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16/04/2006 - 11h26

Casa Branca já prepara intervenção para derrubar regime iraniano

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SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo, de Washington

Os Estados Unidos preparam uma intervenção no Irã visando à "mudança de regime" no país que não exclui a ação militar, de tipo e intensidade a ser decididos. O objetivo é conter o que a administração de George W. Bush chama de "corrida" do país rumo à construção de armas nucleares, mesmo que diversos analistas militares conservadores e liberais concordem que Teerã esteja ainda a alguns anos de conseguir construir tais artefatos.

A intenção de mudança de regime e intervenção militar foi confirmada à Folha pela pessoa que vem sendo chamada de "Paul Wolfowitz do Caso Irã", Patrick Clawson, diretor do Instituto para a Estratégia do Oriente Médio. Wolfowitz, hoje presidente do Banco Mundial, foi o arquiteto da política externa pós-11 de Setembro, no que depois ficaria conhecida como Doutrina Bush e renderia pelo menos duas guerras/invasões: a do Afeganistão (2001) e a do Iraque (2003).

O instituto de Washington é um dos braços acadêmicos dos chamados falcões (altos funcionários do governo Bush que apóiam soluções militares) da Casa Branca, representados principalmente pelo secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. Entrevistado pela Folha, Clawson confirma o plano e vai adiante: diz que a opção militar é "viável".

Não só viável como "desejável", segundo outro nome envolvido no plano, Edward Luttwak. "A não ser que o Irã interrompa suas atividades, os EUA vão bombardear algumas construções específicas", disse à Folha o conselheiro do Pentágono e expert em estratégias militares do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), em Washington. Segundo Luttwak, no entanto, o governo não tem pressa. "A evolução dos iranianos rumo à bomba pode se dar de maneira lenta, por conta de incompetência e corrupção. É provável que leve três anos."

O "Caso Irã", ou a intenção dos Estados Unidos de intervir de alguma maneira no país vizinho ao Iraque, vem sendo considerado já há algum tempo, mas ganhou visibilidade nesta semana, com duas reportagens. Na primeira, da revista 'New Yorker', intitulada "Próxima Parada: Irã?", o premiado jornalista Seymour Hersh ("Cadeia de Comando", Ediouro, 2004) afirma que o ataque é uma questão de "quando", não mais de "se". Na segunda-feira, notícia principal do jornal "Washington Post" defendeu a mesma linha.

Ambos se baseiam em diferentes relatos, a maioria anônimos por questão de segurança dos entrevistados, mas concordam em um nome: Patrick Clawson. Hersh chega a afirmar que "o plano para a mudança de regime (no Irã) foi articulada no começo de março" pelo acadêmico.

60% de rejeição

No começo da semana, o presidente George W. Bush veio a público dizer que o "Caso Irã" era "especulação selvagem" e que ele não o comentaria, mas não negou que seu governo tivesse tal plano. Como costuma fazer nesses casos, enquanto contemporizava, liberava seus assessores para que elevassem o tom no tocante ao país do Oriente Médio.

Nos dias seguintes, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, disse que "vai chegar a hora" em que o caso vai exigir "medidas enérgicas". Seu colega, Donald Rumsfeld, disse que não iria entrar no "mundo da fantasia" das especulações, mas reconheceu que a administração estava "preocupada com a ambição nuclear de Teerã". Já Karl Rove, o "cérebro de Bush", um dos mais próximos assessores do presidente, disse sobre o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad: "Uma pessoa que acredita ter um poder místico não é um ser humano racional para se negociar".

Bush tem razões para desviar a atenção de seu público interno para questões externas. Seu índice de rejeição bateu um recorde pessoal: apenas 38% dos norte-americanos aprovam o trabalho que ele vem fazendo, segundo pesquisa de terça-feira divulgada pelo jornal "Washington Post" e pela rede de TV ABC, enquanto 60% o rejeitam, o pior índice desde que assumiu o governo, em 2000, e um dos piores de presidentes norte-americanos em segundo mandato desde sempre.

O que prejudica o republicano são três casos delicados e de difícil e demorada solução. O principal é a situação no Iraque, que muitos analistas acreditam já estar em guerra civil. Nos últimos dias, seis generais norte-americanos da reserva que participaram de alguma maneira das guerras do Afeganistão e do Iraque vieram a público pedir a cabeça de Rumsfeld. Na sexta, Bush defendeu seu polêmico secretário de Defesa, dizendo que ele tem "total apoio" e é "necessário".

Os outros problemas são a pressão cada vez maior e mais visível que imigrantes ilegais fazem sobre o governo, e a contrapressão idêntica de grupos conservadores; e o chamado Libbygate, escândalo de vazamento de informações confidenciais para prejudicar um diplomata contrário à condução da Guerra do Iraque, vazamento cuja autoria o presidente finalmente assumiu.

O esforço concentrado parece estar dando certo. Pesquisa publicada na quinta pelo "Los Angeles Times" e pela agência Bloomberg, conclui que 48% dos americanos apoiariam uma "ação militar" contra o Irã se este país continuar "produzindo material que pode ser utilizado para desenvolver armas nucleares".

Do lado iraniano, o linha-dura Mahmoud Ahmadinejad continua dando motivos para a elevação da temperatura. Na terça, anunciou que o Irã entrava no seleto "clube dos países nucleares". Depois, afirmaria, segundo uma agência de notícias estatal, "nossa resposta àqueles que estão com raiva pelo Irã ter atingido o ciclo completo de energia nuclear é apenas uma frase: fiquem com raiva e morram de raiva". Na sexta, encerraria a semana dizendo que Israel, o principal aliado dos EUA no Oriente Médio, é "uma árvore podre e seca" que deve ser "aniquilada".

Ultra-religioso, considerado um falcão mesmo dentro de um governo conservador, Ahmadinejad usou seu timing para colocar água fria na ala liberal da administração, que pede sua cabeça ao aiatolá Ali Khamenei, líder espiritual do Irã e superior ao presidente. Uma das faces ocidentais mais visíveis dessa ala é o embaixador da Missão Iraniana para as Nações Unidas, Javad Zarif --o Irã não tem relações diplomáticas com os EUA desde a crise de 1979, quando, apoiados pelo aiatolá Khomeini, estudantes invadiram a Embaixada americana em Teerã e mantiveram 52 americanos reféns por 444 dias.

Em 7 de abril, Zarif publicou artigo no jornal "New York Times" intitulado "O Irã não tem um programa de armas nucleares". Procurado pela Folha, o diplomata moderado não quis dar entrevista, mas colocou à disposição em seu site outro texto, de título "Uma Crise Desnecessária". Pacifista e conciliador, o artigo afirma: "Numa região que já sofre de turbulência e incerteza, está sendo criada uma crise na qual não haverá vencedores."

A opinião de Zarif bate com o resultado de pesquisa feita por um dos sites mais visitados pelos internautas de um país muito presente na rede, a quarta nacionalidade a dominar o site de relacionamentos virtuais Orkut, por exemplo. Indagados pelo Iranian Online "Se (e quando) chegar a hora de escolher entre 'Islã e Irã', qual dos dois você apoiará?", 90% cravaram o segundo.

Ahmadinejad pode estar blefando para mostrar força aos países próximos, especialmente Afeganistão, Iraque e Israel. Ao fazê-lo, corre o mesmo risco do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein, que sustentava interna e externamente que seu país tinha armas de destruição de massa, para parecer mais perigoso do que era e por pensar que os EUA não abririam mão das soluções diplomáticas e recorreriam a uma invasão.

Seu blefe seria pago na madrugada de 20 de março de 2003.

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