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17/11/2004 - 12h10

Análise: A queda do Muro de Berlim e a hegemonia americana

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GILBERTO SARFATI
especial para a Folha Online

A queda do Muro de Berlim não marca apenas um evento histórico para Alemanha: é o símbolo do final da Guerra Fria e início de uma nova era na política internacional.

A Guerra Fria foi caracterizada pela disputa do poder do mundo entre duas grandes potências, Estados Unidos e União Soviética. Com o final deste conflito, os EUA se consolidaram como a única grande potência militar do mundo, mas, paradoxalmente, já não são a única grande potência econômica --isso devido à sua participação no comércio mundial, que era de mais de 50% ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e caiu para cerca de 15% neste início de século 21.

Os EUA continuam a ter a economia mais importante do planeta, mas já não podem dar as cartas sozinhos e têm que negociar os rumos da economia mundial com, no mínimo, os países da União Européia e o Japão.
Pela primeira vez na história da humanidade há um descompasso entre o poder militar e o poder econômico.

A visão contemporânea da política internacional pós-queda do Muro de Berlim é de que há três grandes tabuleiros de xadrez que se inter-relacionam. No tabuleiro militar os Estados Unidos são a única grande potência (unipolar), no econômico devem dividir poder com a União Européia e o Japão (multipolar), e, finalmente, o terceiro xadrez, que é o reino dos atores transnacionais, o que marca a eclosão da importância de movimentos terroristas ao mesmo tempo em que as empresas multinacionais assumem um papel ímpar na determinação dos rumos da economia mundial.

Por este "xadrez de três níveis" podemos notar que o mundo pós-queda do Muro de Berlim é bem mais complexo que aquele da Guerra Fria, onde, por exemplo, a grande potência militar não consegue controlar os grupos terroristas transnacionais, apesar de ter a capacidade de derrubar do poder qualquer governante.

A complexidade não pára por aí, pois se pegarmos a própria Alemanha veremos que hoje, sozinha, já tem a segunda maior participação no comércio mundial, com pouco mais de 11%, segundo dados da OMC (Organização Mundial do Comércio). No entanto, toda riqueza deste país ainda não foi suficiente para reintegrar os alemães orientais dentro do espírito de um só país. Como as duas "Alemanhas" foram separadas artificialmente, acreditava-se que o processo de unificação seria relativamente rápido. Porém , as diferenças econômicas e, por incrível que pareça, culturais, dentro do país permanecem até hoje.

O muro caiu fisicamente, mas as barreiras permanecem. Isso mostra que a propalada globalização não significa necessariamente uma maior integração econômica e cultural, mesmo dentro de um país.

Qualquer futuro governante da Alemanha deverá enfrentar um enorme desafio ao tentar tornar o alemão da ex-Alemanha Oriental parte de um só país, ao mesmo tempo em que deve ajudá-lo a se sentir um cidadão Europeu, parte de uma União Européia que, inclusive, cresceu com mais dez países do Leste Europeu, do bloco de Estados do "outro lado do muro".

O problema econômico e de identidade do alemão da ex-Alemanha Oriental oriental infelizmente não é apenas uma questão de política interna, pois reflete uma frustração, que acontece mesmo em países desenvolvidos, já que a globalização e os processos de integração econômica se intensificaram nos últimos 15 anos.

Portanto, caso não se encontre formas de, realmente, integrar o alemão da Ex-Alemanha oriental à Alemanha e à Europa, há um enorme risco de fortalecimento de movimentos nacionalistas de ultradireita dentro do território oriental.

O perigo do nacionalismo alemão praticamente não existe como questão importante aos olhos da opinião pública mundial --em tempos em que todas as atenções estão voltadas aos grupos terroristas islâmicos. Passados 15 anos da queda do Muro de Berlim, temos pouquíssima certeza sobre os rumos da política internacional, mas temos certeza de que o mundo em que vivemos é mais complexo e mais perigoso do que antes da antiga barreira alemã.

Gilberto Sarfati é especialista em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém e professor do curso de relações internacionais da Faculdade Rio Branco
 

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