Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
15/08/2004 - 03h34

Fiasco neoliberal produziu Chávez, diz Hobsbawm

Publicidade

FABIANO MAISONNAVE
enviado especial da Folha de S.Paulo a Caracas

O britânico Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores vivos, foi uma das várias personalidades mundiais de esquerda que assinaram um manifesto em favor do presidente venezuelano, Hugo Chávez.

"Se eu fosse venezuelano, votaria em Chávez", justificou ele, em entrevista por e-mail à Folha. Para o autor de "A Era dos Extremos", Chávez, assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é um fenômeno derivado do fracasso do Consenso de Washington --receituário neoliberal para os países emergentes na década de 90.

Folha - Por que o sr. assinou o documento dos intelectuais em favor da permanência de Hugo Chávez no poder?

Eric Hobsbawm
- Eu assinei porque, se eu fosse venezuelano, votaria no presidente Chávez.

Folha - A América do Sul tem quatro países com governos de esquerda e centro-esquerda -Brasil, Argentina, Venezuela e Chile. Quais as semelhanças e as diferenças entre essas experiências?

Hobsbawm
- A mudança para a esquerda na América do Sul é uma reação ao fracasso, dramaticamente evidente em alguns casos, da política econômica de livre mercado imposta pelos EUA pelas agências internacionais sob sua influência, na era do chamado Consenso de Washington. Sem esse fracasso, é quase certo que Lula não teria sido eleito.

A mudança também reflete a memória da intervenção sistemática durante a Guerra Fria por uns EUA imperialistas na América Latina a favor de autoritários e militaristas de direita e, mais geralmente, dos ricos e corruptos.

Também não devemos esquecer a tradição de simpatia pela Revolução Cubana, que é parte da herança da esquerda latino-americana, embora não seja necessariamente relevante para as políticas dos governos de esquerda ou centro-esquerda.

Folha - O sr. considera que Chávez representa uma alternativa real para a esquerda latino-americana?

Hobsbawm
- Não, não creio que Chávez seja uma "alternativa real" para a esquerda latino-americana. Os países latino-americanos variam tanto em sua história específica e situação que não é possível haver uma única política para a esquerda que sirva a todos.

Mesmo o tipo de regime que ele representa -reformistas militares com um apelo direto às classe pobres e trabalhadoras do país- não é aplicável em todos os momentos nos países em que ocorreu. Chávez é uma alternativa da esquerda venezuelana, e não a alternativa. Apesar disso, sem dúvida seu exemplo tem encorajado a esquerda de outros países.

Folha - Chávez tem sido criticado por ser autocrático. A ONG Human Rights Watch divulgou recentemente um relatório segundo o qual o Judiciário venezuelano está sofrendo uma intervenção aberta do Executivo. O sr. concorda com essas críticas?

Hobsbawm
- Qualquer líder presidencial forte, não importa se legitimado ou não por uma eleição popular ou por um plebiscito, é tentado a abusar de seu poder, a não ser que seja controlado pela Constituição e pela lei de seu Estado. Isso se aplica a todos os governos, e não apenas aos impopulares nos EUA.

Qualquer reforma que faça o Judiciário excessivamente solícito ou mesmo subordinado aos desejos do Executivo deve ser rechaçada. Se a Human Rights Watch acredita que isso possa ser um perigo na Venezuela, também crê que isso já seja uma realidade em muitos outros Estados.

Folha - Apesar de toda a polêmica com os EUA, a Venezuela de Chávez tem aumentado sua venda de petróleo para lá. Por que isso ocorre?

Hobsbawm
- A natureza do mercado internacional de energia atual faz com que os países consumidores comprem energia de países produtores, independentemente de argumentos políticos ou ideológicos. Até onde eu sei, Chávez nunca sugeriu que deixará de vender petróleo aos EUA. Por que ele deveria? Foi uma greve da indústria petroleira venezuelana, organizada por seus opositores, aplaudida por Washington, que interrompeu o fornecimento aos EUA enquanto durou.

Folha - Depois de cinco anos, o governo Chávez pouco fez para mudar a dependência do petróleo e a estrutura econômica do país. Só resta à esquerda destes dias implementar políticas sociais sem mudanças no modo de produção?

Hobsbawm
- Certamente seria desejável para os países cuja economia depende de apenas um produto desenvolver uma economia mais diversificada. Apenas mudar o modo de produção não é uma garantia de que isso seja alcançado.

A União Soviética dependia de petróleo e gás para suas exportações tanto quanto a Rússia pós-socialista. Ao mesmo tempo, deveríamos cumprimentar países cujos governos utilizam a atual situação favorável originária de suas exportações energéticas para propósitos sociais mais amplos, sobretudo para diminuir a desigualdade social, o que aparentemente a Venezuela está fazendo e diversos outros países produtores de petróleo espetacularmente não o fazem.

Leia mais
  • Vitória apertada é pesadelo venezuelano
  • Para americano, "Chávez não é ditador, ainda"
  • Empresas prevêem "violência moderada" em eleição venezuelana

    Especial
  • Saiba mais sobre o referendo na Venezuela
  • Arquivo: veja o que já foi publicado sobre Hugo Chávez
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página