os professores e os pais. Não havia nenhum mecanismo para tratar do problema", avalia Lalor.

Para falar - continua Donnelly - a vítima devia, além disso, superar a dificuldade de mencionar questões de sexualidade numa sociedade irlandesa muito conservadora, e sofrer com o peso de "não ser mais um bom católico".

Punições

No caso de um menino muito pequeno ainda havia o medo de ser castigado com mais severidade ainda, revela Paddy Doyle, uma das primeiras vítimas a revelar o escândalo, em seu livro "The God Squad", publicado em 1990.

"Se alguém dizia algo, batiam nele, e podiam privá-lo de comida ou de contato com outras crianças", recorda, ao falar de sua infância em um orfanato administrado pelo clero, onde com quatro anos, em 1955.

Além disso, a população não estava realmente sensibilizada com o problema. "Há até 15 ou 20 anos acreditava-se que os abusos sexuais eram cometidos por poucas pessoas, como doentes mentais ou alcoólatras", recorda Helen Buckley, especialista em proteção à infância no Trinity College de Dublin.

Nos anos 1990, as pessoas começaram a falar disso, incentivadas por vários serviços de assessoria colocados em funcionamento. "A Igreja começou a perder sua aura", diz Buckley.

O psicólogo Kevin Lalor considera que para a sociedade irlandesa a crise atual de pedofilia é uma mudança brusca em relação ao passado conservador e austero da Igreja no país. "De repente passamos de uma ausência total do tema à grande exposição atual", conclui Lalor.

 

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